Desde sempre lembro-me viajando em imagens. Primeiro elas fugiram de meu olhar interno e se faziam ver mergulhadas em papel e cores. Depois vieram as palavras e a inspiração dos sonhos, pois foi a realidade que, muitas vezes, trouxe os pesadelos. Em busca de organizar este mundo interior surgiu a Ilha.União de idéias e sonhos, asas que herdei. Apresento-a em pequenos trechos e peço que questionem, perguntem muito para que ela possa tornar-se mais rica e interessante, lugar melhor pra viver.

25.4.15

A bruxa dentro dela




O novo restaurante atraía clientela exigente. A cozinha era boa, ingredientes de qualidade e ambiente criativo.
Na primeira vez em que jantei naquele lugar, a moça que servia se apresentou como uma empolgada e fiel servidora do patrão.
Simples e simpática, enquanto comíamos, discorria sobre a casa sempre cheia nos finais de semana, sobre os pratos mais pedidos e, acima de tudo, falava maravilhas sobre o dono do lugar. Chegou a afirmar que, em dias de muito movimento, ele a ajudava bastante, o que me levou a retrucar: - afinal quem ajuda é você a ele, não seria assim? Ela negou veemente: - Não, ele é que me ajuda, com certeza.
Voltamos em outro dia durante a semana, a casa não muito cheia e a moça ali, firme, a fazer propaganda do lugar, das especialidades e, principalmente, do patrão
Pensei que falava demais que não nos dava chance de conversar entre nós. De , ao lado da mesa, não fechava a boca.
Em outro dia, mudei o pedido para experimentar outras iguarias anunciadas e aconselhadas por ela.
Em casa, comecei a passar mal, minha digestão parecia difícil e consegui me lembrar de um cheiro específico e sabor diferente que senti enquanto comia, o que atribuí ao ingrediente artesanal apregoado pela tal garçonete.
Como não foi nada grave, deixei passar e voltei em um final de semana, acompanhada de pessoas amigas, evitando pedir prato semelhante.
Todos foram unânimes em elogiar a refeição e o lugar e eu procurei observar o comportamento da moça com uma mesa maior, com mais pessoas, enquanto ela parecia se fazer de “garota-propaganda” como fez conosco em nossa primeira visita
De fato, cheguei a dar graças a deus pelas pessoas que a mantinham ocupada, permitindo que conversássemos livremente entre nós, sem sua publicidade explícita e exagerada.
Então deu para perceber melhor seu olhar voltado para o ‘chef’, entre adoração e necessidade pungente de aprovação.
Internamente comecei a perceber como me desgostava seu comportamento artificial que a tornava uma pessoa maçante, tão agradável e solícita desejava parecer.
Ao chegar em casa, novamente me senti mal, não saí do banheiro e passei uma noite tumultuada, sem dormir a contento.
No dia seguinte soube que uma das minhas amigas também tivera má digestão e cólicas severas.
Consideramos que talvez tivéssemos exagerado na quantidade ou na mistura de ingredientes dos pratos, sobremesas e bebidas.
Na semana seguinte, o jornal do bairro publicou uma matéria sobre um cliente do local que havia sido internado com suspeita de envenenamento, tendo escapado milagrosamente.
Foi então que soube, à boca pequena, que os donos do restaurante haviam instalado uma câmera na cozinha.
Passou-se um mês e toda a questão parecia ter caído no esquecimento pois nada havia sido apurado, até que um frequentador assíduo morreu por envenenamento após ter jantado no lugar.
Quando a polícia fez a análise das filmagens, havia cenas em que a gentil garçonete depositava um diferente em alguns pratos que iria servir. Nas imagens, a expressão da mulher merecia ser analisada por um psiquiatra, tal as caras e risadas estranhas que ela emitia enquanto “preparava” os pratos especiais.
Mas, o que causou mais espanto e comoção aos frequentadores e pessoas da região foi o fato dela ter guardado o veneno entre os pertences do 'Chef' e o ódio exacerbado com que tentou incriminá-lo.


Itaipava. em 18-04-2015

21.4.15

Idéias e Pensamentos


Bears star by ArtGalla

Idéias e Pensamentos
de Angela Schnoor



sobre memória universal e as chamadas reencarnações.

- As vidas e os fatos ficam gravados na memória coletiva do tempo. Cada ser que nasce, vem à vida com partes desta memória. Alguns trazem mais, outros menos. Uns carregam determinadas partes ligadas a fatos e tempos específicos e pode parecer que reencarnaram trazendo traços e lembranças vividas em algum tempo e lugar. Talvez sejam memórias de alguém que existiu anteriormente.  

Tanto a dor quanto o prazer são efêmeros, passageiros. A serenidade é permanente, mansa e constante

Provérbio (segundo Stefano Valente)

- Nada como a morte e o tempo para mudar a face das lembranças.

- Niente come la morte e il tempo per cambiare la faccia dei ricordi.

- Rien de mieux que la mort et le temps pour changer le visage de    souvenirs.

Projeção

No inconsciente de todo super-pai e de toda super-mãe existe uma criança carente

Se o louro milharal segregasse o pobre feijão preto, estaríamos condenados a viver de pipocas e corn flakes sem jamais experimentar a feijoada

Somos um passado que se atualiza.

Quem ri muito e à toa deve estar triste ou é vazio!

Reconhecemos as afinidades quando, após anos sem nos encontrar, colocamos uma vírgula no tempo e prosseguimos.

O azar é a boa sorte que ainda não foi compreendida.

Cultura é o conjunto de conhecimentos que se transmite.
O que retemos é burrice.

Mestre é aquele que mostra onde está "minha Janela”, deixando para mim a experiência de abri-la e ver o horizonte através do meu olhar.

A vida é uma roda, um eterno recomeçar. Por isto, a cada volta, crie algo novo e então a roda se tornará uma espiral que, em algum tempo, qual mola propulsora te impulsionará para o alto.

A chama que me consome é a que me brilha.    

A vida é a descoberta de cada minuto e a morte, o instante que passou.   

Quando o Homem compreender que o coração humano é como um céu infinito, ondelugar p’ra todas as estrelas, cada uma em seu espaço e com seu próprio brilho, mais iluminado e belo será seu céu e mais claro seu caminho.   

Abandonar trilhos e estradas, fazer seu próprio caminho, arriscar-se em espaços nunca antes percorridos e então encontrar a autêntica segurança: a autoconfiança de quem experimentou a si mesmo

Todo aquele que semeia amor sem condições, se sente divino.
Faça isso e melhore o mundo onde vivemos!

Quando num grupo humano ocorre uma gravidez, as mulheres, em sua maioria, se tornam mães e os homens voltam a ser meninos.

 Não afirmo que exista outra vida, mas sei que há uma forma de "existirmuito importantetodos nós vivemos para sempre no paraíso daqueles que nos amaram e a quem amamos... assim como há os que vivem em nossos infernos. Portanto, quanto mais amamos e menos odiamos, mais divinos seremos...

Amo, sem saber o que amo: todo o meu entendimento é meu coração.

Fazer fantasias a respeito do outro não é apenas um caminho obrigatório na senda da frustração é, acima de tudo, absolutamente injusto para com aquele sobre o qual depositamos nossas expectativas e projeções.

Cada dia que passa, mais percebo que há uma palavra que me define bem - Consequência.
Me entendo como uma pessoa consequente.

Porque escrevo
Não me sinto bem no barulho. Pessoas falam demais e, às vezes, muito alto.
Como o silêncio me é necessáriopara me comunicar prefiro lerescrever.

Cada um que se vai nos deixa mais pobres de nós.

Deixe de ser uma pessoa gratuita.
Os relacionamentos se constroem com colaboração mútua pois, sem trocas, ou se torna comércio com suas pagas, ou desliza para o uso e abuso das servidões.

Felicidade é quase uma sensação visceral, está ali, permanente como um pano de fundo.
É tão ampla e múltipla que subentende a tristeza, que é tão passageira quanto a alegria, sentimentos que se experimenta eventualmente.
Uma pessoa pode ser feliz sem rir ou parecer alegreMuitos que parecem esbanjar alegria, podem não ser felizes e sucumbem à primeira dor porque lhes falta o suporte da felicidade, o tal pano de fundo!

Quando meu corpo morrer, o que sou eu vai encontrar o paraíso, o absoluto silêncio, a plenitude do vazio.  

Enquanto os valores desta sociedade estão baseados no que se compra e vende, os meus vinculam-se ao que não se pode comprar.

A morte da vida
 A vida se esvai sozinha.
Solitária, não tendo a quem dar a mão ou sorrir, perde o brilho, desapega-se e transforma-se em morte.

A vida do espírito
O corpo se alimenta de matéria e, juntos, se decompõe.
O espírito se alimenta de sonhos.
Depressão é a deterioração dos sonhos.

Quanto ao escapismo, diga-me: Porque não escapar se isto nos faz felizes e não prejudica pessoa alguma? Onde estão estas regras que os homens criam a partir do que temem, apenas para rotular comportamentos e pessoas?

Sobre a benevolência -
A benevolência é quase sempre perniciosa, pois facilita a auto indulgência e a acomodação. Entretanto, quando dirigida a perfeccionistas ferrenhos e a incansáveis trabalhadores, pode tornar-se um bálsamo, qual uma poltrona macia que acolhe o exausto.

O outro é sempre uma criação nossa.

Nunca se ofereça. Incomodam-me as disponibilidades e as ofertas gratuitas.
Prefiro a batalha. Gosto de ir ao encalço da presa e que ela me resista, pois a subserviência ofenderá meu brio!

- Onde me esburaco é onde me encontro.

- O que não acontece na matéria permanece eterno no desejo.

- Se quero ser suave, a pergunta se impõe : Em que porão guardo a paixão?

- Sob aparente austeridade o inverno trama a esfuziante primavera.

- Do relativo: O nevoeiro pode não ser traiçoeiro. Depende de onde não se    quer chegar.

- Paixões são como coágulos que se soltam. Libertam o sangue para estancá-lo adiante.

- Como amar sem discordar ou enraivecer?
  Como ser feliz e não chorar ou estar triste?
  Como um bordado sem fundo?

- Sempre que escrevo pelas quase manhãs, ao reler os textos encontro restos de sonho entre as linhas e parágrafos!

- Pressinto o frio da noite no aquecer abrasador do sol que se inicia. Aconchego-me no agasalho confortante dos meus sonhos e sorrio. Não, não quero chorar agora o meu futuro!

- Como o vagar de uma estrela que se apaga, penetro na escuridão do meu dia.

- Amor é tesão enfeitado com carinho.

- Toda poesia é um ato de covardia!

- A vida é feminina
Sua linguagem é subjetiva
Sua comunicação se faz
Pelas entrelinhas!

- Na linha azul do infinito, meu porto e finitude.

- Encalhar... é parte do navegar!

Criar é a diversão da inteligência

 Liberdade e fraternidade – tornam-se mais importantes principalmente nas desigualdades –sejam culturais, sociais, de credo, educação e valores.

Verdade pessoal
Verdade é aquela que, em dado momento, ecoa dentro de mim com segurança suficiente para que eu acredite nela.

Que a luz brilhante da vida penetre nas cavernas dos medos e afaste todos os fantasmas de dor.

 Enfrente-se - as melhores vitórias são as que conseguimos sobre nós mesmos

Um belo corpo pode ser um manequim sem alma. Uma bela alma ilumina um corpo.

Pessoas felizes não magoam ninguém. Pessoas amargas ferem a todos. Pessoas muito magoadas se ferem para sempre.
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A morte chegará tanto para os belos como para os feios, para os gulosos e para os famintos, para os que se acham bons e para os que não se sabem maus. Importa é como se vive o até.
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Penso que o que distingue homens de animais não é a razão, mas o sonho!
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Quanto mais medíocre e insossa é a vida de um ser humano, mais ele se interessa em divulgar a vida de outros.
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Um homem sem religião é como um pássaro sem gaiola. Mas, sem espiritualidade o homem vive como um pássaro sem céu.

Duas coisas são capazes de realizar o Homem comum:
 1ª- Conquistar aquilo que  deseja;
 2ª- Usufruir o que conquistou.
 E os mais sábios conseguem desfrutar com plenitude o que conseguem conquistar. Isto é viver
 E duas  outras coisas podem realizar outro tipo de Homem:
 1- Conseguir criar o que imagina
 2- Saber que aquilo que criou pode ser benéfico na vida de outras pessoas
 Isto pode significar viver num sentido mais amplo.

Para o ser humano, conter e reprimir a raiva sem encontrar uma expressão adequada para canalizá-la pode ser tão danoso, quanto liberá-la impulsivamente.

"Para  exercer o desapegoque ter do que abrir mão".

criação que é melhor aceita é a que tem suas bases no antigo pois ela atrai, indiretamente, o que o inconsciente humano conhece.

Felicidade não é alegria, passageira primavera, mas a serenidade de viver todas as estações com o mesmo prazer.

O que mais e melhor sabemos é o que não foi preciso aprender.

Conseguiríamos ser pessoas bem melhores se abandonássemos o ideal de sermos bons e perfeitos.

Do imenso olho do tempo, escorre a lágrima que chora as areias quentes de minhas lembranças...

 Penso que o narcisismo consciente e moderado é uma das belas formas de autoconhecimento.

Sobre Rir

Desejo que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso
E o riso contínuo, insano.

Je veux que tu sois triste,
Pas chaque année,
Mais seulement un jour.
Mais ce jour découvrir
Que le rire par un jour est bon
Le rire d'habitude est fade
Et le rire continu, fou.

 I want you to be sad,
 Not every year, but only one day.
 But that day discover
 That daily laughter is good,
 The usual laughter is bland
 And continuous laughter, insane.

Quiero que estés triste,
No todos los años, pero sólo un día.
Pero ese día viene a descubrir
Que la risa diaria es buena,
La risa habitual es sosa
Y la risa continua, una locura.

Voglio che tu sia triste,
Non tutto l’anno, ma solo un giorno.
Ma che in questo giorno tu scopra
Che il ridere quotidiano è buono,
Il ridere ordinario è insulso
E il ridere continuo, insano.

Vida longa

Até hoje, lembro-me bem das histórias divertidas que meu pai contava sobre seu avô, sua mãe e as estrepolias de sua infância.
Para viver por volta de 400 anos ou mais, conte histórias pessoais a seus filhos e netos, reproduza as que ouviu de seus avós ou de seus pais e acrescente as suas
Esta prática fará com que seja lembrado por oito gerações ou mais. Em sua bagagem, você pode não ter grandes feitos públicos, mas estará presente na memória de sua família, tornando-se quase uma divertida lenda.
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Ser avô é voltar a brincar.
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 Sou apenas uma personagem efêmera que vivencia as histórias que minha alma dita.
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 Algumas palavras podem não ser totalmente verdadeiras mas, se trazem conforto, têm valor.
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 Burrice é ignorância emperrada em certezas.
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18.4.15

Lá em casa mora um lobo mau...




em casa mora um lobo mau...

Um dia ouvi sons estranhos que pareciam vir do banheiro. Eram roncos esquisitos que surgiam de repente.
Como estou ficando velha pensei que era caduquice, mas os barulhos continuaram e não me deixavam relaxar.
Custei a perceber que não eram da casa onde moro, mas da outra casa que me abriga a vida, o meu corpo.
Os doutores nada resolveram, falaram nomes esdrúxulos e tomei pílulas aos montes, sem resultado.
Se, com o tempo de vida, nos tornamos mais espertos ou sabidos, também ficamos mais desconfiados. Então, matutei bastante, resolvi  chamar aqueles desconfortos de meu lobo mau e descobri que ele mora em mim desde sempre, nasceu comigo e apenas era tão pequeno que não o percebi direito.
Agora que estou encolhendo, ele cresce e ganha espaço dentro de mim.
Quando os netos me visitam escondo o lobo sob a minha cama para não assustá-los,  mas conto histórias gaiatas sobre ele para que as crianças o conheçam melhor, se acostumem e percam qualquer medo.
De fato, descobri que ele nem é mau! As pessoas que assim o chamam mudariam de opinião se o conhecessem direito. Quando ele ficar maior que eu, vou estar leve e experimentarei a floresta, tão conhecida dele, sem medo.
O meu lobo vai me levar para conhecer caminhos e belezas que nunca vi.

Itaipava, em 15-03-2015



Angela Schnoor

15.4.15

Caixas





   O senhor Lanúvio herdara riquezas de família. idoso e sem descendentes, seu pensamento era ocupado constantemente com a ideia de legar seus bens.

Apreciador da alma das pessoas e sem necessidade de prover seu próprio sustento, resolveu criar para si um laboratório de experiências que divertia seu espírito e com o qual aprendia. Abriu uma loja de caixas de diversos tipos, passou dias e dias inventando surpresas e mesmo depois de estabelecido, continuava a criar novas combinações de caixas e embalagens. Os produtos estavam dispostos com sabedoria e ardil, tinham dimensões e formas variadas, desde as mais simples e pequenas até as mais elaboradas, enfeitadas e de tamanhos grandes.

De fato a intenção dele não era a venda, mas a observação das pessoas diante de suas escolhas. Conversava com alguns de seus clientes, observava outros e assim conseguia saber mais sobre a natureza humana

Umas caixas nada continham além de odores, tanto agradáveis quanto fétidos. Em algumas, miúdas e mal acabadas, ele depositava preciosidades. Certas embalagens grandes podiam conter vazios enquanto outras estavam cheias de quinquilharias, ora valorosas, ora boas para o lixo. Para o senhor, as mais divertidas eram as que, ao serem abertas, pregavam sustos expelindo sons, projetando bonecos feios e debochados e as que espalhavam cores, luzes e encanto por toda a loja.

Em uma quina quase escondida, ele dispusera uma caixinha de madeira, incrustada com pequenas peças nacaradas, uma preciosidade aos olhos dos que conheciam o valor do trabalho artesanal. A peça, de beleza indiscutível, estava vinculada a uma história de família. Nessa, o Sr Lanúvio deixou o interior vazio, entre o desejo e o pressentimento de alguma coisa que não conseguia precisar.

Senhoras emproadas escolhiam caixas grandes e chamativas, pagavam caro por elas e pediam para embalar como presente sem ao menos perguntar ou abrir para conhecer o conteúdo. Umas estavam vazias, mas outras, e era com estas que o senhor mais se divertia, continham insetos mortos, maus cheiros e outras piadas de mau gosto.
Alguns clientes eram bastante práticos. Faziam escolhas simples baseadas no preço e no espaço para acondicionar o que pretendiam. Outros decidiam pelo tamanho, pela aparência luxuosa e ainda havia os que pareciam agir de forma displicente, impensada.

Lanúvio percebia a forte relação entre a personalidade das pessoas e as caixas escolhidas e pensara, com mais tempo, escrever um tratado sobre o assunto.

Uma tarde, uma jovem de aparência discreta e modesta entrou na loja. Como se atraída magicamente foi direto ao encontro da minúscula caixa e ficou um bom tempo com ela entre as mãos.
Atento e alerta, o senhor viu a cena se repetir semana após semana e resolveu não interferir, mas seu interesse aguçava cada vez mais.
A moça, por sua vez, nunca perguntou coisa alguma e poderia saber o preço do objeto que no fundo da caixa havia uma etiqueta com o valor da peça.
Como o custo era alto, o velho imaginou ser difícil para ela comprar o mimo, mas nada dizia e desviava o olhar para deixá-la à vontade com o que parecia ser um pensamento-desejo-sonho.  

Algo naquela jovem o atraía e intrigava. Como havia mandado instalar um grande espelho no aposento, discretamente a observava acompanhando seu interesse por aquela caixinha.

Após um mês de visitas a jovem não mais apareceu e Lanúvio, um tanto apreensivo, depositou dentro da caixa um pequeno bilhete, retirou a etiqueta, mudou o lugar de exposição e aguardou os acontecimentos, embora não conseguisse conter um pequeno sobressalto seguido de desalentado suspiro a cada moça que entrava na loja.

Algumas vezes Lanúvio se pegava pensando no que teria havido com a ‘sua menina’, como a denominou em segredo. Imaginava como ela viveria, se era , se tinha família ou trabalho. E se estivesse doente, precisando de ajuda?

O outono e seus ventos frios retirava as pessoas das ruas deixando a paisagem vazia. Foi quando a moça adentrou o estabelecimento apertando o casaco e se direcionou, rápida,  ao novo local, pegou a caixinha com as mãos enluvadas e  a revirou entre os dedos.
O coração do velho rejuvenesceu. Parou o que fazia e esperou, ansioso.
Desta vez  ela pareceu perceber a ausência do preço e abriu a caixa. Leu o bilhete e, pálida, se aproximou do balcão, dirigindo-se ao velho.
Não disse uma palavra, lágrimas ameaçavam rolar de seus olhos tristes.  Abriu a gola do casaco expondo um camafeu com o retrato de uma mulher tendo ao colo seu bebê.
Lanúvio, emocionado, identificou de imediato o rosto de sua irmã caçula desaparecida durante a guerra, cujos traços adivinhara na jovem que agora reconhecia.



Itaipava - quarta feira, 25-03-2015