Desde sempre lembro-me viajando em imagens. Primeiro elas fugiram de meu olhar interno e se faziam ver mergulhadas em papel e cores. Depois vieram as palavras e a inspiração dos sonhos, pois foi a realidade que, muitas vezes, trouxe os pesadelos. Em busca de organizar este mundo interior surgiu a Ilha.União de idéias e sonhos, asas que herdei. Apresento-a em pequenos trechos e peço que questionem, perguntem muito para que ela possa tornar-se mais rica e interessante, lugar melhor pra viver.

29.5.06

Eulália e eu

Continuando o conto - Solidão - postado em 14 de abril
para folha de chá.


Eulália e eu

Ainda protegida pelas flores, pensava no que poderia fazer para abordar Eulália quando a porta do elevador se abriu. Só tive tempo para acionar a campainha quando percebi a aproximação do porteiro, inconfundível em seu uniforme azul.

Antes que me perguntasse algo falei: - Boa tarde! Sabe se dona Eulália está em casa? Já toquei e ninguém respondeu.
- Ah! É a senhora! A amiga de escola de D. Eulália! Que bom ter voltado, espere um pouquinho e toque de novo.
Sabe? Ela é sozinha, pode estar ocupada...

Desejando, internamente, que Deus me desse a memória do porteiro, toquei novamente, quase ao mesmo tempo em que a porta se abriu e aquela figura miúda apareceu olhando fixamente as flores como se fossem um fantasma.

Certamente, não devia ser comum em sua vida receber flores nem visitas.
– Boa tarde. Desculpe, mas deve ser engano. Disse Eulália. Não ouvi o interfone.

Seu espanto e indecisão permitiram que uma feliz idéia me ocorresse.

-Não há engano e o senhor porteiro acabou de subir comigo. Vim trazer-lhe estas flores, cortesia do restaurante Caruso por sua fidelidade inestimável! eu disse em tom bastante profissional.

Ela deu um passo atrás, mas ainda ficou reticente... - Pra mim? Fidelidade? Mas... Eu...

Minha mente titubeou. E se ela não fosse freguesa tão assídua assim? Entretanto mantive-me firme e fui entrando atrás das flores.

-Por favor, deixe-me sentar um pouco, elas são lindas, mas pesam um pouquinho e como é perto, vim caminhando... Eu já lhe explico!

Pedindo mil perdões, ela me acomodou numa pequena poltrona no aposento que parecia unir as funções de hall de entrada, sala de visitas, de refeições e fechou a porta.

Pedi que recebesse as flores e as colocasse na água. Assim eu teria um tempo para raciocinar melhor e encontrar argumentos para convencê-la.

Não foi tão difícil quanto eu pensava. Enquanto ela entrou por uma cortina que parecia encobrir uma pequena cozinha, vasculhei com o olhar tudo que havia no aposento que pudesse amparar minhas histórias. Então meus olhos bateram numa antiga fotografia de escola, era Eulália vestida em um garboso uniforme de uma conhecida escola de freiras da cidade. A data na dedicatória era clara e me permitiu calcular sua idade aproximada.

Neste momento, ela retornou à sala trazendo as flores bem arrumadas em dois vasos de louça pintados à mão.
- São muitas flores para um lugar tão pequeno, disse timidamente enquanto pousava um deles sobre a mesa de refeições e entrava em outra porta levando o outro...
Retornando completou,
- Tive que colocar o outro vaso no quarto, mas à noite eu o retiro e coloco na área. Dizem que não faz bem dormir com flores no quarto e sou muito alérgica sabe?
Dizendo isto puxou uma cadeira da mesa e sentou-se à minha frente continuando a falar e a explicar as condições do apartamento onde morava.

Pude reparar que parecia falar pra si mesma e lembrei da solidão em que vivia e do hábito do telefone que, na minha confusão, já tinha quase esquecido.

Aos poucos me pareceu que a ansiedade cedeu e lembrou-se de mim e do motivo de minha visita.

- Desculpe senhora eu estou um pouco confusa, agradeço as flores, mas acho que ainda não entendi a razão deste presente.

- Eu explico, falei. Sou consultora de relações publicas do restaurante que a sra freqüenta. Eu havia sugerido que eles instituíssem um prêmio para os clientes mais antigos e mais constantes como uma forma de agradecimento e manutenção da clientela. Pretendemos sortear vales para refeições como brindes, mas antes achamos melhor fazer um teste, enviando flores para agradecer aqueles que tem nos prestigiado durante estes anos.A senhora foi indicada pelos garçons como a mais constante e fiel e por isto eu vim, pessoalmente, trazer-lhe este buquê.

_ Ah! Muito gentil, mas...(eu já estava gelando diante da possibilidade de novas perguntas quando me ocorreu uma idéia)

_ Sabe Eulália, o mais interessante disto tudo são as coincidências da vida. Eu já havia te visto umas vezes lá no restaurante e achava que conhecia seu rosto de algum lugar... Você estudou no colégio Virgem de Lourdes? Falei, voltando as costas para o retrato como se não o tivesse visto.

Seu rosto se iluminou! Começou a falar sem parar contando sua vinda para o Rio após a morte dos pais. Ainda adolescente tinha vindo para o internato do Colégio porque tinha uma tia que era religiosa da ordem e conseguiu vaga para ela em troca de trabalhos na secretaria.
Esta foi a razão pela qual se especializou em contabilidade o que, mais tarde, veio facilitar sua admissão e carreira no Banco. Como era muito tímida e se sentia diferente das outras meninas cresceu com muita dificuldade para fazer amigos.

Achava que se lembrava de mim, mas... - Como é mesmo seu nome? Perguntou?


Me apresentei e disse que provávelmente não se lembraria de mim.
Contei que eu era um ou dois anos mais nova e embora em classes diferentes, me lembrava bem dela porque uma vez tinha ficado de castigo na secretaria e ficara encantada por ver que uma mocinha, ainda estudando, trabalhava com coisas tão “sérias”. Desde então, confidenciei-lhe, ela passou a ser o foco de minha admiração.

E, pedindo-lhe perdão, disse que tinha inventado a história dos brindes do restaurante como uma forma de entrar em contato com ela. Desde que a reencontrara, desejava que ela me recebesse sem receio e pretendia torná-la minha amiga.

Neste momento percebi que tinha tocado um ponto mágico. Minhas mentiras valeram!

Ela se abriu num sorriso marejado e quis acreditar naquela história que reduzia seu afastamento das pessoas.

Fiquei feliz quando ela passou a me considerar a amiga de infância! Como um poço que vasa, contou-me suas inibições amorosas, falou da solidão e, como a noite já estivesse chegando, combinamos nos ver novamente e jantarmos juntas para comemorar este “reencontro”.

Trocamos nossos números de telefone e ao chegar em casa liguei para Eulália.

Ela custou a atender e deixei recado em sua secretária eletrônica.

Eu sabia que ela estava ali e sei que ela sentiu prazer ao ouvir minha voz, mas não é de um dia para outro que conseguimos mudar nossos hábitos!


Angela Schnoor. Rio de janeiro, em 29 de maio de 2006



28.5.06

Doação


Alpenglow on Mount Everest,29028ft. Khumbu Region, Nepal
Photografh Galen Rowell /1995 Amber Lotus

Subi pacientemente e com cautela a íngreme escarpa à minha frente.
Havia saído de uma densa floresta cujos pântanos, os uivos de lobos, os sons desconhecidos e os medos haviam fatigado meu corpo e assolado a alma onde restava apenas um fio da esperança fácil que me acompanhara em tempos de mansidão.
Este fio era meu condutor, montanha acima.

Apenas um ligeiro lusco-fusco indicava o topo, mas o desejo de subir e sair do raso era imenso.
Subir era como banhar-me e deixar para traz memórias e fantasmas. Segui, olhar estreito de ver escuros, determinação quase animal de chegar! Onde? pra que? Não importava.
Afinal, um último esforço e um encontro: uma velha cabana. Fora dela, um velho aquecendo as mãos no fogo. Parecia que rezava. Era solene e suave ao mesmo tempo.

Aproximei-me. Parecia me aguardar desde sempre! Sorriu, perguntou-me sobre o trajeto, lia meus pensamentos e seu pouco falar não agredia meus ouvidos quase surdos de tanto silêncio e medo.
Pedi seus conselhos. Sem uma palavra, desembrulhou algo de um pano roto e colocou em minhas mãos.
Era um presente, e eu o merecia.
Pediu que eu me retirasse e após me dar um gole d'água disse-me que eu devia começar meu caminho de retorno pela via oposta.

A água e as poucas palavras haviam reabastecido meu ser. Não me sentia mais cansado.
Ao começar a descida, um raio de luar escapado das nuvens me permitiu ver o que eu havia recebido.
Um enorme rubi brilhava em minhas mãos!
Por instantes, olhei a pedra e sorri...o velho era eu... eu era o velho.

Descendo a montanha, joguei o rubi para o alto... ou melhor: a pedra saltou de minhas mãos e explodiu em milhares de pequenos pedaços, cobrindo grande parte do cume da montanha.

Enquanto descia, o sol começava a surgir lá embaixo e, às minhas costas, uma montanha faiscante de rubis iluminava os caminhantes do futuro.

Angela Schnoor
imaginação expontânea - 1987 - Ibicui,RJ.

25.5.06

Mensagem D' alem mar

Estes dias senti-me como esta rainha aí de cima. Linda e poderosa! Duas meninas lindas e seus muito amados pais propiciaram que o Outro pé da sereia ( o direito, certamente), dando os passos em volta acabasse por ajudar ao Frederico, o poeta, a salvar o gato gui de seus monstros!

Pois é assim que funcionam o amor e a saudade dos amigos lusitanos que, não contentes, ainda musicaram esta epopéia com canções espanholas de primeira e enviaram um disco voador cheio de fotos fantásticas de um universo lindíssimo, colhidas alí e acolá por um fotógrafo fixe que vai ganhar algum prêmio numa maratona recente.

Como Rainha Dinda super poderosa, TENHO DITO:
Esta é a melhor família portuguesa, com certeza!

21.5.06

Pai exemplo

Armando Sócrates Schnoor- 22/05/1913 - 12/12/1988

Nesta segunda feira dia 22 de maio, meu pai completaria 93 anos. Tenho certeza de que estaria lúcido, "brincadeirudo" (como ele dizia) e tranqüilo como se tornou ao longo de sua existência. Agora que o tempo já permite brincar com a forma como faleceu, costumo dizer que se não o matassem ele não morreria, tamanha era sua saúde, vitalidade e disposição.


Quero escrever sobre ele para que seus netos e bisnetos que não o conheceram possam ter uma idéia mais completa do Homem do qual descendem. Uma de minhas filhas volta e meia reclama e pede por isso.


Vou mencionar rapidamente seus méritos e sua cultura, mas isto não é onde gostaria de me deter. Já perguntei aos mais novos sobre a imagem do avô mais presente em suas memórias e a resposta de todos foi a mesma: o avô brincalhão que ensinava bobagens e irreverências a todos os netos. Pois é sobre este ser humano que quero contar, depois de pincelar seus feitos públicos.


Armando jovem foi cartógrafo do IBGE e representou o Brasil na ONU, depois estudou escultura na Escola Nacional de Belas Artes aonde chegou ao topo da vida acadêmica quando defendeu e obteve a Cátedra de Escultura. Carreira esta, coroada quando, já aposentado, recebeu o título de Professor Emérito para que continuasse a fazer parte do corpo docente dando aulas nas classes de doutorado. Foi membro do Conselho Federal de Cultura e tem obras espalhadas no Brasil e no exterior.
No início dos anos quarenta, iniciou seus estudos sobre a cultura, religião e arte Egípcia que se tornou sua paixão até o fim da vida. Dentre os vários idiomas que falava, os hieróglifos foram, sem dúvida, a expressão mais difícil para encontrar interlocutores.


Armando foi um homem terno, sábio e aparentemente calmo. Sua qualidade que mais me marcou foi a imensa abertura de idéias e a aceitação incondicional e respeitosa do ser humano.


Quando criança me lembro de esperá-lo chegar do trabalho.Íamos pelas mãos de nossa mãe, minha irmã mais nova e eu, até o ponto do ônibus e, assim que ele saltava da condução já metíamos as mãozinhas em seus bolsos a procurar alguma coisa que ele trazia, na certa, para nós. Seu sorriso meigo e divertido era o melhor do dia e à noite, antes de dormirmos, pulávamos na cama de casal para ouvir histórias que ele sempre inventava.


Algumas poucas vezes, contadas nos dedos de uma só mão, o vi se zangar e algumas delas, para defender um de nós. No entanto, era muito exigente com as expressões profissionais suas e dos outros e apenas criticava duramente os que eram intelectualmente inconseqüentes e superficiais.
Discursava horas sobre seus assuntos de paixão e falava pouco sobre questões pessoais, menos ainda quando se tratava da vida alheia. Alimentava-se tão pouco como um passarinho, mas gostava muito de bom-bom, gulodices e a mania pelos biscoitos foi um hábito seu que passou de geração a geração.


A irreverência e o gosto pelas piadas ingênuas foram uma forte marca em sua personalidade e gerou alguns casos especiais. Uma vez, quando participava do Conselho de Cultura, tinha uma reunião importante e a haste de seus óculos partiu-se. Nosso pai não teve dúvidas, para consertar o estrago amarrou um fio de barbante no encaixe da haste e o enrolou à volta de sua orelha, para desespero de nossa mãe que levava muito a sério os cargos e hierarquias.


O remendo fez sucesso entre seus pares e ele divertiu-se com esta solução, assim como em outro fato que sempre nos contava: Estava em uma recepção de embaixada no exterior quando uma bela dama, a mais linda da festa, fez menção de fumar. Vários homens correram com seus isqueiros de ouro e prata, das marcas mais conhecidas e importantes para acender o cigarro da dama enquanto ele puxou de seu bolso uma peça de folclore. Tratava-se de um acendedor oriundo do interior brasileiro, um isqueiro cujo pavio imenso saía do bojo como uma cobra que queimava. A mulher, curiosa, acolheu sua oferta e ainda ficou horas perdidas conversando com ele sobre o curioso artefato.


Quando ficou viúvo sofreu muito. Foi muito apaixonado por sua esposa, mãe de seus cinco filhos e custou a recuperar-se. Melhorou bastante quando, aos setenta anos completos, conheceu aquela que foi sua segunda mulher. Ela havia sido sua aluna há muitos anos e voltou a encontrá-lo em uma palestra sobre egiptologia. Após algumas investidas, ela que estava viúva desde muito cedo, conseguiu conquistá-lo. Foram morar juntos e então aconteceu um novo fato engraçado. Ficamos amigas e um belo dia, muito preocupada, ela perguntou se ele não estaria um pouco esclerosado. Quando deu seu motivo para a suspeita, baseado num comportamento quase infantil, tivemos que rir bastante. Ela conhecia e mantinha a imagem séria do “Professor Schnoor”, quando começou a conviver com as besteiras que ele dizia e fazia sem perceber que eram parte do outro lado da personalidade daquele homem. Conseguimos tranqüilizá-la afirmando que ele sempre fora um palhaço na intimidade.


Seus netos mais velhos lembram com carinho de toda a liberdade de ser que ele ensinou, tanto nas brincadeiras como pelo exemplo de vida.
Aquele homem que pouco falava, me deu seu apoio franco e aberto em todas as horas da minha vida em que meus atos estavam em desacordo com as normas sociais. Nos deu exemplos pessoais de naturalidade para com as coisas do corpo, da natureza humana e da sexualidade e, embora tivesse timidez para expressar afetos e emoções, para mim ele parecia transparente.


Seu exemplo de respeito ao ser humano, a liberdade de viver e a seriedade intelectual são legados inestimáveis que o mantém vivo em cada um de nós, embora possamos nos sentir como extraterrestres neste mundo, tão distante de sua sabedoria, em que hoje vivemos.

Você sabe o quanto agradeço por ter sido sua filha. Com amor,

Angela Schnoor – 21 de maio de 2006 –

Histórias para contar às crianças

Butterfly wings by H.

PRONTO SOCORRO

Ele era muito pequeno quando viu a mãe jogar-se, prontamente à piscina para salvar o bebê da vizinha que quase se afogara. Daí em diante desenvolveu uma noção muito séria de emergência e prontidão.

Quando no carro do pai, já em idade escolar, sempre que ouvia uma sirene de ambulância lembrava desta cena e, juntando a imagem com o que aprendera no colégio, pedia ao pai:
- “Encoste Papai, deixe o caminho livre! É preciso salvar esta pessoa!”.

O mesmo acontecia em qualquer condução onde estivesse. Algumas vezes, algum adulto retrucava:
- “Vai ver não tem ninguém lá dentro!”.
E, ele, preocupado respondia: - "Alguém pode estar esperando por este socorro!”.

Ficava aflito quando via os carros obstruindo o trânsito, enquanto aquela sirene enchia seu pequeno coração de preocupação e tristeza.
Era o momento em que mais rezava. Pedia à Deus que ajudasse àquela pessoa para que não sofresse e se salvasse e, bem baixinho, conversava com seu Anjo da Guarda e dizia:
- “Eu estou bem! Agora vai ali na frente e abre caminho pra que a ambulância chegue a tempo ao hospital”.

De alguma forma esta pequena oração o acalmava e sentia-se confiante; tudo ia dar certo para o doente.

***
Já era um homem e levava sua filhinha ao colégio quando um acidente o feriu de leve, mas projetou fora do carro sua criança.
Saindo da tonteira em que se encontrava, viu-se com a menina dentro do carro branco de socorro e, enquanto rezava aflito, ouviu o motorista dizendo ao enfermeiro:
- “Que milagre! Nunca vi um trânsito tão aberto. Os carros todos estão acostando ao longo da avenida. Esta menina tem sorte, parece até que algum Anjo está abrindo passagem para nós!”.


©Copyright ANGELA SCHNOOR

17.5.06

Rencarnação - um conto

REENCARNAÇÃO


Quase todos naquela casa gostavam muito da vovó.

Talvez o gato nem tanto, pois eram anos a fio de mútua implicância por causa dos novelos de tricô.
Jasmim adorava se enroscar na cesta das lãs e, não podia ser completamente feliz com a velha Gertrudes o enxotando, todas as tardes, assim que se sentava na velha cadeira de balanço.
Só que ela, distraída, dormitava com ele em seu colo, braços cruzados em arco, contendo seu pêlo castanho entre as mãos firmes e nodosas.

Os humanos tinham adoração por aquela que, por muitos anos tinha sido o esteio mantenedor da família.
Gertrudes estava naquela casa há tanto tempo que ninguém mais se lembrava que ela tinha vindo do Nordeste, com pouco mais que dez anos, para ajudar à senhora Luiza quando esta, grávida do segundo filho, necessitava de uma menina para cuidar do pequeno João, então com dois aninhos. Era parte da família e a chamavam carinhosamente de, Vó.

Pequena, franzina e tímida, Gertrudes trabalhava como uma verdadeira cangaceira. Cresceu cuidando de cada nova alma que chegava à família e sabia mais das predileções de cada pequeno do que os próprios pais.
Entretanto, de sua família de origem sabia quase nada. Os pais tinham morrido quando ela ainda era muito jovem e os irmãos deviam estar perdidos neste mundo grande chamado Brasil.

Durante sua adolescência Gertrudes era a Gê e só muito mais tarde, depois da morte de Dona Luiza é que os “netos” da família passaram a chamá-la de Vó.
Gê acompanhou o luto de João e de Lucinha, apoiou as segundas núpcias do senhor Ricardo com a cunhada, como era de praxe à época, e viu seus meninos crescerem em todas as etapas de vida.

O que seria de Lucinha se não fossem os conselhos práticos de Gê quando teve seu primeiro filho? Cuidando desde cedo das crianças, Gê havia adquirido uma prática que a tornava a pessoa de maior confiança na casa, embora ela jamais tivesse tido um só filho e, nem noivo ou namorado.
Bem que houvera pretendentes mas a babá, na hora de aceitar a corte , já com vinte anos e dez anos mais velha que seus pupilos, não ousava deixá-los para levar sua própria vida. Não conseguia se imaginar sem aquela família a qual pertencia de alma e coração.

E assim foram nascendo Marina, Marcio, Beatriz, Fernando, Gabriela e Celina, até que Gê tornou-se Vó e, embora já contasse com quase oitenta, adorava quando havia festa e todos se reuniam na antiga casa dos patriarcas.

Já precisava de ajudantes para o serviço pesado, mas Gertrudes se realizava acordando cedo para preparar os quitutes que os “netos” mais gostavam. Além das receitas antigas para o almoço, dos bolos e doces de tacho, passava horas enrolando a massa dos biscoitos! Esses sim faziam as delícias de todos aqueles “filhos e netos”.

O ritual se repetia na noite de Natal, no dia de Reis, na Páscoa e, é claro no aniversário de cada um! Seu prazer era enorme quando os pequenos e os grandes disputavam suas preciosas latinhas ou pacotes de amanteigados.

Perto de seu aniversário dos Oitenta a família já organizava uma grande festança quando Gertrudes apanhou um sério resfriado. Seu estado se agravou e apesar de todos os cuidados da família que se revezava à sua cabeceira, a querida Gê entregou-se às mãos do criador.

Nem é preciso descrever a consternação de todos. E, como era seu desejo, a Vó Gertrudes foi cremada e suas cinzas trazidas para casa.
Discutiam o melhor local para espalhar o que restava da mãe, babá e vó Gê.
Cada um preferia um local. Havia quem a queria num canto do Jardim, quem achava que poderia ser polvilhada sobre o mar e, enquanto decidiam, em meio à tristeza imensa, puseram a urna na prateleira mais alta do armário da copa.

Passaram-se alguns meses e tiveram que admitir uma senhora para supervisionar os serviços da casa. Foi com muita dificuldade que escolheram uma mulher indicada por uma vizinha. Chegara recentemente do Nordeste e já não era mais tão jovem, parecia um pouco bronca e rude, mas tinha iniciativa e lembrava Gertrudes de alguma forma. Para os mais velhos, este foi o motivo determinante da escolha.

A Páscoa chegava e a substituta, já havia se acostumado aos grandes almoços e às receitas da família cuidadosamente copiadas no caderno que Gertrudes deixara.

Francisca resolveu fazer uma surpresa. Um dos mais pequenos já lhe havia pedido biscoitos. Foi ao livro e começou o preparo. Grandes fornadas consumiram muita farinha e manteiga, mas valeu o cansaço e a expectativa da alegria geral.

Almoço Pascoal e a farta distribuição de biscoitos junto ao café bem coado, alegraram a meninada e encheram de lágrimas saudosas os olhos dos mais velhos até que Luiza neta, filha de Lucinha, trouxe à baila novamente, a discussão sobre as cinzas da Vovó.

Foi ao armário da dispensa e em vão procurou a urna com as cinzas. Encontrou-a num canto da pia, vazia! Francisca percebendo a busca explicou:
“-faltou farinha em meio à faina dos biscoitos, então usei a que aí estava para completar”.

Naquele momento todos compreenderam que afinal, Gê acabara de ser totalmente integrada à família!



Angela Schnoor – 17de maio de 2006.

15.5.06

Ser avó

a caixa de presente que virou tunel

Estou ainda no primário da experiência mas vou tentar falar um pouco sobre o que sinto sobre o ser avó

Comecei meu treino em 2003 com a chegada do Henrique, sobrinho neto tão querido como um neto de fato. Continuo somando com o Luca, nascido há pouco mais de um ano e me preparo para a chegada do Pedro, no final do mes de junho.
Nasci a mais velha de cinco irmãos,dos quais dois eram meninos e fui mãe de duas meninas que me trouxeram a singular experiência de conviver e aceitar, gostar e entender, em suma, resgatar o meu próprio ser e o universo feminino.
Mas, até agora, minha avózice tem sido conviver com meninos.
Além dos meninos mencionados, ainda existem mais dois, os meninos de meu genro que, se são como filhos para minha filha, meus netos são.
Então, o mundo que eles me abriram me coloca em contato com a forma masculina de ser. Além de exigir atualização em heróis, brincadeiras, interesses diversos dos que eu estava habituada, desconfio que esta é uma das funções deles na vida: desabituar-nos.
Em lugar da suavidade e meiguice do feminino,me encontro invadida por rodas,carros,bolas, chutes, socos,gritos correrias, sons como Pow! Pum! Záz! Tcham!, saltos e pulos que me descortinam um universo que obriga ao movimento e a energia exteriorizada.
Aí começa o aprendizado. A criança te obriga ao movimento, ela te desacomoda e com isto traz mais saúde, melhora tua adaptação ao mundo, rejuvenesce. Ela te exige, ela te vê como um igual e não sabe do teu cansaço ou de tuas mazelas. Ela é um desafio que te faz mover quando você já estava se acostumando a parar, se entregando à velhice.
Dizem que avó é mãe duas vezes mas acho que estes papéis são bem diversos. Ser avó é bem mais leve. Não porque a responsabilidade seja menor mas, acima de tudo,ser avó fica leve porque estamos um pouco mais sábias e menos preocupadas com bobagens. Temos menos tempo pela frente e não queremos perdê-lo com tolices. Sendo assim ficamos menos chatas e mais divertidas com nosso netos.
Se por um lado nos preocupamos menos por causa da experiência adquirida,no mundo tecnológico de nosso dias, muitas vezes percebo que alguns dos mais jovens perderam seu referencial instintivo e podem sentir-se perdidos diante das reações mais simples,principalmente dos bebes.
Mas eu tive o prazer imenso de aprender com minha filha. Perceber que um filho ultrapassou nossos vícios e temores e ver que consegue ser mais solto e menos rígido ou protetor que você, é ver a vida caminhando em espiral, e é uma sensação muito boa sentir-se sendo superada em tudo que você tinha de frágil e inseguro.
Pude sentir-me vencedora pois meus erros e os de meus pais e de meus avós não estão sendo repetidos. A forma de viver esta sendo recriada mais solta e livre e isto é muito bom, isto é progresso de fato!
Mas, o melhor de ser avó é voltar a rir por tudo e por nada, é ver a vida com olhos de brincar. O neto te relembra a tua história, te faz rever tua infância como num espelho e lembrar de tudo que era bom.
As musicas que você cantava no colégio, as brincadeiras e as histórias de fadas, além de tudo que você inventa, como a caixa que virou tunel, pelo prazer de vê-los com os olhos arregalados, a respiração em suspenso, a gargalhada escancarada!
É um equilíbrio de opostos.Um caminho que começa e outro que termina; uma pele lisa e a outra marcada por rugas; uma cabeça colorida e cheia de cabelos e uma outra calva ou branca; correspondem à experiência e a calma que ensinam a lidar com a impaciência e a pressa.
Os pequenos sentem-se seguros com a maturidade cautelosa dos avós enquanto estes se encantam com a impetuosidade e destemor dos netos. Ambos estão, embora em polos opostos, bem mais perto de deus, ou do início.
E, como temos mais tempo para a dedicação aos pequenos eles nos brindam com muito amor e alegria e enchem nossos dias de vida nova! E, tem mais, entre os socos e pulos, os gritos e võos de super heróis existe também a hora da meiguice e do aconchego, o olhar amoroso e a vozinha doce que diz a palavra mágica que, em nosso mundo, não é abracadabra e sim: Fvó Fvó!
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CARTA AO NETO
Flavio Cavalcante

Meu neto,

Pelo o que você já me disse com o seu sotaque de anjo, percebo que você me considera uma criança grandona e desajeitada, e me acha, mesmo assim, seu melhor companheiro de brinquedos.Pena que tenhamos tão pouco tempo para brincar, tão pouco porque só sei brincar de passado, e você só sabe brincar de futuro. E ainda estarei brincando de recordação quando você começar a brincar de esperança. Mas antes que termine o nosso recreio juntos, antes que eu me torne apenas um retrato na parede, uma referência do meu genro, ou quem sabe até uma lágrima de minha filha, quero lhe dizer meu neto, que vale a pena.Vale a pena crescer e estudar. Vale a pena conhecer pessoas, ter namoradas, sofrer ingratidões, chorar algumas decepções, e a despeito de tudo isso, foi por causa de tudo isso, ir renovando todos os dias a sua fé e a bondade essencial da criatura humana, e o seu deslumbramento diante da vida.Vale a pena verificar que não há trabalho que não traga sua recompensa; que não há livro que não traga ensinamentos; que os amigos têm mais para dar que os inimigos para tirar; que se formos bons observadores, aprenderemos tanto com a obra do sábio quanto com a vida do ignorante.Vale a pena casar e ter filhos. Filhos, que nos escravizaram com o seu amor. Vale a pena viver nesses assombrosos tempos modernos, em que milagres acontecem ao virar de um botão; em que se pode telefonar da Terra para a Lua; lançar sondas espaciais, máquinas pensantes à fronteira de outros mundos, e descobrir na humildade que toda essa maravilha tecnológica não consegue, entretanto, atrasar ou adiantar um segundo sequer a chegada da primavera.Vale a pena meu neto, mesmo quando você descobrir que tudo isso que estou tentando ensinar é de pouca valia, porque a teoria não substitui a prática,e cada um tem que aprender por si mesmo que o fogo queima,que o vinagre amarga, que o espinho fere, e que o pessimismo não resolve rigorosamente nada.Vale a pena, até mesmo, envelhecer como eu e ter um neto como você, que me devolveu a infância. Vale a pena, ainda que eu parta cedo e a sua lembrança de mim se torne vaga. Mas, quando os outros disserem coisas boas de seus avós, quero que você diga de mim simplesmente isso:
"Meu avô foi aquele que me disse que valia a pena. E não é que ele tinha razão!"


14.5.06

MÃES FELIZES

Gaia - montagem minha.
Quando escrevi o texto abaixo, eu era apenas mãe e estava longe de pensar em ser avó.
Hoje, em menos de dois anos, tenho duas filhas mães. A Fábia, com um filho de pouco mais de um ano, o lindo e louro Luca Moana e a Anna, muito próxima de dar à luz ao Pedro, a quem esperamos cheios de alegria.
A elas e a seus companheiros de cuidados maternos, dedico esta postagem, que também vai para todos os seres do planeta que, como Gaia, se dedicam a gerar e manter a vida.

MÃES FELIZES

A mãe que gera um filho e o doa ao mundo, alimenta, cuida, ensina, estimula, acarinha, embala, corrige, brinca, e aconselha, com o intuito de que o filho cresça pertencendo, cada vez mais e melhor, apenas a si mesmo.

Para tanto, ela precisa estar feliz consigo mesma e buscar finalidade em sua própria vida.

Assim sendo, não esperará e nem cobrará do filho alegrias e prazeres dos quais se privou e se frustrou, sendo livre para encaminhar aquele que gerou para sua mais completa plenitude dentro de escolhas individuais próprias, dando-lhe apoio e incentivo em seu viver.

Entende que amar de fato, é doar livremente a felicidade experiente que ela mesma conquistou, porque:

Filho é verbo, não é posse.
É caminho, não é finalidade.
É amor, não é identidade.

Mãe frustrada, filho amargo.
Mãe possessiva, filho ausente.
Mãe eficiente, filho impotente.
Mãe controladora, filho rebelde.
Mãe infeliz, filho culpado.

A todas as mães felizes,
Angela.

13.5.06

Ainda a linguagem das mãos


Veja com a imaginação:


Dedos passam deslizando levemente sobre um muro.
Mente vazia, indiferença, distraimento?

Contorcidos, os dedos teimam em se enroscar uns nos outros quase se machucando.
Preocupação, ansiedade, torcida? o que será?

Rápidos se entrelaçam entre fios e panos, costurando, bordando, trançando?
Pressa, eficiência, construção, mente relaxada? Talvez sim...Talvez não!

Embrenham-se nos cabelos.
Preocupados? Acarinhantes ou distraídos?


Esmagam um lenço em dobras e torcidos.
Angústia? Dor? Impaciência?

Passeiam lentamente sobre um corpo despido.
Prazer? Ajuda? Cuidados, ou despedida?

Fazem Movimentos circulares com um objeto.
Trabalho? Pressa? Horário? Prazer de criar? Nutrir?

Seguram um batom e passam sobre os lábios.
Sedução? Antecipação? Imaginação? Obrigação? Proteção contra o frio?

Amassam algo com força e determinação.
Descarga de agressão? Construção? Trabalho? Criação?

Dedos fecham-se dentro das mãos com força.
Medo? Raiva? Controle? Exercício? Dor?

Entre os lábios e dentes, dedos são mordidos e sugados.
Apreensão? Irritação? Nervosismo? Timidez?

Digitam rapidamente ou percorrem um teclado.
Tensão? Criação? Pressa? Despedida? Desabafo?

Batem, ritmados sobre madeira ou couro.
Alegria? Tensão? Trabalho? Percepção? Teste?

Os dedos seguram algo com as pontas em movimentos precisos, curiosos ou delicados?
O que seguram? O que sentem?
Um bisturi? Enfiam uma agulha? Retiram pêlos? Separam papéis?


Espalmam-se e abanam o ar.
Acompanham uma música? Com energia, dão palmadas? Espantam um inseto?

Alternam-se em movimento de subida.
Escalam um muro? Sobem uma corda? Puxam algo para baixo? Elevam um andaime?

Os dedos passeiam sobre uma superfície tomando várias formas.
Fazem um jogo de sombras?Imitam bichos e brincam com crianças? Fazem cócegas? Ou é uma massagem?

Talvez você se pergunte aonde me leva isto? Simples brincadeira? Um teste? Não. Há, apenas uma intenção: lembrar como os julgamentos são inúteis e podem ser errôneos. Como nos enganamos ao avaliar o outro sem sua colaboração e informação e, como podem ser inúmeras as visões de um mesmo fato, imagem ou qualquer outra forma de comportamento humano.Se eu conseguir que apenas uma só pessoa deixe de emitir um julgamento vão, mesmo que positivo, sobre outrem, já terei conseguido meu intento.

No post de 10 de maio - Imaginação - A primeira imagem parece ser um casal dançando mas, poderia ser uma briga de casal? O homem puxa com força a mulher pela mão retirando-a de uma situação de perigo? Num esforço para chamá-la à vida?
Na segunda, a mulher parece estar desesperada. Mas, poderia estar exausta? Talvez irritada? Não querendo mais "ver" a repetição de um ato:- " De novo? nem quero olhar pra isto!"
Agradeço a colaboração de 125_azul e de todos que acompanham, mesmo sem comentar, minha imaginação.

12.5.06

A Fada dos blogs

Acontece que em Ideália também existem tormentas. Ontem foi um dia em que a Ilha correu sério risco de submergir, não fosse uma fada chamada Cmim que a salvou das intempéries.

Para esta menina mágica, que corre ao encontro das dificuldades alheias e torna-as suas vai minha gratidão e admiração.
É claro que ela pensa que nada fez. Em sua versão, foi tudo tão pouco e tão simples mas, as coisas são simples para quem as conhece e muito difíceis quando não sabemos lidar com elas.

Mas não é na competência ou pelo conhecimento das tormentas que está o valor de seu feito mas, na pronta disposição para atender e resolver dificuldades que não lhe dizem respeito, de moto próprio e dentro do melhor espírito de solidariedade e preocupação com o outro. Usando seu pouco tempo disponível, na hora reservada à sua refeição ela solucionou os sérios problemas pelos quais a Ilha passava e ainda tornou mais belo e jovem seu espaço.

Fadinha querida, hoje você ganha o diploma de pacífica honoris causa!
E vai pra você, como amiga numero um do povo da Ilha e da Ursa Polar, um pequeno poema :

Amiga

Obrigada por estar aí
na escuridão,
nas horas de indecisão,
no medo e
na desilusão.
Iluminando meu dia,
minhas noites,
madrugadas!
Quando ando atrás do tempo
que sempre é pouco
se quero
viver muito, viver tudo,
porque a vida
é sempre um bem,
e ter amigos
também!

Angela Schnoor

E, para comemorar com alegria, deixo aqui ,sob a forma que os pacíficos mais apreciam, algo que esta fadinha gosta imenso: musica! ouçam e vejam.

10.5.06

Imaginação

A Linguagem das mãos

O corpo fala! e as mãos então, nem se fala!
Como entender sem palavras, sem códigos, sem rosto?
Só para que possamos sentir o quanto de nós vai na interpretação dos gestos e o quanto podemos encontrar semelhanças e divergências em diversos olhares sobre o mesmo tema!
Olhe para a foto acima. O que estas mãos te dizem? o que estão fazendo? O que sentem ou pretendem os donos das mãos?

E estas? o que expressam? O que sente esta mulher?

Não sabemos... e então, o que imaginamos?

Loucura e Arte

Não me atrevo a definir a loucura
Nise da Silveira
Isaac Liberato-440-
museu do inconsciente

Hoje li sobre homenagens por ocasião do centenário de Nise da Silveira. Acho que ela riria da preocupação com a data correta de seu nascimento. Parece que foi em 1905 mas há divergências pois morreu em 1999, já no final do ano, já no final de outubro, muito perto de seu aniversário, no início do próximo. Mas o importante foi sua vida pioneira e guerreira que deixou à humanidade um legado dos mais importantes.

Tenho falado bastante sobre arte e equilíbrio mental e emocional. Nise enxergou isto muito antes de todos e libertou inúmeros seres da dor através da arte, devido a sua coragem para inovar, lutar por aquilo que acreditava, sem medo ou apesar dele.

Passear pelas imagens do museu do inconsciente é aprender sobre a vida e sobre o que é capaz uma pessoa que se dedica à sua vocação.

Uma pequena amostra das obras dos pacientes da Dra Nise,verdadeiras obras de arte, dizem mais que as palavras.

Emygdio de Barros -2169- museu do inconsciente.


Alquimia


O trabalho alquímico é freqüentemente mal interpretado.
Admitia-se que suas manipulações visavam ambiciosamente transmutar os metais vis em ouro. Entretanto, os grandes alquimistas repetiam incessantemente que não buscavam o ouro vulgar, mas o mistério interno da arte de produzir ouro, o que significava alcançar o mais alto nível de desenvolvimento. É motivo para reflexão o fato de que ainda hoje indivíduos totalmente ignorantes do opus alquímico projetem, quando têm oportunidade de configurar imagens, seus conteúdos psíquicos inconscientes em símbolos muito próximos daqueles utilizados pelos alquimistas.


Olívio Fidélis 32,5 x 43 cm óleo sobre papel - 1967

museu do inconsciente

Como disse Nise da Silveira:

O que melhora o atendimento é o contato afetivo de uma pessoa com outra.

O que cura é a alegria, o que cura é a falta de preconceito.

Sem preconceito, quando você estiver em um mau dia ou em algum momento confuso ou doloroso, experimente usar papel e cores, caneta ou lápis, argila ou papel e crie, coloque na matéria o que te incomoda. A transformação liberta.

Abra aqui e aproveite.

Clique sobre o título.Vale saber mais do que o espaço deste blog permite.

9.5.06

A benção da Arte

A arte, como já disse e afirmo, é um dos instrumentos mais eficazes para manter e adquirir equilíbrio emocional. Visitando páginas de artistas me deparei com a obra de Zachary Rossman que atesta tão bem minha afirmação. O artista não comenta seu trabalho mas, pela sequencia me pareceu expressar algum sofrimento pessoal.

A partir de alguns desenhos da série que o artista publicou surgiu-me a idéia para um conto.

Num exercício que une imagem e texto, vou colocando os desenhos do autor

(a quem muito agradeço) seguidas de interpretação espontânea. Viajei pelas imagens através das palavras.


João da Terra
Houve uma vez, um menino que desejava muito ter uma companhia.
Chamava–se João e vivia muito só no meio de um bosque. Este era o único lugar onde encontrava refúgio para sua dor. João saia de casa várias vezes ao dia e embrenhava-se na floresta onde podia manter viva a lembrança de sua pequena irmã Joana que morrera muito cedo, deixando-o com um imenso vazio, só povoado pela presença da morte.

Ele se recordava do tempo em que brincavam juntos e, principalmente do dia em que tiraram os sapatos e começaram a atravessar o rio, caminhando junto à margem. Acabaram fazendo tantas travessuras que ficaram molhados durante toda tarde. Quase ao cair do dia voltaram para casa e a mãe os repreendeu seriamente. Foi por causa do frio que Joana caiu doente e acabou morrendo com um mal pulmonar. Ela era magrinha, seus pais tinham poucos recursos e, no lugar onde viviam não havia assistência médica.

João sofria com saudades da irmã e ficava horas perdidas fixando um buraco negro, imaginário, que ele chamava Morte. Não mais saía de casa e quase não comia esperando que aquele espaço vazio também o levasse. Devido aos esforços da mãe mantinha-se vivo, pois ela insistia em alimentá-lo e cuidar dele o quanto conseguia.
Assim, como se vivesse um interminável inverno, passaram-se anos nos quais o rapaz namorava o vazio por onde Joana tinha entrado ao encontro de Morte.
Até que um dia em que estava sozinho e extremamente concentrado naquele abismo...

Ele aproximou se da parede e, levando as mãos à frente, começou a passar para o outro lado. Em seguida, colocou a cabeça e em poucos segundos tinha desaparecido, se fundido com Morte.
Não se sabe quantos anos João passou dentro de Morte. Sua mãe já tinha chorado o filho desaparecido e não tinha mais esperança de encontrá-lo.

Mas João devagar, acordava e sentia estar em meio às árvores de seu bosque.
Na mais intensa escuridão João passava por uma grande metamorfose.

Repentinamente ele enxergava!

Imerso sob a terra, ele via e entendia sua grande afinidade com a natureza.

Em seus pensamentos havia a claridão de um cristal que iluminava a mente e o corpo, projetando em todas as direções, raios que alcançavam léguas. Foi então que percebeu : de seu corpo brotavam plantas que lhe eram tão íntimas como as que encantaram sua infância com Joana.

E descobriu que Morte era só uma passagem para outra forma de ser.

Ele era vento, era planta, era rio, era montanha e era também Joana!

João sentiu-se vivo como nunca e, em sua ressurreição como bosque,

ele primaverava!

Angela Schnoor - em 9 de maio de 2006 - RJ.

7.5.06

O Código Pacífico

Dragão 125 azul

PARA INTERPRETAÇÃO

Relações simbólicas com os elementos do conto de fadas
os conceitos entre parênteses são opções substitutas
O REI - Como centro e organizador do reino representa:
O Eu Interior – O Auto-reconhecimento – A Consciência – Senso de Honra – O Espírito – A Vontade e o querer - A identidade com o masculino comumente projetada na figura paterna.

A RAINHA - Como a contraparte feminina do reino representa: As expressões emocionais - Fantasias - Lembranças do Passado - Histórico Pessoal - Alma – Necessidades inconscientes - hábitos familiares – A identidade feminina projetada nas mulheres e sobretudo na figura materna.

A PRINCESA - Sociabilidade e Afeto - Harmonia e senso estético – conceito de união - Auto-estima que se projeta nos relacionamentos - Escolhas que se baseiam no próprio conceito de auto-estima. Nosso conceito do que é feminino, belo e amável. Mais comumente projetada sobre a própria pessoa, quando feminina.

O GUERREIRO - Por excelência o conceito masculino.- Energia Ativa - Impulso para exteriorização e realização – assertividade - afirmação - Força da conquista – agressividade –Figura comumente projetada sobre a própria pessoa, quando masculina.

A AMA - Os cuidados corporais e emocionais – relações com a vida prática, com o servir - Relações que projetamos em nossos cuidados com crianças, pessoas e seres vivos em geral – Como servimos ao mundo - Pessoas que servem e cuidam, comumente projetada na mãe.

O MENSAGEIRO - Expressão e Comunicação - Verbalização de sentimentos e idéias – Trocas – Movimento – O que identificamos como “jovem” dentro e fora de nós.

UM DOM ESPECIAL (pode ser usado O MAGO ou UM TESOURO) - Facilidades inatas - Impulso para autoconfiança - Confiança e Fé - metas para o futuro – entusiasmo - Otimismo – O que nos causa alegria, crescimento e expansão. Uma das projeções paternas, sobretudo o doador.
O VELHO - (pode ser usado PROVAS ou OBSTÁCULOS) - Estrutura e Responsabilidade -
Embasamento de Projetos - Adequação à realidade e conscientização de limites - poder temporal - ambição – controle – modo de lidar com o tempo e com a experiência. O pai disciplinador.

INESPERADO - (pode ser usado RELAMPAGO) - Capacidade criativa - Liberdade e Energias Sutis - Excentricidade – abertura de consciência (precognição) – Libertação de padrões – Individualidade que pode gerar isolamento e solidão.

SONO – (pode ser usado SONHO) - Imaginação e Sublimação - O exercício do Perdão - Capacidade de empatia – fusão – compaixão - fé - sentimento de participação e unidade com o Todo – escapismo, fuga da realidade.

UMA FLORESTA - (pode ser usado CAVERNA) - Inconsciente mais profundo (Aquilo que não conheço de mim mesmo) - Poder do instinto - Enfrentamento de si mesmo - poder de transformação interior e exterior – impotência – desapego - sexualidade procriativa - capacidade de restauração e recuperação.

O PASSADO - Hábitos inconscientes, histórico pessoal, tendências genéticas ou educação e hábitos familiares recebidos desde o berço.

Observação: figuras mitológicas arcaicas podem ser conteúdos inconscientes percebidos nos personagens aos quais estão relacionados e fazem parte do mesmo. Como se fosse uma qualidade que se atribui a esta figura.

Elaborado por Suiana Sasse e Angela Schnoor.




5.5.06

A DEUSA SOMBRIA

antes da primavera - desenho de Angela Schnoor

Hoje, a postagem em 125_azul lembrou-me este belo texto de Howard Sasportas. É extenso mas vale ser lido.

A DEUSA SOMBRIA


Perséfone é apenas uma das muitas figuras míticas que se transformaram através de uma jornada ao mundo subterrâneo.Tido como o mais antigo mito conhecido e registrado (escrito em placas de argila no terceiro milênio a.C.), a lenda sumeriana da descida de Inanna também ilustra as grandes transformações porque passamos durante a vida. Inanna, é uma deusa dos céus: é brilhante, ativa, sensual e alegre, e sua vida flui de forma relativamente suave. Mas ela tem uma irmã cruel, Ereshkigal, que vive no mundo subterrâneo e cujo nome significa literalmente “a senhora do grande lugar que fica abaixo”. A mitologia grega é comparativamente tardia e, antes dos gregos, o mundo subterrâneo era governado por uma deusa, não um deus. Nesse sentido, Ereshkigal é uma forma primitiva de Plutão.

A história começa quando o marido de Ereshkigal morre e há um funeral no mundo subterrâneo. Inanna sente-se impelida a comparecer ao funeral e fazer uma viagem pelo domínio de Ereshkigal. Ela precisa descer a um lugar do qual, na realidade, não gosta, uma região com a qual não tem familiaridade, um lugar que não é o seu mundo. Quando Inanna chega ao primeiro portão do mundo subterrâneo, Ereshkigal a recebe com o olhar sombrio e venenoso: Como te atreves a vir ao meu reino? Mesmo sendo minha irmã, eu te sujeitarei ao mesmo tratamento que todas as almas recebem quando penetram o mundo subterrâneo”. Ereshkigal está de péssimo humor e, quando se sente dessa maneira, todos à sua volta sofrem. Ela não para para considerar que Inanna veio para estar a seu lado no funeral de seu marido. Ereshkigal não está interessada em ser razoável ou justa. Ela representa a raiva global e primitiva da criança: quando está zangada ou infeliz, tudo é ruim e nada vale a pena.
Sete portões levam às profundezas do mundo subterrâneo. Ereshkigal ordena a Inanna que passe através desses sete portões, e em cada um deles a rainha do céu deve tirar uma parte de suas roupas: sua túnica, seu vestido, suas jóias - até chegar a parte mais profunda do submundo completamente nua. Aí ela é então instruída a curvar-se diante de Ereshkigal, para honrar a força que a desnudou.

Grandes transformações podem ser semelhantes a um encontro com Ereshkigal. Podemos ter que abandonar coisas através das quais temos, até agora, retirado nosso senso de identidade. Relacionamentos, empregos, sistemas de crenças, posses ou outras formas de apegos podem nos ser tirados e levados embora, ou perdem sua validade ou apelo. E ainda assim, como no mito, somos obrigados a curvar-nos diante da força que nos desnudou como se esta fosse uma deidade. Ereshkigal é uma deusa, uma deusa sombria, mas ainda assim uma deusa. É uma divindade através da qual opera uma lei mais alta e deve ser honrada como parte da vida que é. Sermos despojados de nossa identidade e de nossos apegos não é uma coisa agradável: trata-se de algo que sentimos mais como uma maldição do que como o trabalho de uma divindade. Embora possa ser difícil de compreender, Ereshkigal serve a um propósito mais elevado. Entretanto, a natureza desse propósito nem sempre fica clara de imediato.

De fato, no caso de Inanna, a situação parece piorar mais ainda. Como se desnudá-la completamente e fazê-la curvar-se não fosse punição suficiente, Ereshkigal em seguida mata Inanna e pendura seu corpo num gancho para que aí apodreça. Aquela que fora uma deusa dos céus, feliz, bela e florescente, fica dependurada no mundo subterrâneo como se fosse um pedaço de carne morta, apodrecendo pouco a pouco. Isso é o que Ereshkigal faz à irmã; e é isso que um período muito difícil de perdas e transformações pode nos fazer sentir. Podemos nos sentir banidos para um lugar onde nos sentimos podres e miseráveis, um lugar feio, nojento, depressivo, solitário e abandonado. Esses sentimentos sempre estiveram em nós, escondidos nos recessos mais escuros de nossa psique, deixados pelos traumas de infância ou por experiências passadas de vida. Podemos nos defender com sucesso contra tais estados emocionais, mas Ereshkigal encontra uma forma de fazer com que os enfrentemos.

Enquanto isso, Ereshkigal, que acaba de perder seu marido e de matar sua irmã, está dilacerada pela tristeza e pelo rancor . Também está grávida e passando por um trabalho de parto difícil. E ainda por cima, está descontente com seu papel de deusa do mundo subterrâneo. Quando criança, ela fora violentada e, por punição, banida para aquele mundo, de maneira que ainda guardava rancor pela injustiça que sofrera.

Ereshkigal não representa somente a morte e a decadência, mas simboliza também os instintos ultrajados da criança zangada, ferida e frustada que muitos de nós continuam a trazer no interior, a despeito de quanto tentamos ocultar esses sentimentos. Com Inanna morta e a vingativa Ereshkigal nas agonias de um parto doloroso, alcançamos o ponto mais triste da história. Entretanto, embora algo esteja morto, uma coisa nova esta nascendo. A morte exige um nascimento; e um nascimento exige uma morte.

Antes de empreender sua jornada pelo mundo subterrâneo, Inanna sabiamente havia instruído sua serva Ninshubar, para que a salvasse, caso não houvesse retornado do reino escuro de sua irmã em três dias. Inanna sabia que teria que entrar no mundo subterrâneo, mas sabia também que não podia ficar presa naquele mundo.
Ela quer descer a um lugar escuro, mas toma precauções que garantam que voltará outra vez para cima. Três dias se passam e Inanna não retorna, de maneira que Ninshubar, em desespero, pede socorro. Aproxima-se do pai e do avô paterno de Inanna suplicando-lhes que façam o que puderem para resgatá-la.
Ambos respondem que nada podem fazer para alterar as determinações de Ereshkigal. Temos aqui duas figuras masculinas fortes que não tem poder sobre Ereshkigal, significando que a prerrogativa “masculina” da força e da capacidade de subjugar (que por sua própria natureza tentariam sobrepujar, suprimir ou combater um oponente) não é o que se necessita para lidar com a deusa sombria. Adotar uma atitude heróica contra Ereshkigal não funciona. Se tentarmos combatê-la, sua reação será mais rancorosa e feroz do que antes.

Finalmente, Ninshubar chega até um deus chamado Enki, avô materno de Inanna, conhecido como deus da água e da sabedoria. Trata-se de um deus fluido e compassivo, que compreende as leis do mundo subterrâneo. Em algumas versões do mito é retratado como um ser bissexual, ao mesmo tempo macho e fêmea: ele pode ser violento, mas também é flexível e maleável. Enki concorda em fazer o que puder para salvar Inanna. Usando sujeira que retira do vão de suas unhas, molda duas pequenas figuras, os “Lamentadores” - criaturinhas minúsculas, andróginas e discretas. Sussurrando-lhes algumas palavras de advertência, ele as manda descer ao mundo subterrâneo para resgatar Inanna. Parece ser inacreditável que essas figuras minúsculas e insignificantes consigam lidar com a poderosa Ereshkigal, mas é exatamente por serem tão pequenas é que logram introduzir-se no mundo subterrâneo sem serem vistas. Elas percorrem seu caminho sem serem surpreendidas pelo lacaio de Ereshkigal e também não precisam suportar a provação do desnudamento pela qual Inanna teve que passar.

Tranqüilamente, os dois pequenos Lamentadores, aproximam-se aos poucos de Ereshkigal e Inanna. Sua tarefa é salvar Inanna, mas eles a realizam de uma maneira muito incomum. Embora estejam ali para levar Inanna de volta, eles a ignoram completamente e concentram-se primeiro em Ereshkigal. Ao invés de repreenderem Ereshkigal pela morte de Inanna, eles optam pela comiseração em relação à deusa sombria, estabelecendo uma empatia com ela. Ereshkigal, nas dores do parto, lamenta seu destino: “Eu sou o pesar, o pesar está dentro de mim!” Os Lamentadores apiedam-se dela; “Sim, tu que choras és nossa rainha. O pesar está dentro de ti!” Então, porque odeia o fato de ser a deusa do mundo subterrâneo, ela chora: “Sou o pesar, o pesar está do lado de fora de mim!”, e eles respondem: “Sim, tu que choras és nossa rainha. O pesar está do lado de fora de ti”. Em sintonia com os princípios da terapia rogeriana da atualidade, os Lamentadores espelham o que Ereshkigal está sentindo. E fazendo-o, queixam-se e seus lamentos soam mais como uma oração ou litania. Os Lamentadores haviam sido instruídos por Enki para afirmarem a força vital, mesmo se essa se revelasse na forma de dor e sofrimento. Mesmo na escuridão e na negatividade ainda há algo a ser honrado, algo a ser redimido.

Ereshkigal está espantada. Ninguém jamais a honrou dessa forma antes. A maior parte das pessoas passa sua vida tentando evitar a dor, a escuridão e todas as coisas que Ereshkigal representa. Mas os Lamentadores aceitaram; deram-lhe graciosamente, o direito de se lamentar e de reclamar. O que efetivamente estão dizendo a Ereshkigal é: “Tu tens o direito de ser. Podes reclamar e continuar reclamando tanto quanto quiseres, e ainda assim te aceitaremos”. Ereshkigal, grata por esse tipo de reconhecimento, quer recompensar os Lamentadores e oferecer-lhes qualquer coisa que desejarem. E eles lhe pedem que Inanna seja devolvida. Ereshkigal concorda, aspergindo Inanna com uma nova vida, e a rainha dos céus revive, livre para retornar novamente ao mundo superior.

Um encontro com Ereshkigal, simboliza um tempo em que temos que descer "ao fundo do poço" e enfrentar aquilo que é doloroso, revoltante ou feio em nós. Pode trazer um desespero profundo: tudo é terrível e a vida é sem esperança. Pessoas que pensávamos estarem preocupadas conosco nos abandonam; os ideais parecem ser vazios e sem vida, o que antes dava sentido e conteúdo a nossa vida agora não é nada. Mas o mito nos ensina como lidar com tais estados de espírito. Os Lamentadores de Enki são o segredo, a resposta que nos ajudará a sair do escuro mundo subterrâneo quando estivermos presos no fundo dele. Da mesma maneira que os Lamentadores de Enki aceitam Ereshkigal, também podemos aprender a aceitar a depressão, a escuridão, a morte e a decadência, como parte da vida, como parte do grande círculo da natureza. Precisamos estar dispostos a penetrar em nossa depressão e nossa dor, a explorá-las, senti-las, esperando que passem. Precisamos de permissão para entristecer, lamentar e sentir rancor - não apenas em relação a pessoas e coisas que perdemos, mas ainda por fases perdidas de nossa vida, ideais perdidos que não nos servem mais. A aceitação permite que a mágica da cura funcione. Somente no momento em que Ereshkigal é honrada e reverenciada como uma deidade é que nós, como Inanna, podemos retornar ao mundo superior. Essa é a lição que Enki tem para todos nós; é a sua maneira de nos ajudar e de nos trazer de volta do mundo subterrâneo para uma nova vida e uma nova esperança.

A história termina com uma mudança interessante. Há uma regra que diz que quando alguém se liberta do mundo subterrâneo, é preciso encontrar uma outra pessoa para tomar o lugar daquele que se libertou. Quando Inanna retorna ao mundo superior, procura seu consorte Tammuz, que não a ajudara quando ela estava nos domínios de sua irmã, e diz: “Agora é a tua vez, deves tomar o meu lugar no reino de Ereshkigal”. Se um componente de um sistema se modifica, então todo o sistema terá de se alterar para que possa funcionar adequadamente. Se um dos parceiros, num relacionamento, passa por mudanças psicológicas significativas, a menos que o outro parceiro também se modifique, o relacionamento corre o risco de ser completamente destruído.

Inanna foi despojada de tudo o que lhe dera uma identidade e foi deixada morta - e mesmo assim ressurgiu renovada. A única maneira de descobrirmos que temos a capacidade de sobreviver à morte do nosso ego é passar pela morte do ego. Quando tudo o que pensávamos ser é levado embora, descobrimos que uma parte de nós que ainda existe - aquele aspecto do nosso ser que é eterno e indestrutível. Quando o que pensávamos que nos suportava é levado embora, encontramos o que realmente nos suporta. Esse é o Dom que Ereshkigal tem pra nós.

Adaptação de: “OS DEUSES DA MUDANÇA - HOWARD SASPORTAS - Edições Siciliano – 1991 – págs. 261/266”.


3.5.06

Brincar com a imaginação

a gota e o oceano - desenho de angela

Ontem uma nativa em ideália lembrou-me de um homem sábio que viveu na Ilha. Seu nome: Gianni Rodari. Ele sabia como podíamos fazer para ter nossa mente aberta e saudável. Brincar com a imaginação e criar histórias sem medo de errar, podendo voar e sonhar e, deste modo, expulsar da mente e do coração tudo aquilo que faz mal.

Nos dias de hoje, fora de Ideália, muitas pessoas pensam que devem substituir partes dos contos de fada , musicas infantis e várias outras manifestações do imaginário por padrões que consideram "politicamente corretos".Desta forma impedem a elaboração dos instintos e suas manifestações expontâneas.

Deixando de cuidar do monstro Anterus e mantendo-o satisfeito, esquecem que aprender a conviver com o mal, dentro e fora de nós, é condição para sermos livres e felizes.

Foi então que lembrei-me de um jogo antigo que tanto adultos quanto crianças brincam em ideália para treinar a imaginação e aprender a lidar com Anterus. Trata-se de escrever contos de fadas.

Para facilitar farei uma lista de personagens. Cada um deles tem uma simbologia, uma representação psíquica mas, só o fato de elaborarmos a história, a NOSSA história pessoal, os contéudos já se rearrumam em nossa mente.Podem acreditar.

Minha sugestão é:

Usando a listagem abaixo,escreva um conto onde a trama inclua todos estes elementos mencionados. Para que o conto fique bem rico e a imaginação cresça, procure atribuir a cada elemento do conto, seja personagem ou não, qualidades bem definidas. Por exemplo: O seu Rei é forte?, é austero?, é bondoso?... como é seu jeito de ser? Descreva-o bem com as características internas e externas que farão com que possamos vê-lo com a imaginação.

O REI. / A RAINHA. / A PRINCESA./O GUERREIRO. /A AMA. / O MENSAGEIRO./ UM DOM ESPECIAL. / UM VELHO. / UM INESPERADO· / O SONO. / UMA FLORESTA. /O PASSADO.

Terminado o conto podem: guardá-lo, mostrá-lo para um amigo, para o terapeuta, ou até enviá-lo para mim nos comentários, pelo e-mail aschnoor@alternex.com.br, ou ainda esperar o próximo post para ver as analogias que são feitas com cada elemento. (e que vou postar em alguns dias).

Tentem fazê-lo. É uma brincadeira que pode enriquecer muito seu mundo interior. Passem para as crianças e verão como, para elas, torna-se muito mais fácil pois ainda não prenderam sua imaginação no porão da racionalidade.

Espero que gostem de jogar.

Virando Pocinha

Tiras do Laerte

Há dias em que me sinto assim, hoje é um deles.

Ainda bem que o Laerte soube me explicar!

Boa noite...

2.5.06

No que vou me tornar um dia

Lecythis pisonis, Sapucaia - árvore - floração - fruto, cabaça e castanhas - madeira
SAPUCAIA

Pouco depois de ter ido morar numa casa longe do centro da cidade, me apaixonei por uma árvore. A casa ficava em uma zona quase rural e, naquela época, minhas filhas tinham pouco mais que um e dois anos. Escolhemos morar neste lugar para que as crianças pudessem ter uma infância saudável, com os pés no chão, jardim e bichos, liberdade para brincar e correr.
Neste lugar podíamos comprar uma casa que não era muito grande mas, tinha uma piscina e muito verde.
No início da estrada do Rio Grande, caminho para nossa casa ela, a árvore, ficava à entrada como um convite ao belo e à vida.

Grande, alta e muito bela, entre agosto e outubro suas folhas se transmutavam em vários tons de rosa até o lilás. Quando descobri seus frutos acabei de me encantar. Produzia cabaças com tampa, de casca dura e resistente sob a forma de urnas de aparência lenhosa que encerram uma boa quantidade de amêndoas comestíveis em seu interior. As amêndoas aromáticas e oleaginosas da sapucaia podem ser consumidas cruas, cozidas ou assadas, constituindo-se em excelente alimento. Podem substituir, em igualdade de condições, as nozes, amêndoas ou castanhas comuns européias, prestando-se como ingrediente para doces, confeitos e pratos salgados.
Que delícia comer seus frutos que além de saborosos são muito nutritivos. A cabaça acabava por se transformar em vasos para plantas e muitos a usavam como panelas na cozinha.

Um ditado popular diz que “macaco velho não mete a mão em cumbuca”. A origem deste ditado, no caso a cumbuca de macaco, é o fruto da sapucaia, onde o macaco mete a mão para agarrar as castanhas. Ao assustar-se, esquece de abri-la ficando com ela presa ao fruto. Segundo o ditado, somente os mais inexperientes acabam vítimas da sua afobação e são penalizados por isso.

Descobri seu nome científico e características principais:
Lecythis pisonis – popularmente denominada: Sapucaia - castanha sapucaia - sapucaia vermelha - cumbuca de macaco - marmita de macaco e caçamba do mato.
Sua altura vai de 20 a 30 metros e de 10 a 20 metros quando isolada. Portanto gosta de companhia. Seu tronco vai de 50 a 90 cm. de diâmetro e é encontrada na Floresta pluvial da Mata Atlântica, do Ceará até o Rio de janeiro.

Este exemplar que conheci era imensa e estava tombada pelo IBDF (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal).
Como disse Erico Dalmau, "Através da sapucaia, a natureza nos dá exemplo entre outras coisas, que podemos ter a carapaça dura como a do seu fruto, mas sem perder a essência rica do nosso interior".

Muito aproveitei da beleza e dos frutos desta árvore. Identifiquei-me com ela como me identifico com o carvalho, árvore do Norte. Mas nasci no hemisfério Sul e se aqui passei minha vida é aqui que, algum dia, no pé desta árvore desejo que sejam depositadas as minhas cinzas para que eu possa, nutrindo-a, fazer parte de sua seiva e reencarnando sob a forma deste ser que tanto gosto e admiro.

Em 2 de maio de 2006 – Rio de Janeiro