Desde sempre lembro-me viajando em imagens. Primeiro elas fugiram de meu olhar interno e se faziam ver mergulhadas em papel e cores. Depois vieram as palavras e a inspiração dos sonhos, pois foi a realidade que, muitas vezes, trouxe os pesadelos. Em busca de organizar este mundo interior surgiu a Ilha.União de idéias e sonhos, asas que herdei. Apresento-a em pequenos trechos e peço que questionem, perguntem muito para que ela possa tornar-se mais rica e interessante, lugar melhor pra viver.

28.6.06

FAMÍLIA

Este é o menino Pedro que completa hoje, uma semana neste nosso mundo. Pedro tem carinha de homem mas ainda é anjo. E eu, tenho a felicidade de ter este anjo nos braços e de poder apreciar o cenário em que ele está crescendo.

Não venho aqui falar de ser avó pois já falei disto e esta benção já me foi dada desde que nasceu o Luca e, antes dele, o Henrique.Todos eles, seres de muita luz e amor.

Venho aqui falar do lar que recebeu Pedro e de seus pais que o constroem como fazem os pássaros, com cuidado e aos pouquinhos, montando um ninho gostoso e seguro para sua prole.

Anna, minha filha, e Harry meu genro, se conheceram quando ainda crianças. Quis o destino que seus pais tivessem ido morar numa casa na mesma rua em que nós. Já tinhamos laços anteriores mas nem desconfiávamos que a vida iria nos unir outra vez.

A família de Harry mudou-se do bairro quando a mãe dele, Angela como eu, adoeceu gravemente. O menino, com cerca de doze anos ficou órfão de mãe e, pouco tempo depois, também seu pai se foi. Ele e seus dois irmãos mais novos foram criados pela Babá que os acompanha e auxilia até hoje.

Quando seu tio avô, nosso grande amigo, completou 70 anos em 1994, deu uma grande festa. Harry e Anna se reencontraram, já com 24 e 19 anos, respectivamente. Daí em diante não mais se separaram. Em oito anos, construiram uma relação de parceria alegre e amorosa que transformou-se em casamento em 2002 e tornou-se família este ano, com a chegada do Pedro.

Conviver com esta dupla e participar de seus cuidados com o pequenino, cuidados estes que fluem como se eles dançassem uma valsa amorosa em torno do filho, em que as participações de um e de outro se complementam e se harmonizam com atenção, alegria e humor é a razão de minha admiração e um exemplo de que relações são construídas e, mesmo quando acontecem de improviso, também precisam de cuidados e manutenção.

Numa época em que vejo tantos jovens querendo encontrar relacionamentos rápidos e "prontos" como quem compra um objeto exposto em loja; em que a impaciência para com as características diferenciadas do "outro" são vistas como "defeitos insuperáveis"; em que a competição prevalece sobre a colaboração e o amor, dou graças por Anna e Harry e desejo firmemente que conservem esta sabedoria da convivência e que o ninho que construíram para o pássaro Pedrinho seja um exemplo e uma esperança para todos nós.

Obrigada meus queridos filhos.

Angela Schnoor. Em 29 de junho de 2006.

23.6.06

tão necessário!

INDIVIDUALITY
Have courage and follow your own path
Esta imagem e suas palavras me tocam na mais profunda acepção da palavra
Símbolo.

Dragando a lagoa

Sei que estas minhas postagens podem parecer maníaco depressivas mas, a vida tem altos e baixos e sinto que é preciso, como disse no título deste, dragar a lagoa. Este texto brotou-me a quase seis anos, numa madrugada, do modo como aí está, como um vômito necessário e curador.
É claro que os sentimentos têm sido elaborados ao longo deste tempo mas é importante pois que é histórico e torna-se bem presente para mim, na raiva, na impotência e nas reações atuais a possíveis rejeições, muitas vezes, eu sei, imaginárias. Quem ousa dizer que cicatrizes não doem?
Acho que as impressões mais antigas, quando da formação de um ser vivo, acabam sempre fazendo parte de sua vida. Quando uma criança é muito sensível e o machado é muito cortante a cicatriz fica até o fim de sua existência mas pode transformar-se num aviso para que outros pensem bastante antes de desferir os golpes, pricipalmente sobre os seus pequenos.

foto de Sebastião Salgado_dead_eyes

Vômito

Medo de perder o que não tenho
Se na loucura do sonho não vivido
Encontro sempre, na vontade do outro,
O desamor, a rejeição
Que me persegue desde o berço.
Já entrei na vida pela porta errada
Pra ganhar o mundo tenho que ser nada
Ou representar o que de mim esperam.
Beleza feminina,
Força masculina,
Saber niversal,
Onipotência.
Segura as pontas menina!
Mamãe tá frágil, vai se cuidar.
Faz companhia, não deixa só.
Por sua causa...Tudo.
Esta menina maltrapilha,
Abandonada em sonhos,sem sonhos,
Julgada o demônio de vermelho.
Segregação. Sai fora!
Não faz parte!
Pertencer? Desiste!
Tenha brilho, seja poderosa!
Doente, você ganha amor...
Mas ganha morte.
Sai dela e vira herói
Não mais precisa, é forte!
Sustenta
Segura
Aquenta
Suporta
Nada dói,só lá dentro.
Ninguém vê,não há olhos pra você.
Ferro em brasa queima a alma
Abandonada à mingua
És forte, agressiva.
Assusta com seu susto
Agride com seu medo escondido
Grita, grita,
ninguém ouve o que se oculta
no silencio atrás do grito!
A impotência, o pânico,
A morte, a farsa, o abandono.
Que bom ser amada quando doce,
Que bom ser querida quando meiga,
Que bom ser desejada por si mesma!
Que medo,...a perda espreita.
A perda do que não tenho,
Que persegue o rumo
A perda de si mesma.
A negação do amor
Ser útil é o que te resta,
Precisam de ti
Sê forte
Sabe tudo
Segura
sustenta
orienta
inexiste
Precisam do tu que não és
Do tu que deves
Do tu que morre pra não deixar morrer
A culpa é toda sua
Ninguém é feliz ao teu lado.
Você não é bastante,
Faz uma força,finge forte.
Alegre-se, sorria, anime,
Precisam sempre que você desista.
Morte em vida,
Insepulta és.
E nem te mandam flores
Encomende você,
És forte!
Quem mandou entrar,
Pelos fundos,
Disfarçada de mulher,
Pensando ser filha,
Querendo ter vez.
O palco estava cheio
Uma presença imensa
Ocupava o Universo com a loucura!
Traga logo as panacéias
Antes que te matem
Mesmo onde te escondes.
Cuida de todos
Eles precisam
São tão frágeis!
Crê na onipotência
Não enxerga os cordões
Que manipulam
Finge que é prazer
Sofrer a dor do outro.
Esquece a sua,
Não és importante!
Entraste pelos fundos,porta errada.
Não era pra você o desejado.
E, te deram tanto!
És culpada!


Angela de Pádua Schnoor 4/09/00 - RJ.


Pedro chegou! Vovó outra vez!


Imagem - Abuelilla Tejiendo - de Mónica Calvo, uma desenhista maravilhosa.

Hoje passei a tarde tentando publicar um texto mas as imagens teimavam em não entrar de forma alguma. Ficou pra outro dia pois, quase noite fomos acompanhar Anna a mais um exame. Ela tinha dores e não passava bem. Ao chegar na maternidade, já estava em trabalho de parto e o Pedrinho chegou às 21 horas e 31 minutos, da quinta feira, dia 22 de junho de 2006.

O parto foi rápido e o nenem nasceu bem, com 3.030kg e 50 cm. Cabeludo, mãos muito longas e uma boca grande,rasgada, pronta a abocanhar o melhor da vida.

Preocupada em me dar as boas notícias, Anna ligou da sala de parto, pelo celular da médica para nos avisar que o Pedrinho já tinha nascido e que tudo corria bem.

Já no quarto,a nova mamãe estava alegre,esperta e sentindo-se ótima, para espanto de todos que não sabem mais o que é um parto natural!

São duas horas da manhã e ela acaba de me avisar que seu filhote mamou 28 minutos e dorme tranquilo no quarto com seus pais.

Agradeço muito pelo dia de hoje! Pelo meu segundo netinho que nasceu com saude e pela minha filha que conseguiu ter um parto feliz, apenas com a dor necessária.

Que a vida abençoe esta nossa família e as raízes que crescem a partir dela.

Que o mundo possa recuperar o respeito e o amor à natureza e aos seres humanos, a partir de todas as crianças que são amadas e respeitadas.

A vovó Anha, agradece a todos que torceram pela vinda do Pedro e pela recuperação do Luca que amanhã vai estar alegre e risonho em sua primeira festa junina!

Posted by Picasa

21.6.06

Não dá pra acreditar!



O Rio de Janeiro está cada vez mais inacreditável! Acho que até o Cristo, qualquer hora destas, desce lá do Corcovado e se manda pra outro lugar.
Moro num bairro residencial da zona sul da cidade, em Laranjeiras. Hoje, dia 20 de junho, terça feira, eram menos que 13 horas quando saimos de carro, da garagem do prédio onde moramos.
Pois bem, ao virar a esquina da rua, reparei num automóvel que estacionava sobre a calçada. Era um carro velho, com uma cor azul mal definida pela sujeira mas, o que me chamou vivamente a atenção foi o rapaz que saia de dentro do veículo e batia a porta.
Jovem, vestido com calça jeans e camiseta azul real, usava óculos escuros e tinha um boné sobre a cabeça.
Até aí nada demais se o moço não portasse, pendurada sob o ombro direito como se uma bolsa fosse, uma metralhadora!
É, simplesmente uma metralhadora!
Não, não foi engano de percepção. Não, o rapaz não estava unformizado e nada indicava que fosse policial! Eu não tinha bebido e nem estava sonhando!
A cena me pareceu tão surreal que quase não acreditei no que via! Chamei a atenção de meu marido que, dirigindo, só percebeu a cena de relance e não a realizou muito bem.
Muitos pensamentos passaram por minha mente. Seria ele, segurança de uma clínica que existe alí perto? Mas... mesmo que fosse, lhe perguntei, seria permitido a qualquer um, sem mais razão, andar pelas ruas ostensivamente armado?
Não, respondeu-me ele, é claro que a lei não permite mas, como não há policiamento... fica tudo assim...
Sempre que vejo carros de polícia recheados de homens armados, com as metralhadoras apontadas para fora das janelas, fico preocupada com a possibilidade de um acidente e chocada com esta postura ameaçadora que me parece uma afronta. E agora, assim, como quem leva uma sacola de compras ou um livro debaixo do braço, lá vai o rapaz cheio da segurança de quem vive numa cidade sem lei.
Até agora, graças a Deus,não soube de nenhum acontecimento que poderia estar ligado ao que presenciei e, mesmo escrevendo estas linhas, ainda chocada, me pergunto: teria eu imaginado tudo isto?
Seria bem melhor se a maluquice fosse só minha!

19.6.06

Pode vir! Vem!

Pedrinho ameaça mas não vem. Mas o menino está no seu tempo e não queremos apressá-lo mas que estamos com muita vontade de ver sua carinha, abraçá-lo e vê-lo alegrando seus pais, a família e os amigos, não podemos negar!

Pouco depois que soube da gravidez da Anna resolvi fazer um brinquedo para enfeitar o quarto do bebê. Queria montar um boneco articulado, como uma marionete, um polichinelo que fosse bem movimentado, alguma coisa com que ele pudesse interagir e não apenas olhar.

Anna quis recebê-lo num quarto com bichinhos de fazenda e assim ficou decidido que o boneco articulado seria um espantalho.

Custei a conseguir tempo e ânimo para desenhar e montar pois eu nunca fiz esta engrenagem antes. Embora pareça simples, a prática sempre é a melhor mestra para trabalhos deste tipo.

Hoje o desenho saiu. Passei a tarde fazendo uma das coisas que mais me dá prazer, desenhar. A mãe do menino disse que o espantalho está muito chique mas eu acho que tem uma carinha bastante receptiva. Por estes dias estará pronto e daí eu pensei:

Ah! Pedrinho, você está aí bem gostoso, no quentinho doce da mamãe, todo dia o papai conversa com você e te conta quanta coisa boa existe neste mundo te esperando, já tem primos prá brincar e te ensinar o que já sabem e agora, a vovó aprontou este boneco pra te dizer :

- Vem Pedrinho, pode vir que já tem um amigo aqui fora que vai botar pra correr toda e qualquer coisa que possa te perturbar. O espantalho amigo não vai deixar ninguém se "aproveitar da sua horta" e pode também afugentar seus medos. Vem sem pressa,no seu tempo, com calma e quando sua mamãe contar - um, dois , três e já! você sai ok?

Vem que tem muito amor esperando por você nesta família!

17.6.06

Dia de saudade

Ricardo Antônio de Pádua Schnoor - 17/06/1949 - 24/10/1997


VIAJANTE

Minha viagem existe antes de minha vinda.
Não sou nem fico, não estou e nem serei.
Sempre me vou e jamais chego à parte alguma.
Sou o não sendo e sempre estou aonde nunca irei.
Do fogo das entranhas desta Terra,
me trouxeram rubra.
Tenho saudades das lavas
que escorrem e queimam
em minhas veias, a paixão da vida.
Do espaço infinito me buscaram,
Respiro os ares, que todos se negaram,
Mas só me encontro mesmo
em vácuos do infinito.
Esquecida em memória eterna,
Em prantos e suores onde inundo,
Das águas abissais me raptaram,
Mergulhada que estava bem no fundo.
E, emerjo das dores deste mundo,
Nesta verde Terra Mãe
onde, enfim, me semearam.
E me recubro em folhas, primavero,
Ou faço-me Verão em doces frutos.
E à espera do repouso em permanência,
Tenho sede de seios e de útero.

Em memória de querido irmão que viajou tão cedo,a minha saudade.
Em 17 de junho de 2002

15.6.06

Encantamento

Fazem alguns dias que ando encantada,apaixonada e meio triste também.
Quanto mais a gente se afeiçoa, mais tem alegrias e prazeres mas também estamos sujeitos às preocupações e ao sofrer.

Viver é acumular pessoas. A cada novo amigo, a cada ser que nasce e ao qual nos afeiçoamos, à cada vículo que fazemos, maior é a certeza dos sorrisos assim como o risco das lágrimas e apreensões.

De uns anos pra cá, três, para ser mais precisa, a vida começou a me trazer a consciência de um amor maior do que eu jamais havia percebido. Este sentimento imenso e lindo nasceu com o pequeno Henrique.

Este menino forte e meigo veio preencher uma lacuna de quase vinte anos sem um som de criança pela casa. Primeiro filho de uma sobrinha querida como filha, chegou viu e venceu um coração quase envelhecido.

Com ele fiz meu treino para ser avó e não há coisa mais doce na vida que receber o carinho de sua mãozinha sobre a face ao acordar. Ele é uma criança que entendo por dentro porque vejo nele minha timidez e medos de infância, as dificuldades da introversão de mãos dadas com a alegria e a força da independência.

Hoje recebi uma alegria, veio através desta foto com o recado:

"A turma do Henrique fez um livro com as fotos dos alunos e a descrição de cada um feito por eles mesmos. Ficou o máximo, cada uma melhor que a outra.
Aí vai a do Henrique para vocês verem como o nosso pequeno se vê".

Pequeno Bibo, a vovó acha que você é do tamanho dos Grandes! e um dia você vai saber disso muito bem!

Quase dois anos depois do Henrique chegou o Luca Moana.Luca foi o primeiro neto e eu já tinha aprendido bastante com Henrique.

Lindo, meigo e muito esperto, um tipo mais extrovertido e sociável, tem um comportamento bem diverso do seu primo. Já chegou numa família maior. Tem dois irmãos a quem, orgulhosamente chama de "mãos", e mais os primos Henrique e Gael e demonstra verdadeiro fascínio pelos três meninos mais velhos.

Nestes dias nossos corações estão muito apertados. Luca tem estado muito doentinho e embora ria e brinque com seu jeito doce e magnético,sentimos tristeza e preocupação por ele e por sua mamãe. A toda hora me pego rezando para que ele fique bom muito rápido mas, hoje tive certeza de que vai ser assim!

Semana passada,súbitamente adoentada, estava em casa deles quando o pequeno Léon,o irmão do Luca que tem seis anos, aproximou-se de mim e, com seu modo compenetrado de ser, parou solenemente à minha frente e disse: -" Angela, você está melhor?" Como eu respondi que estava me sentindo muito mal, ele continuou: -"Sabe, eu queria que você ficasse logo boa porque eu gosto muito de você. Também queria que você ficasse boa pois eu quero ir para sua casa brincar no computador."

Sorri comovida , dizendo o quanto também gostava dele e afirmando que ficaria logo boa.

Agora, enquanto escrevo, este pequeno cavalheiro, está dormindo em meu quarto.

Quando fui colocá-lo para dormir ele custou a aceitar que eu pudesse contar-lhe uma história sem ler num livro.

Eu disse que iria contar a mesma história que eu já havia contado ao Henrique e que seria sobre os sonhos que ele teria nesta noite.

Contei-lhe do homem dos sonhos e da possibilidade dele voar enquanto dormisse, viajando pelos céus da Terra e indo a todos os lugares até sair pelo espaço sideral e depois retornar.

Ele, muito sério me perguntou como este "mago" dos sonhos tinha tanto poder e eu retruquei dizendo que todos nós temos um poder e que um dia ele saberia do seu.

Foi então que Léon, muito sério, me disse: -" eu sei qual é meu poder: é o de curar, como eu curei você, com o poder do meu amor!"

Encantada afirmei que sim.(eu havia ficado bem muito depressa!) E ele continuou: - "E hoje vou voar e já sei quem vou curar, o Luca!"

E, de súbito uma duvida lhe ocorreu: "Como vou poder entrar lá em casa?" Respondi que ele iria em sonhos e não precisaria de seu corpo e de entrar por janelas etc...

Os olhinhos brilharam e completou:-"já sei! Eu também tenho o poder da minha mente!"

Então,pedindo-me para lhe fazer um carinho de leve (como aprendeu com a Fábia), fechou os olhinhos e dormiu deixando-me com a certeza de que há uma geração de pequenos seres de luz que vão melhorar este mundo.

Por mais que me preocupe, por mais que doa vê-los doentes, agradeço todos os dias a benção especial de ter em minha vida estas crianças que me despertam, à cada dia, para um sentimento de amor que não cabe em mim.


14.6.06

O GATO

Para o Feijão, por seu 12º ano de gentil companhia


INDE...PENDENCIA ALGUMA.
IR E VIR
EM MUNDO - ESPAÇO - LIVRE!
INCOMODO DOMINADORES
INTRIGO DESCONFIADOS
VOU QUANDO QUERO
FICO QUANDO VOU
SOU QUANDO QUERO
SEI O QUE QUERO!
NO LASCIVO DESEJO,
VENHO!
EM SILENCIO,
TE OBSERVO.
MINHA CONTEMPLAÇÃO... PREGUIÇA???
MEU ENIGMA... FALSIDADE???
QUANTAS FARSAS TUAS...
TANTOS MEDOS
ESPELHAS EM MEUS PÊLOS
ENQUANTO ME ALONGO E PULO
PRA FORA DO SEU DOMÍNIO!
CONTROLADOR
INDECISO
MEDROSO
COVARDE
HOMO PREPOTENTE
COM CHEIRO DE RATO!


9/03/2001
Angela Schnoor


13.6.06

MELANCOLIA


Vou tentar dormir, pois o cansaço é grande e o desânimo maior ainda!
Acho que tenho experimentado, fortemente reagir, mas uma grande sensação de fim e de desesperança me ocupa quase toda a alma.


A minha insatisfação com a vida, com o corpo que pesa e me cansa mais e mais... Somada a algumas descobertas profundas e difíceis de dividir com qualquer que seja o amigo, faz com que só d-eu-s mesmo possa me ouvir ou ter acesso às minhas grandes dores, aquelas que moram lá no fundo, onde a alma tem dobras e os cotões de lã das tristezas fazem seus ninhos.

Deixa pra lá...Quem sabe, amanhã alguém abre um sol, faço um varal e penduro as esperanças pra secar... Quem sabe alguma lavadeira bondosa e cuidadosa vire as fronhas da impotência e retire, pacientemente, os farelinhos das lãs, como se faz, com amor, aos dedinhos dos bebês, e então meu coração possa vir a soltar gostosas gargalhadas infantis.

Ah! O mal que os inconseqüentes e imaturos fazem aos que já estão cansados da caminhada!
Em sua correria pela vida à frente, atropelam os de pés cansados no andar por pedras e pântanos! Fogem das mãos estendidas por migalhas de atenção como se leprosas fossem!


A velhice pode ser feia aos olhos ainda cheios de luz! E os que enxergam tanto não percebem, na sua pressa, como embaralham os fios do bordado que, com esforço, tecemos aos dias e desfazemos às noites quando, nos sonhos sem corpo, Penélope mora em nós e nos estofa as rugas com sua esperança teimosa.

Quem sabe nosso Ulisses venha com um novo dia, ou quem sabe, o que Argos fareja não seja seu cajado e sim a foice da morte!

Angela Schnoor. Rj, 29/11 2000

11.6.06

Ideália comemora:

ozonehole_med

Fazem alguns dias,recebi esta boa notícia através do boletim da Nasa:

A capa de ozonio da Terra parece estar se recuperando, se bem que os cientistas ainda não estão completamente seguros do porquê.

Leia mais aqui


Copa do Mundo no Brasil

Clique sobre o título e veja, neste desenho premiado, como a Taça do Mundo está vazia para muita gente.

Parto sem dor

Gustav Klimt- Danae


Roberto era moço de família católica ao extremo. Nascido e criado em Salvador, terra de seu pai, na juventude tinha ido morar com os tios no Rio de Janeiro para estudar medicina, sua paixão desde criança.

Caçula de muitos filhos foi educado pela mãe com alguma rigidez visando manter sua masculinidade já que, em casa, havia predominância de mulheres.

Na adolescência já mostrava vivo interesse pela companhia das primas cariocas que vinham a Salvador todo o ano, alegrar suas férias escolares. Entre as meninas, uma em especial lhe atraía a atenção.

Moleca e afetuosamente quente, Bárbara mantinha com Roberto uma cumplicidade que atiçava os desejos recém descobertos do garoto.
Muitas vezes sumiam do grupo, praia afora, aparecendo tempos depois com alguma história pouco convincente.

Por causa da menina e do carinho pelos tios maternos, prestou vestibular para a escola de medicina do Rio e assim, poderia estar mais próximo de seus dois grandes desejos: ser médico e namorar Bárbara.

Embora os estudos tomassem muito de seu tempo, não perdiam as chances para aproveitar as praias do Rio, agora sem mais ninguém para cobrar suas fugas apaixonadas.
Eles tinham uma intensa atração mútua e tornava-se impossível não aproveitar, todos os minutos, o prazer com que se amavam.

Em alguns anos ele estava fazendo residência e já tinham planos para o casamento quando descobriram a gravidez de Bárbara.
O casamento foi logo resolvido, mas Roberto ainda não estava formado e agora, mais que nunca, precisava conseguir trabalho.

Já perto do parto, decidiram morar em Salvador. Lá teriam mais facilidades com moradia e apoio maior da família de Roberto além de oportunidade de emprego para ambos.

A mãe de Bárbara, viúva, estava no exterior com a filha mais velha onde tratava da saúde e não poderia fazer companhia à filha em seu primeiro parto. Como ela tinha ótima relação com os sogros e, somando todas as férias da adolescência, praticamente havia morado com eles boa parte da vida, lá foi Bárbara para Salvador enquanto a barriga permitia um vôo tão longo.

Ficou combinado que Roberto viajaria para visitá-la sempre que possível e, certamente em fevereiro, quando o bebe estivesse na hora de nascer.

Naquela manhã de sexta feira, Bárbara chamou a sogra correndo, pois havia amanhecido com a cama empapada de líquido!

Foi uma correria só. O parto estava previsto para dali a uma semana e agora? Era urgente avisar Roberto!

Aprontaram um quarto da casa e chamaram a parteira, mas em pleno carnaval, as ruas de Salvador estavam apinhadas de blocos, o trânsito não fluía e Bárbara começou seu trabalho de parto só com a ajuda da sogra.

No segundo andar da casa, a moça gemia enquanto sua sogra desfiava um rosário e pedia a Nossa senhora proteção e ajuda.

Na rua, os carnavalescos cantavam e o batuque acentuava as contrações de Bárbara que não sabia como se conter e disfarçar o que sentia diante de sua sogra tão beata que rezava e sofria imaginando as dores da nora!

Mesmo fazendo sexo com Roberto ela jamais sentira tanto prazer em sua vida.

O bebe coroou e saiu, cheio de energia, ao mesmo tempo em que a mãe deixava escapar o grito de um orgasmo pleno, imenso, esplendoroso, ao som do batuque que entrava pela janela, misturado as “Ave Maria cheia de graça, o Senhor é convosco”... Murmuradas pela sogra.

Quando a parteira chegou encontrou o menino amparado pela avó e Bárbara, exaurida de prazer, repetindo incessantemente:

- vai se chamar Dioniso! Ora se vai!

Angela Schnoor.
Rio de Janeiro,7 de Junho de 2006.

8.6.06

HORAS


Desde da primeira vez em que saíra quase no fim da tarde aquele estranho medo tinha se instalado em sua vida.
Saíra à rua despreocupado quando a viu pela primeira vez.
A sombra o perseguiu, às avessas, por onde ia. Não conseguia deixar de segui-la, parecia colado a ela, o que o levou a fazer um desvio perigoso, quase caindo sobre um ônibus que, por segundos, não o atropelou.

Nunca mais saiu àquela hora. Um medo súbito trazia palpitações e calafrios assim que pensava em sair de casa.

Pior foi o dia em que tentou sair no início da manhã. Sentia-se bem e pensou que aquela hora fresca o deixaria mais tranqüilo. Andava despreocupado quando lhe ocorreu olhar pra trás. Lá estava ela, bem em seu encalço. Danou-se a correr pelas ruas e a infeliz ali, copiando todos os seus movimentos. O suor corria pelo corpo abaixo e, mesmo quando ele se sentou agachado, enroscado em si mesmo, torcido pelo medo, ali estava ela, colada ao seu corpo, rente e ameaçadora.

Correu durante toda a manhã e por vezes se escondia à entrada de algum prédio onde ela parecia perdê-lo de vista, mas bastava sair dali para tentar chegar a casa e ela o alcançava, célere!

Em dado momento não mais a viu. Experimentou correr, ela não aparecia, testou movimentos vários e...Teria realmente desistido?
Parecia tê-lo abandonado.

Passando por uma padaria viu que o relógio marcava meio dia. Colocando-se em teste, continuou seu passeio rumo a casa por mais uma hora e... Nada!

Foi assim que escolheu sua hora de sair à rua. Pouco antes do meio dia e até uma hora depois, sentia que estava em segurança até o momento em que, parado sobre um bueiro descobriu que ela estava a seus pés!

Que vitória! Tinha vencido a perseguidora e descobrira seu esconderijo! De fato, naqueles dias em que não a tinha visto sentiu falta, apesar do medo, daquele sabor diferente que sua vida tinha adquirido.

E agora que sabia onde a encontrar, não a deixaria escapar novamente.

Teria poder sobre ela.

Retirou a tampa do bueiro e entrou. Lá embaixo, no escuro muito grande, encontrou várias sombras reunidas. Estavam felizes e lhe contaram coisas.

Nunca mais foi o mesmo, de dia vivia sob a cidade e à noite caminhava livre sob a luz da lua.


Angela Schnoor – RJ. 7 de junho de 2006.

7.6.06

Junho - um mes gostoso!

O que mais se usa fazer na noite de São João são as adivinhações,principalmente relacionadas a assuntos amorosos,como futuro marido etc, veja algumas no link sob o título.


O hemisfério norte tem suas festas de inverno e infelizmente, a falta de identidade que assola nosso país faz com que, cada vez mais, o povo substitua nossas festas regionais pelas tradições da América do Norte.
O Halloween é uma delas. Sem desmerecer a cultura de qualquer povo, fico triste quando vejo nossas lojas apinhadas de fantasias de bruxas, abóboras e outros elementos sem qualquer sentido para nós, ainda mais quando temos um folclore rico para comemorar o solstício de inverno.

Para meu gosto pessoal, o mês de Junho é especial.
O nosso frio é muito agradável porque não é exagerado. As noites frescas permitem apreciar um bom vinho, sopa quentinha, chás e bolinhos caseiros, a raridade de um cobertor de lã, roupas elegantes, um belo céu azul limpinho, e as festas dos santos mais animados do ano!

Neste mês as fogueiras são acesas nas festas à caipira quando iniciam as comemorações com Santo Antonio, o casamenteiro, no dia 13.

Lembro-me bem das brincadeiras e "sortes" que nós, meninas, fazíamos à meia noite nos quintais de casa para saber sobre namorados!

No dia 24, era São João e as quadrilhas prosseguiam em meio a fogos de artifício, balões e muita comidinha típica.
Que delícia as espigas de milho e salsichões cozidos na fogueira, cocadas pretas e brancas, pés de moleque feitos com amendoim e rapadura, o quentão, as pamonhas e os bolos de fubá, canjica e outras gulodices tão gostosas quanto as danças e brincadeiras embaladas pelas musicas sertanejas, os forrós.

Era bom enfeitar as saias e blusas com remendos, fitas e bordados. Podíamos pintar o rosto e usar batom e os meninos faziam barbas e bigodes com traços de rolhas queimadas... Quanta fantasia nos casamentos da roça e nas danças da quadrilha!

Junho me lembra a infância alegre e festiva de um bairro familiar onde todos se conheciam e se ajudavam embora fossem também os reis das fofocas e diz que dizem!!!


Tive um querido irmão nascido entre Antonio e João. Chamou-se Ricardo. Seu dia: 17 de junho!
E como era fogueteiro! Uma vez, nossa mãe quase enlouqueceu ao descobrir que ele tinha "comprado" toda a maleta de fogos de um vendedor andarilho que andava pelo bairro! A pobre conseguiu desfazer parte do negócio, ficando com mais fogos do que seu bolso permitia para comemorar o aniversário do filhote entusiasmado por vulcões e rodinhas de fogo, busca-pés e bombinhas!
Ricardo adorava o fogo e o barulho!

Bem, a festa foi animada e tenho certeza de que ninguém esqueceu deste dia, muito menos o vendedor que quase fez sua féria numa só noite!

Chegando ao fim do mês, mais um santo: São Pedro! O protetor dos pescadores. E a procissão dos barcos engalanados era muito bela de se ver! Eu gostava do mar da baía da Guanabara sendo singrado pela embarcação que trazia, na proa, a imagem do santo, tudo colorido com bandeirinhas de papel!

Ah! Santo Antonio era meu querido, e não por ser casamenteiro, mas porque eu havia lido sua história e desejava muito ter seu dom de estar em dois lugares ao mesmo tempo! O Dom da Ubiqüidade, dizia o livro!

Já adulta, passei a ter um grande interesse pelas chaves. Gostava da forma, da função de abrir, das múltiplas interpretações simbólicas que a chave poderia ter. E aí São Pedro passou a ser meu preferido. Achava bonita sua imagem, ganhei uma de presente e ainda a guardo.

As festas ainda existem, mas já passaram a Julho e deixaram de ser Juninas para se chamar Julinas! Mas, desde que ainda comemorem a alegria de um tempo em que o céu parece ter mais estrelas, as noites são mais aconchegantes e, mesmo sem que saibam, represente o final do ciclo da escuridão para o advento da luz, assim como é o final do ano ao Norte desta nossa Terra.

E, se Junho sempre foi um mês muito gostoso, este ano será ainda melhor! Porque vem aí mais um pequeno para alegrar e adoçar a família. Melhor que qualquer cocada, vamos comemorar a chegada do Pedro, com fogos e bandeirinhas mas principalmente, com muito amor!


Angela Schnoor . RJ, 6 de junho de 2006

5.6.06

Belezas

Nude Chorus Line, c.1920 -Arthur Allen
para ouvir, parar o som do blog e clicar sobre o título

4.6.06

Navegar cibernético



EM TEMPOS NOSSOS, NAVEGAR TORNA-SE TÃO IMPRECISO QUANTO VIVER.
NÃO HÁ CAMÕES OU PESSOA QUE ATRAVESSE OS MARES D´ALEM @@@@@.


DESCUBRO QUE, DE REPENTE, PERDI-ME DE UM TI DO QUAL EU NADA SABIA ALÉM DE UM CAMINHO CIBERNÉTICO.

LETRAS E PALAVRAS, COM ALGUM SENTIMENTO SIM ! MAS, MEU E TEU, EM SEPARADAS PRAIAS, ONDE OS CAIS PODEM DESMORONAR EM SEGUNDOS, CORROÍDOS POR VÍRUS OU PANES ELETRÔNICAS E...

ONDE ESTÁ VOCÊ ? "ONDE ESTÁS QUE NÃO RESPONDES? EM QUE CÉU, EM QUE ESTRELAS TU TE ESCONDES ?"

COMO DIRIA CASTRO ALVES NAS PRAIAS DO NOVO (?) MUNDO.

TENHO TEU CÉU MAS PERDI O ESPAÇO ONDE ELE SE ESPELHAVA... TENHO UMA FOTO E UM LOBO QUE TE ROUBA A FALA E OS MOVIMENTOS E NUNCA TE OUVI SEQUER UM UIVO.
COMO SOA TUA VOZ? QUAL O BRILHO DE TEUS OLHOS E... COMO ANDAS?
SEI QUE TE SABENDO TANTO DO PROFUNDO, NADA SEI DE TI E SÓ POSSO ENCONTRAR-TE NA MEMÓRIA.

ONDE ESTÁS ? ONDE MORAS?
UM PLANETA, UM PEQUENO PAÍS , UMA CIDADE ...UM NOME...

"MUNDO, MUNDO, VASTO MUNDO , SE TE CHAMASSES RAIMUNDO, SERIA UMA RIMA, NÃO SERIA UMA SOLUÇÃO", ME DISSE DRUMMOND. MAS NEM ISSO SERVE POIS SUA RIMA SERIA VAZIA, E EU CONTINUARIA COM AS MENSAGENS VOLTANDO, LETRAS PERDIDAS NOS CAMINHOS ENTRE SATÉLITES E SEM TERRA ONDE TE PROCURAR...

QUASE PÂNICO, NOÇÃO DAS IMPOSSIBILIDADES A QUE NOS ENTREGAMOS SEM PENSAR, NESTE NOVO TIPO DE MORTE... O SUMIDOURO DAS IMPESSOALIDADES À CABO.

QUEM SOMOS NÓS PARA QUEM NOS RECEBE ENTRE PALAVRAS NUMA TELA FRIA QUE SE APAGA ÀS NOITES, SEM BRILHO DE ESTRELAS?
NÃO HÁ CERTEZAS DE UM SOL QUANDO AMANHECE A CONEXÃO E A TELA DEVOLVE UM BUMERANGUE DE IMPOSSIBILIDADES DE ENTREGA.

NOSSO CARTEIRO VOLTA COM SEU MALOTE :
DESTINATÁRIO = MUDOU-SE / DESCONHECIDO/ RECUSADO/ AUSENTE/ NÃO EXISTE.
RESTA-NOS REINTEGRAR-NOS AO SERVIÇO POSTAL DO ABSURDO E RECONHECER A IMPOTÊNCIA DAS RELAÇÕES QUE PODEM PERDER-SE NUM ÁTIMO, QUANDO OS NOSSOS BITES NÃO MAIS SÃO RESPONDIDOS...

POR DEUS...ONDE ANDA VOCÊ ? ME DÊ UM ENDEREÇO EM TERRA FIRME MESMO QUE DISTANTE, UM TELEFONE QUE TOQUE, UMA CAMPAINHA QUE RESPONDA UM OLÁ QUE SE OUÇA, MESMO QUE O TEMPO SEJA LONGO, E QUE HAJA NUVENS OU ONDAS NO CAMINHO...

TORNE-SE ALCANÇÁVEL MESMO QUE NÃO SEJAS.



Angela Schnoor.

Preciosidades

TODO O MUNDO E NINGUÉM
(Trecho do "Auto da Lusitânia")
*GIL VICENTE


Entra TODO O MUNDO, rico mercador, e faz que procura alguma coisa perdida; logo depois um pobre, este chamado NINGUÉM, que diz:

(BERZEBU, o diabo e DINATO, seu secretário, estão em cena.)

NINGUÉM- Que andas tu aí buscando?

TODO O MUNDO- Mil coisas ando a buscar;
Delas não posso achar,
Porém ando tentando,
Porque é bom tentar.
NINGUÉM- Como te chamas, cavaleiro?
TODO O MUNDO - Eu me chamo TODO O MUNDO,
E meu tempo todo inteiro
Sempre é buscar dinheiro,
E sempre nisto me fundo.
NINGUÉM- Eu me chamo NINGUÉM, E busco a consciência.
BERZEBU - Esta é boa experiência: Dinato, escreve isto bem.
DINATO - Que escreverei, companheiro?
BERZEBU - Que ninguém busca consciência E todo o mundo,dinheiro.
NINGUÉM - E agora, que buscas lá?
TODO O MUNDO - Busco honra muito grande.
NINGUÉM - E eu virtude, que Deus mande,Que tope com ela já.
BERZEBU - Outra adição nos acude.Escreve logo aí a fundo:
Que busca honra todo o mundo E ninguém busca virtude.
NINGUÉM - Buscas outro maior bem que esse?
TODO O MUNDO - Busco mais quem me louvasse
Tudo o quanto eu fizesse.
NINGUÉM - E eu quem me repreendesse Em cada coisa que errasse.
BERZEBU - Escreve mais.
DINATO - ..........................Que tens sabido?
BERZEBU - Que quer em extremo grado Todo o mundo ser louvado e ninguém ser repreendido.
NINGUÉM - Buscas mais, amigo meu?
TODO O MUNDO - Busco a vida e quem ma dê.
NINGUÉM - A vida não sei que é; A morte conheço eu.
BERZEBU - Escreve lá outra sorte.
DINATO - Que sorte?
BERZEBU - ....................Mui garrida!
Todo o mundo busca a vida E ninguém conhece a morte.
TODO O MUNDO - E mais queria o paraíso,
Se a mim ninguém estorvar.
NINGUÉM - E eu ponho-me a pagar Quanto devo para isso.
BERZEBU - Escreve com muito aviso.
DINATO - Que escreverei?
BERZEBU - .....................Escreve:
Que todo mundo quer paraíso E ninguém paga o que deve.
TODO O MUNDO - Folgo muito em enganar,E mentir nasceu comigo. NINGUÉM - Eu sempre a verdade digo,Sem nunca me desviar.
BERZEBU - Ora escreve lá, compadre,Não sejas tu preguiçoso.
DINATO - Quê?
BERZEBU - Que todo o mundo é mentiroso e ninguém diz a verdade.

*Gil Vicente(1465-1536)

Foi o mais importante dramaturgo português. Ourives do reino, mestre de balança da Casa da Moeda, autor da famosa Custódia de Belém, representa, em 1502, o Auto da Visitação (Monólogo do Vaqueiro), perante a rainha parturiente, sendo este o início de uma carreira fecunda de comediógrafo, regular e brilhante. A sua obra representa o encontro da herança medieval, sobretudo nos gêneros e na medida poética (utiliza sistematicamente a métrica popular, em autos e farsas), com o espírito renascentista de exercício crítico e de denúncia das irregularidades institucionais e dos vícios da sociedade.

2.6.06

FALHAS - É bom ler Martha Medeiros

vista da cidade de San Francisco - antiga e moderna
FALHAS
Uma das coisas que fascina na cidade de San Francisco é ela estar localizada sobre a falha de San Andreas, que é um desnível no terreno da região que provoca pequenos abalos sísmicos de vez em quando e grandes terremotos de tempos em tempos.
Você está mui faceiro caminhando pela cidade, apreciando a arquitetura vitoriana, a baía, a Golden Gate, e de uma hora para outra pode perder o chão, ver tudo sair do lugar, ficar tontinho, tontinho.
É pouco provável que vá acontecer justo quando você estiver lá, mas existe a possibilidade, e isso amedronta, mas ao mesmo tempo excita, vai dizer que não?
Assim são também as pessoas interessantes: têm falhas. Pessoas perfeitas são como Viena, uma cidade linda, limpa, sem fraturas geológicas, onde tudo funciona e você quase morre de tédio.
Pessoas, como cidades, não precisam ser excessivamente bonitas. É fundamental que tenham sinais de expressão no rosto, um nariz com personalidade, um vinco na testa que as caracterize. Pessoas, como cidades, precisam ser limpas mas não a ponto de não possuírem máculas.
É preciso suar na hora do cansaço, é preciso ter um cheiro próprio, uma camiseta velha pra dormir, um jeans quase transparente de tanto que foi usado, um batom que escapou dos lábios depois de um beijo, um rímel que borrou um pouquinho quando você chorou.
Pessoas, como cidades, têm que funcionar, mas não podem ser previsíveis. De vez em quando, sem abusar muito da licença, devem ser insensatas, ligeiramente passionais, demonstrarem um certo desatino, ir contra alguns prognósticos, cometer erros de julgamento e pedir desculpas depois, pedir desculpas sempre, pra poder ter crédito e errar outra vez.
Pessoas, como cidades, devem dar vontade de visitar, devem satisfazer nossa necessidade de viver momentos sublimes, devem ser calorosas, ser generosas e abrir suas portas, devem nos fazer querer voltar, porém não devem nos deixar 100% seguros, nunca. Devem provocar uma pequena dose de apreensão e cuidado, nunca devem deixar os outros esquecerem que pessoas, assim como cidades, têm rachaduras internas, portanto podem surpreender.
Falhas. Agradeça as suas, que são o que humaniza você, e nos fascina.


- Martha Medeiros -

1.6.06

Monólogo de Orfeu - Vinícius de Moraes

A ILHA DOS MORTOS - pintura de ARNOLD BÖCKLIN

Mulher mais adorada! Agora que não estás, deixa que rompa o meu peito em soluços!
Te enrustiste em minha vida; e cada hora que passa é mais porque te amar, a hora derrama o seu óleo de amor em mim, amada...
E sabes de uma coisa? cada vez que o sofrimento vem, essa saudade de estar perto, se longe, ou estar mais perto se perto, - que é que eu sei! essa agonia de viver fraco, o peito extravasado, o mel correndo; essa incapacidade de me sentir mais eu, Orfeu; tudo isso que é bem capaz de confundir o espírito de um homem - nada disso tem importância quando tu chegas com essa charla antiga, esse contentamento, essa harmonia, esse corpo!
E me dizes essas coisas que me dão essa força, essa coragem,esse orgulho de rei.
Ah, minha Eurídice,meu verso, meu silêncio, minha música! Nunca fujas de mim!
Sem ti sou nada, Sou coisa sem razão, jogada, sou pedra rolada.
Orfeu menos Eurídice...Coisa incompreensível! A existência sem ti é como olhar para um relógio só com o ponteiro dos minutos.
Tu És a hora, és o que dá sentido e direção ao tempo, minha amiga mais querida!
Qual mãe, qual pai, qual nada! A beleza da vida és tu, amada, milhões amada!
Ah! criatura! quem poderia pensar que Orfeu: Orfeu Cujo violão é a vida da cidade e cuja fala, como o vento à flor, despetala as mulheres - que êle, Orfeu ficasse assim rendido aos teus encantos!
Mulata, pele escura, dente branco. Vai teu caminho que eu vou te seguindo no pensamento e aqui me deixo rente quando voltares, pela lua cheia, para os braços sem fim do teu amigo!
Vai tua vida, pássaro contente, Vai tua vida que eu estarei contigo!


Reproduzido do livro 'Orfeu da Conceição', Vinicius de Moraes, Livraria S. José, Rio, 1960.

Conheça, através deste pequeno resumo, a história na qual Vinicius de Moraes se inspirou para escrever a peça "Orfeu da Conceição".

O Mito de Orfeu

Orfeu teve desgraçado fim. Depois da expedição à Cólchida, fixou-se na Trácia e ali uniu-se à bela ninfa Eurídice. Um dia, como fugisse Eurídice à perseguição amorosa do pastor Aristeu, não viu uma serpente oculta na espessura da relva, e por ela foi picada. Eurídice morreu em consequência, e desde então Orfeu procurou em vão consolar sua pena enchendo as montanhas da Trácia com os sons da lira que lhe dera Apolo. Mas nada podia mitigar-lhe a dor e a lembrança de Eurídice perseguia-o em tôdas as horas.Não podendo viver sem ela, resolveu ir buscá-la nas sombrias paragens onde habitam os corações que não se enterneceram com os rogos humanos. Aos acentos melódicos de sua lira, os espectros dos que vivem sem luz acorreram para ouvi-lo, e o escutavam silenciosos como pássaros dentro da noite. As serpentes, que formam a cabeleira das intratáveis Eríneas, deixaram de silvar e o Cérbero aquietou o abismo de suas três bocas. Abordando finalmente o inexorável Rei das Sombras, Orfeu dêle obteve o favor de retornar com Eurídice ao Sol.
Porém seu rôgo só foi atendido com a condição de que não olhasse para trás a ver se sua amada o seguia. Mas no justo instante em que iam ambos respirar o claro dia, a inquietude do amor perturbou o infeliz amante. Impaciente de ver Eurídice, Orfeu voltou-se, e com um só olhar que lhe dirigiu perdeu-a para sempre.
As Bacantes, ofendidas com a fidelidade de Orfeu à amada desaparecida, a quem ele busca perdido em soluços de saudade, e vendo-se desdenhadas, atiraram-se contra êle numa noite santa e esquartejaram o seu corpo.
Mas as Musas, a quem o músico tão fielmente servira, recolheram seus despojos e os sepultaram ao pé do Olimpo. Sua cabeça e sua lira, que haviam sido atiradas ao rio, a correnteza jogou-as na praia da Ilha de Lesbos, de onde foram piedosamente recolhidas e guardadas.

Excerto de "La Leyenda Dorada de los Dioses y de los Heroes", de Mário Meunier.


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