Desde sempre lembro-me viajando em imagens. Primeiro elas fugiram de meu olhar interno e se faziam ver mergulhadas em papel e cores. Depois vieram as palavras e a inspiração dos sonhos, pois foi a realidade que, muitas vezes, trouxe os pesadelos. Em busca de organizar este mundo interior surgiu a Ilha.União de idéias e sonhos, asas que herdei. Apresento-a em pequenos trechos e peço que questionem, perguntem muito para que ela possa tornar-se mais rica e interessante, lugar melhor pra viver.

30.9.15

Irmãos



Masters of Photography- William Klein


Irmãos tão diferentes era raro ver.

José desde pequeno era cuidadoso e amoroso, cuidava dos bichos, das plantas e era amigo dos colegas, especialmente do irmão João, que o maltratava com rigor e uma raiva que não se explicava.
João machucava o gato, batia no cão e passava os dias a inventar formas de prejudicar José.
A mãe tentava educar os filhos de maneira semelhante e mostrava ao mais velho que ambos podiam contar com seu afeto, mas o menino parecia ter prazer com as maldades que praticava.
Cresceram assim e assim ficaram órfãos. Embora vivendo juntos na mesma casa onde nasceram, tinham vidas diversas e de acordo com o temperamento de cada um. José era sempre convidado pelos amigos, apadrinhou os filhos de alguns enquanto João, solitário e carrancudo, vivia só, fechado em si mesmo.
Quando Maria se enamorou de José, a raiva de João cresceu. Então puderam perceber que ele também gostava da moça, embora nunca houvesse dito, ou mesmo insinuado, coisa alguma a ninguém.
Moravam distante do povoado e João foi servir no quartel enquanto José permaneceu em casa trabalhando na roça. João gostou da vida militar, tinha prazer em cuidar e lubrificar sua arma e vivia treinando pontaria em pássaros e frutos, enquanto José o repreendia, pedindo que usasse vidros e latas, deixando em paz os seres vivos.
Uma tarde João atirou no cavalo, o único do sítio, que os servia fazia muito tempo. Contou que o animal havia caído e precisava ser sacrificado. José chorou muito ao lado do animal enquanto João dava a impressão de ter algum prazer com o que fizera. Desse dia em diante, a fúria de João, embora contida e fria, parecia crescer.
Quando José anunciou seu noivado, o irmão se recusou a ir à festa em casa da noiva. Triste, mas conformado, José se ausentou prometendo voltar em breve, e com a data do casamento marcada.
Durante a noite seguinte um incêndio destruiu o pasto e a plantação de café de José. João dizia não saber a causa do incêndio e passou a vigiar a casa, temendo, na ausência de José, a invasão de algum malfeitor.
Na noite seguinte, José deveria retornar, mas não foi visto nas redondezas. Pela manhã a vizinhança, embora distante, ouviu tiros e alguns correram preocupados. Na entrada da casa, o corpo de José crivado de balas.
No quarto, João limpava a arma com um sorriso estranho no olhar.
 
Itaipava, 17-09-2015