Desde sempre lembro-me viajando em imagens. Primeiro elas fugiram de meu olhar interno e se faziam ver mergulhadas em papel e cores. Depois vieram as palavras e a inspiração dos sonhos, pois foi a realidade que, muitas vezes, trouxe os pesadelos. Em busca de organizar este mundo interior surgiu a Ilha.União de idéias e sonhos, asas que herdei. Apresento-a em pequenos trechos e peço que questionem, perguntem muito para que ela possa tornar-se mais rica e interessante, lugar melhor pra viver.

25.1.11

O celular de João e Maria

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Eu achei este texto genial e tem tudo a ver com a superficialidade e falta de motivação da vida moderna. No entanto, assim
como a filha do autor, os continuadores desta Era não poderão sentir falta do que não conhecem e quanto mais o tempo passa, mais distante ficam estas formas antigas.
Podemos até, romanticamente, curtir uma carruagem, mas será que viveríamos sentindo falta de roupas complicadas e cavalos a nos levar às ruas? Será que algum de nós prefere datilografar seus textos e passar corretor a usar o computador?
Cada geração vem aparelhada para sua época e creio que as experiências dos pais ficam marcadas na criança e já são habilitações para que ele desenvolva mais e melhor o que recebeu pela genética.
Veja como os pequenos lidam com botões, controles etc, bem melhor que os mais velhos.
Quem sente falta deste modo de ver e viver somos nós, os mais idosos, que viveram outras realidades.
Vale ler este texto pois, embora longo, é uma análise boa, muito rica e inteligente de nosso agora.


O celular de João e Maria

Por Hernán Casciari (*)


Ontem eu contava a minha filhinha Nina, um conto infantil muito famoso, João e Maria - dos irmãos Grimm

No momento mais terrível da aventura, as crianças descobrem que os pássaros haviam comido as estratégicas bolinhas de pão, um sistema muito simples que os irmãozinhos haviam pensado para retornas à sua casa. João e Maria se percebem sós no bosque, perdidos, e começa a anoitecer.

Minha filha me disse, justo neste ponto de clímax narrativo: 'Não importa. Que chamem a seu pai pelo celular.'


Então pensei, pela primeira vez, que minha filha não tem a menor noção do que seja uma vida fora da telefonia sem fio. E ao mesmo tempo descobri como a literatura seria espantosa, toda ela, em geral, se o telefone celular sempre tivesse existido, como acredita minha filha de quatro anos.

Quantos clássicos teriam perdido seu núcleo dramático, quantas tramas estariam mortas antes de nascer e sobre tudo quão facilmente se haveriam solucionado os meandros mais célebres das grandes histórias de ficção.

Pense leitor, agora mesmo, em uma história clássica, qualquer que lhe ocorra. Desde a Odisséia até Pinocchio, passando por O velho e o mar, Macbeth, O homem da esquina rosada ou A família de Pacual Duarte. Não importa se o argumento é refinado ou popular, não importa a época nem a geografia.

Pense leitor, agora mesmo, em uma história clássica que conheça de cor, com introdução, núcleo e desenlace.


pensou?


Muito bem. Agora ponha um celular no bolso do protagonista. Não um antigo aparelho preso à parede e sim um telefone como os que existem hoje: com cobertura, conexão com correio eletrônico e chat, com saldo para enviar mensagens de texto e com a possibilidade de realizar chamadas internacionais.


Que acontece com a história que escolheu? O enredo funciona como uma seda, agora que os personagens podem chamar-se de qualquer lugar, agora que tem a opção de chatear, gerar videoconferências e enviar mensagens de texto? A verdade é que esta droga não funciona.

A criança, sem perceber, ontem me abriu a porta de uma teoria lúgubre: a telefonia sem fio vai fazer em pedaços as histórias antigas que contamos, as converterá em anedotas tecnológicas de qualidade inferior.


Com um telefone nas mãos, por exemplo, Penélope não espera com incerteza que o guerreiro Ulisses volte do combate.

Com um telefone móvel na cestinha, Chapeuzinho alerta a avó a tempo e a chegada do lenhador não se faz necessária.

Com um celular, o Coronel tem quem lhe escreva alguma mensagem, mesmo que seja spam.

E Tom Sawyer não se perde no Mississipi, graças ao serviço de localização de pessoas da Telefônica. *(talvez um GPS)

E o porquinho da casa de madeira avisa a seu irmão que o lobo está indo para .

E Gepetto recebe um aviso da escola. dizendo que Pinocchio não chegou pela manhã.


Uma percentagem enorme das histórias escritas (cantadas, ou representadas) nos vinte séculos que antecedem ao atual, têm como principal fonte de conflito a distância, o desencontro e a incomunicação. Puderam existir graças á ausência da telefonia móvel.

Nenhuma história de amor, por exemplo, teria sido trágica ou complicada, se os amantes arredios tivessem um telefone no bolso da camisa.


A história romântica por excelência (Romeu e Julieta, de Shakespeare) baseia toda a sua tensão dramática final em uma ocasional falta de comunicação: a amante finge suicídio, o namorado a acredita morta e se mata, e então ela, ao despertar, se suicida de fato. (perdão pelo spoiler)

Se Julieta tivesse um telefone celular, teria escrito, no capítulo seis, uma mensagem de texto (torpedo) para Romeu:

M FÇO DE MORTA, MAS N STOU MORTA. N T PRCUPE NM FÇAS IDIOTCS. BJO.


E todo o enorme dramalhão dos capítulos seguintes haveria se evaporado. As últimas quarenta páginas da obra não teriam suporte, não teriam sido escritas jamais, se na Verona do século quatorze tivesse existido a promoção "Banda larga móvel" da Movistar.


Muitas obras importantes, também teriam que mudar seus nomes por outros mais adequados.

A tecnologia, por exemplo, teria terminado completamente com a solidão em Aracataca e então a novela de García Márquez se chamaria 'Cem anos sem conexão': narraria as aventuras de uma família onde todos têm o mesmo nick (buendia23, .bomdia, aureliano_ goodmorning) mas ninguém responde ao Messenger.

A famosa novela de James M.Cain - ' O carteiro chama duas vezes' - escrita em 1934 e levada mais tarde ao cinema, se chamaria ' O gmail duplica as mensagens do correio' e versaria sobre um marido traído que descobre (lendo o histórico do Chat de sua esposa) o romance da jovem adúltera com um estranho malfeitor.

Samuel Beckett teria que mudar o nome de sua famosa tragicomédia em dois atos por um título mais de acordo com os avanços tecnológicos.

Por exemplo, 'Godot está com o telefone desligado ou fora da área de cobertura', a história de dois homens que esperam, em um terreno baldio, a chegada de um terceiro que nunca aparece ou que ficou sem saldo. *(ou bateria)

Na obra 'O JPG de Dorian Grey', Oscar Wilde contaria a história de um jovem que se mantém sempre sedutor e sem rugas, graças ao pacto com o Adobe Photoshop, enquanto na pasta de imagens de seu telefone, uma foto de seu rosto perde pixels, paulatinamente e sem remédio, até perder toda definição

A bruxa do clássico Branca de Neve não consultaria todas as noites o espelho sobre 'quem é a mulher mais bela do mundo' porque o custo por chamada do oráculo seria de 1,90 a conexão e 0,60 o minuto; ficaria contente em consultá-lo uma ou duas vezes por mês.E ao final se cansaria.


Nós também nos cansaríamos e nos aborreceríamos com estas histórias de solução automática. Todas as intrigas, os segredos e destemperos da literatura (os grandes obstáculos que sempre geraram as grandes tramas) fracassariam na era da telefonia móvel e do wifi.

Todo esse maravilhoso cinema romântico onde, no final, o jovem corre como louco pela cidade, contra o relógio, porque sua amada está a ponto de tomar um avião, se resolve hoje com um SMS de quatro linhas.

não existe a preocupação sentimental, o remorso, aquela explicação que nunca chega; não é preciso deter aviões ou cruzar os mares. Nãoque deixar bolinhas de pão no bosque para lembrar o caminho de volta a casa. A telefonia sem fio - veio ontem me dizer a criança, sem querer vai nos entorpecer as histórias que contaremos de agora em diante. As tornará mais tristes, menos repousantes, muito mais previsíveis.


E me pergunto, não estará, por acaso, ocorrendo o mesmo com a vida real, não estaremos nos privando de aventuras novelescas por culpa da conexão permanente? Alguns de nós, alguma vez, correrá desesperado ao aeroporto para dizer à mulher que ama que não entre neste avião, que a vida é aqui e agora?

Não. Enviaremos uma lamentosa mensagem de texto, uma breve mensagem digitada no sofá. Quatro linhas com maiúsculas. Talvez faremos uma chamada perdida e cruzaremos os dedos para que ela, a mulher amada, não tenha posto seu celular em modo vibrador.


Para que fazer o esforço de viver à margem da aventura, se algo sempre nos vai interromper a incerteza? Uma chamada a tempo, uma mensagem binária, um alarme.

Nosso céu está infectado de sinais e segredos: cuidado que o duque está vindo ali para te matar; fique de olho que a maçã está envenenada; não volto para casa esta noite porque bebi; se lhe der um beijo a moça desperta e se apaixona; papai, vem nos buscar que uns pássaros comeram as migalhas de pão.

Nossas tramas estão perdendo o brilho - as escritas, as vividas e também as imaginadas - porque estamos nos transformando em heróis preguiçosos.


(*) Hernán Casciari (Mercedes, Província de Buenos Aires, 16 de marzo de 1971) é um escritor e jornalista argentino. É conhecido por seu trabalho em prol da união entre literatura e weblog, destacado na a blogonovela.


Traduzido para o Português por Angela Schnoor.

* notas do tradutor.

10.1.11

Dolorências

Nós - Isabel Lhano


Pessoas felizes não magoam ninguém. Pessoas amargas ferem todos. Pessoas muito magoadas, se ferem para sempre.

escrito em 09-01-2011

2.1.11

Luzes

imagem encontrada na web


Mais uma história criada para o sono de Sofia.

Numa casinha pequena, perto do bosque, ela morava com sua mãe e seu pai, viajante costumeiro.

A menina tinha um quarto cheio de bonecas, mas sentia falta de um irmãozinho.

Uma tarde ela pediu à mãe para passear fora. Foi ficando tarde e a menina demorava. A mãe terminava de fazer o jantar e se preocupava quando a menina chegou cheia de brilho. Então perguntou: - Onde você estava que demorou tanto a voltar e agora chega assim com o vestido iluminado?

Maria pediu que ela se sentasse e foi contando, enquanto arrumava os cabelos da mãe. - Sabe Mãe, quando eu cheguei perto do lago ele estava lindo, brilhava com a lua e as estrelas. Pedi licença e trouxe algumas luzes para você. Fui colocando brilhos de estrelas e fachos de lua no bolso do avental e por isso demorei. Aqui estão, deixa que eu enfeite seus cabelos?

Então a mãe ficou linda, iluminada e radiosa e, neste exato momento o pai entrou em casa. Chegava mais cedo da viagem.

- Que linda você está Mariza! E pegando a mulher pela cintura, começaram a dançar. Maria batia palmas de alegria, bailando junto.

Naquela noite, eles se abraçaram e se beijaram muito e foi assim que, meses depois, Maria ganhou seu irmãozinho, tão desejado.

O lindo menino chamou-se Luiz.

escrito em 29-12-2010