Desde sempre lembro-me viajando em imagens. Primeiro elas fugiram de meu olhar interno e se faziam ver mergulhadas em papel e cores. Depois vieram as palavras e a inspiração dos sonhos, pois foi a realidade que, muitas vezes, trouxe os pesadelos. Em busca de organizar este mundo interior surgiu a Ilha.União de idéias e sonhos, asas que herdei. Apresento-a em pequenos trechos e peço que questionem, perguntem muito para que ela possa tornar-se mais rica e interessante, lugar melhor pra viver.

25.7.09

A despedida da alma

1996-cabeza-ofelia-color Eduardo Naranjo



Ao sentir que era chegada a hora e porque as forças se esgotavam, deitei-me à espera. O coração batia forte como se tambores rufassem ao iniciar uma solenidade. Havia calma e doçura, mansidão terna e inesperada, agradável até. Aos poucos o corpo esvaziava, tornava-se leve e quase oco. E lá estava ela ao pé da cama. Havia despejado a pesada matéria como um barco que larga as defesas no cais antes da viagem. Olhei-a bem, com prazer. Mantinha as belas formas de outrora e me lembrava, mostrando como um filme, a nossa convivência de tantos anos. Antes de partir e abandonar nossa morada; alugada para duras batalhas e muitas festas, lembrou-me de todos os que me esperavam e apenas ao pensar naqueles que eu deixaria, e em todas as vidas que já não poderia testemunhar, um resto de lágrima ainda brotou dos olhos já entregues ao jamais. Então, ela virou-me suas costas pela última vez e pude perceber a curva de seus ombros arqueados por tanta carga e o quanto suportou sem jamais me faltar em algum momento. Ainda pude vê-la ao entrar na penumbra até sumir no negro, e eu já não mais estava ou existia.

Escrito em 25-07-2009
3h15' am

19.7.09

Um novo E- Book


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11.7.09

Em preto e branco

imagem encontrada pelo google





Estou farta de barulho
sedenta de silêncio
saturada da
pichação
famélica de beleza
cansada de impaciência
de exigência
e coerência
sinto falta do baú
onde piquei sonhos
queimei poemas
e me fiz cinzenta
Enfio as mãos na alma
e sangro.

em 10-07-2009

4.7.09

Orgulho sadio

O Globo 29-06-2009- segundo caderno - Gente boa




Ordem de Choque


escrito por minha filha Fábia, depois da agressão que sofreu nesta quinta-feira 02-07-2009


Na segunda feira passada, saiu uma nota na Coluna gente boa do jornal O Globo, sobre um trabalho que eu desenvolveria durante essa semana pelas ruas da cidade do Rio.
Este trabalho buscava gerar uma reflexão, quebrar o olhar anestesiado da pessoa que anda pela rua, tentando sobreviver, assim como as outras que lhe pedem um trocado. A capacidade de adaptação do ser humano às vezes nos faz aceitar o inaceitável, como passar reto por uma criança que tem fome.

Acredito que isso é parte do nosso instinto de sobrevivência. Está difícil viver, temos mesmo que criar este mecanismo de defesa para acordar e sair de casa, para trabalhar e comer. Não se pode sucumbir à compaixão a cada mendigo que nos pede um troco, se não, rapidamente passaremos para o outro lado, nem que seja pela loucura.
Ás vezes acho que os “loucos” são pessoas que perderam esse mecanismo e vêem o mundo como ele realmente é.

Se a cada confronto com uma situação de injustiça ou desigualdade pararmos para refletir e lutar por ela, não garantimos a nós a nossa sobrevivência. Acho que vem daí esse estado de torpor, vem dessa impotência de ação e do nosso próprio sentimento de abandono pelo sistema que criamos para viver.

Na quinta-feira passada, por volta das 15 horas, eu fazia aplicação do meu trabalho numa rua em Santa Teresa quando fui assaltada por dois garotos jovens com um pequeno canivete, o que irracionalmente me fez pensar que eu teria chance ainda de salvar minha câmera e o registro do meu trabalho que estava dentro, mesmo tendo sempre o discurso e o princípio de nunca reagir a um assalto. Gritei por socorro, tentei me desvencilhar, até que o maior deles me deu um soco no olho, com tamanha força que fraturou um osso da órbita ocular.

Venho aqui apenas dizer que eu acredito na vida e nas tantas boas pessoas que eu conheço. Quando escuto alguém dizer que pensa duas vezes se bota um filho neste mundo cão, eu penso: bota sim, bota muita gente boa e cria bem para que o contingente de gente que constrói aumente, porque quem não tem condição para ter filhos e nem mesmo tinha condição para nascer está parindo muito.



Eu vou comemorar, e não é porque “graças a deus eu estou viva, podia ter sido pior” ou por ser agredida na rua, porque não se pode agradecer, não está certo e não é “ainda bem”. Essa “ordem de choque” que impera não é normal, nem aceitável, e eu não quero me habituar a ela. É preciso se responsabilizar, é preciso que cada um, na sua medida, em cada pequeno ato, faça o que puder.
Vou comemorar cada pessoa boa que engole em seco essa corja e tenta achar e construir beleza neste mundo. Vou comemorar as pessoas que me acolheram em casa no momento da agressão, a pessoa que viu os assaltantes despejando todos os meus documentos na lixeira e se preocupou em me devolver mesmo correndo riscos e toda a rede de pessoas que tenta todos os dias acreditar que vale a pena sair e tentar viver mais um dia. Amanhã, com meu olho roxo, vou chamar meus amigos em casa e brindar, somar memória boa para fazer frente a todas as memórias duras diárias que me invadem, para que no final do meu tempo, quando a minha carne virar terra, a minha grama nasça verde e florida.


Fábia Schnoor - em 04-07-2009