Desde sempre lembro-me viajando em imagens. Primeiro elas fugiram de meu olhar interno e se faziam ver mergulhadas em papel e cores. Depois vieram as palavras e a inspiração dos sonhos, pois foi a realidade que, muitas vezes, trouxe os pesadelos. Em busca de organizar este mundo interior surgiu a Ilha.União de idéias e sonhos, asas que herdei. Apresento-a em pequenos trechos e peço que questionem, perguntem muito para que ela possa tornar-se mais rica e interessante, lugar melhor pra viver.

27.2.06

A ÁGUA

ENCONTRANDO COM A ÁGUA


Uma tarde recebi um pequeno bilhete, cuidadosamente envelopado, deixado na portaria do meu consultório.

Dizia:
Minha irmã, Água, gostaria muito de conversar com você. Mas, como tem muito receio de sair à rua, gostaria de saber se você iria à sua casa, onde sente que estaria mais à vontade para uma entrevista.
Seu telefone é ********.
Ela aguarda, ansiosa, um contato seu. Acho que você poderia ajudá-la de forma mais eficaz caso fosse atendida em seu próprio ambiente. Agradeço a sua atenção. Terra.

Por alguns instantes ponderei. Não tenho o costume de ver clientes em casa, mas lá no fundo, eu já desconfiava que Água poderia ser retraída, depois do que o Fogo me contou sobre sua delicadeza e introspecção.

Bati à sua porta já no final da tarde, pois conforme combinamos em rápida conversa, ela havia me dito que não gostava de acordar cedo e costumava estar mais desperta nessa hora.

A sala estava iluminada por um belo e antigo abajur que lançava sua luz amarelada sobre diversos porta-retratos espalhados pelas peças do aconchegante aposento.

Água tinha uma aparência arredia e desconfiada e seu olhar, embora terno e suave, pousava sobre mim com receio. Assim que entrei, indicou-me um sofá e enroscou-se no que me pareceu ser sua poltrona preferida.

Por algum tempo ficamos em silêncio e seus olhos me escrutinavam numa indisfarçável sondagem. Entendi que as palavras não eram seu melhor veículo de expressão e que caberia a mim a iniciativa das perguntas.

- O que deseja de mim? Perguntei.

- Tenho muitos medos, respondeu com olhos baixos, calando novamente.

Comecei então a perguntar sobre sua infância, seus pais, seu nascimento.

Com grande esforço suas defesas começavam a ser vencidas, pois o assunto fez brilhar seus olhos claros e ela começou a contar-me.

Procurei, intencionalmente não interferir. Atenta, apenas balancei a cabeça assentindo e acompanhando a longa e rica história que brotava de sua alma delicada.

Em dado momento parecia haver esquecido minha presença, tão à vontade estava, imersa em suas memórias.
A história caminhou por sua infância e, quando começou a falar da adolescência os olhos marejaram e um soluço sacudiu seu corpo que havia me parecido tão frágil.

Uma força imensa parecia tomá-la de assalto. As mãos crispavam-se sobre as dobras do camisão que vestia e a doçura deu lugar a expressões dramáticas que acompanhavam, com revolta e ódio, o relato dos fatos que a machucaram.

Impressionada, eu assistia a uma catarse colossal que me fez lembrar os vulcões que o Fogo mencionara.
Diante de mim, a jovem delicada se transformara em puro instinto de sobrevivência. Seus medos, assim expressos, pareciam lavas flamejantes que deixavam o presídio onde haviam se escondido.

As horas escoaram e só percebi que era noite quando ela começou a flexionar as pernas e a esticar os braços, relaxando.

Lágrimas suaves trouxeram de volta a doçura àquela face antes tão tensa e avermelhada.

Devagar, levantou-se e veio para o meu lado no sofá. Estendeu o corpo, deitou a cabeça em meu colo e adormeceu.

Fiquei ali por algum tempo, pensando.

Como tinha sido traumático para ela lidar com o ímpeto do Fogo.
A dificuldade para comunicar o que sentia quase não a deixava respirar e apenas sua irmã Terra conseguiu protege-la do total isolamento.
Quão forte se tornaria o caminho de tanta delicadeza...

Um sorriso em seus lábios parecia me contar um sonho bom.

Levantei-me com cuidado para não acordá-la e cobri seu corpo com a manta que estava sobre a poltrona.

Um bilhete afetuoso sobre a mesinha encerrou minha visita.

Sem fazer barulho, fechei a porta da rua.

Na primeira lixeira do caminho me pareceu enxergar alguns medos descartados.

Quem sabe ela me buscaria para a próxima conversa?

Angela Schnoor. Rio, 14 de agosto de 2003.

Para minha amiga-irmã Marlene, cuja alma sempre será exemplo de resistência e delicada força.

O AR

ENTREVISTA COM O AR


Meu cliente das quatro horas acabara de ligar avisando que não viria.
Mal havia ligado o som para relaxar quando a campainha soou.

-Será que voltou atrás? Pensei.

Fui atender ao interfone e a voz do porteiro avisou:

-Está aqui um jovem que pede licença para vê-la. Diz que um amigo a recomendou. Chama-se Ar. Posso mandar subir?

Mal acabei de desligar e a porta já ressoava um rápido Toc - Toc.

Pouco convencional este moço...

Não tive tempo de completar o pensamento, pois ele entrou ligeiro, leve e sorridente e foi falando:

-Não sei se é seu estilo, mas ouvi falar que há uns terapeutas Lacanianos que usam um tal de Tempo lógico e achei que poderia tomar um pouco do seu para conversarmos. É claro que, sem atrapalhar suas consultas! Não quero inter... Você gosta de Lacan?

-Caso seu próximo cliente esteja para chegar volto em outro dia, mas estava passando por aqui e... Como meu amigo Fogo disse que eu iria gostar de sua conversa... Bem, aqui estou! Muito prazer!

Eu ainda não tinha me recuperado da surpresa e ele ali estava, sedutor e cheio de leveza, como se conversasse com sua própria sombra enquanto pegava os objetos ao alcance, os examinava e, sentando no sofá, me olhava como se já fôssemos velhos conhecidos.

Como não parava de perguntar sem esperar resposta, aproveitei para olhá-lo com atenção, dando graças ao faltoso pela oportunidade que me propiciou de entrar em contato com aquela brisa em forma de gente. Ou seria uma ventania?

Seu corpo ágil como de um garoto e o rosto moleque não aparentavam qualquer idade.

Em poucos minutos...lá estava eu, informada das principais notícias do dia, coisa que minha rotina de trabalho não costumava favorecer.

Em certo momento parou e pareceu que me via pela primeira vez.

Seus movimentos serenaram e uma sutil elegância suavizou-lhe os traços.
Pareceu-me mais bonito e agradável quando sua conversa mudou de ritmo e de rumo.
Começou a perguntar-me sobre os livros em minha estante.

-Percebo que gosta de arte. Disse, pegando um volume sobre a obra de Magritte.

Por mais de meia hora dissertou sobre surrealismo sem deixar, entretanto, de ouvir minhas opiniões, que ponderava de modo gentil e interessante.

Notei que estava longe de se aprofundar em algum assunto pessoal quando levou a conversa para questões humanitárias e sociais.
Usava o pronome nós e parecia que neste “nós”, englobava a todos no planeta!

A partir daí brindou-me com as teorias mais fantásticas sobre as melhorias que a ciência traria ao mundo no próximo milênio, as viagens espaciais e os projetos de mapeamento dos genes Humanos.

Como o tempo não parecia ter limites para este jovem e a hora de meu próximo cliente estivesse próxima, resolvi interrompe-lo perguntando sobre seus amigos. Afinal, eu estava intrigada por saber algo mais pessoal sobre, em suas palavras, meu novo companheiro.

-Ah! O Fogo é meu melhor amigo! Às vezes diz que sou muito teórico, mas nos damos muito bem embora, em alguns momentos, eu o ache muito impulsivo. Ele me incentiva e eu o ajudo com meus contatos e conhecimentos.

-Já as irmãs, Terra e Água, você sabe... Gosto delas, mas...
Terra não me leva a sério. Vive querendo que eu prove a validade de minhas idéias e é muito lenta. Não consegue acompanhar meu raciocínio. No entanto, gosto quando digita os trabalhos que necessito apresentar e traz meu lanche quando me perco entre meus estudos.

-Água é muito linda e doce e me olha como se eu fosse um Deus, principalmente quando consigo dizer tudo aquilo que deseja e não consegue. Mas ela se preocupa em excesso e muitas vezes me atrapalha os movimentos... Não consegue sair daquela casca e, é tão intensa! Mas com ela sinto-me menos duro.

Dizendo isto, atendeu seu celular que tocava e, enquanto falava, acenou-me girando as mãos indicando que voltaria depois.

Saiu pela porta, piscou-me seu olho matreiro e, novamente sem me dar tempo, foi-se...

Em 15 de agosto de 2003 Angela Schnoor.

Para Alberto, companheiro fiel de toda uma longa vida.




A TERRA

CONSULTA DA TERRA


Quando olhei a agenda pela manhã, o nome Terra veio me lembrar nosso contato inicial.

Ela havia marcado sua hora com bastante antecedência.
Saía muito tarde do trabalho e queria garantir o horário escolhido e só se deu por satisfeita quando todos as questões tais como, endereço, tempo e preço da consulta tinham sido, detalhadamente, respondidas e anotadas.

Chegou pontualmente na hora combinada e não pude deixar de sentir o perfume que, com discreta elegância marcou, definitivamente, sua presença.
Foi impossível não notar o que vestia, pois a simplicidade, o corte impecável do sóbrio costume e os sapatos confortáveis, de primeira qualidade, denunciavam o bom gosto e a classe dos que dão valor à imagem.

Sentei-me, após oferecer um cabide para que pendurasse bolsa e casaco e como permanecesse de pé, indiquei a poltrona que poderia ocupar.

Seus movimentos eram lentos e harmoniosos e demorou algum tempo para falar, examinando atentamente o espaço à volta.

- Eu a procurei por indicação de um amigo para tratar da terapia de minha irmã Água. Lembra-se?
Suas referências são excelentes, porém, o mais importante para mim foi a disposição que demonstrou indo vê-la em sua residência. Ela se sentiu tão à vontade neste contato que se animou a continuar as entrevistas.

Sou responsável por minha irmã, desde a adolescência, quando perdemos nossa família. Mas deixarei para ela as particularidades dos fatos. Desde então, fui nomeada sua tutora e zelo por sua saúde e bem estar.

Fiquei imaginando o que ela, ainda tão jovem, tinha feito de sua vida pessoal. Tentei com cuidado, romper as defesas que evidentemente havia construído, projetando na irmã os cuidados que talvez desejasse para si mesma. Perguntei sobre seu trabalho. O que fazia?

- Dirijo os negócios deixados por meu pai. Ele administrava uma empresa de construção civil e como filha mais velha, formei-me em engenharia para continuar com segurança o crescimento da firma.
No momento faço MBA em administração.

Acho que usei a senha correta, pois ela pareceu ficar mais confortável e chegou a perguntar:

- Você teria um café? Tenho por hábito estar em casa a esta hora e jantar cedo. Desculpe, mas já sinto um pouco de fome.

Trouxe-lhe café e biscoitos e partilhei com ela o lanche para que ficasse mais à vontade.
Foi muito agradável perceber a sensualidade em seus movimentos ao comer. O prazer com que mordia os biscoitos e sorvia o café eram visíveis.

Quando terminou insistiu em levar a bandeja até a copa para “não me dar trabalho extra”.

Voltamos então ao assunto da consulta.

Quando perguntei sua opinião sobre os amigos da irmã, pude perceber uma pitada de controle e possessividade, assim como o fato de que Água era uma excelente tela para suas projeções.

- Ah... Tenho muito receio em relação ao Fogo. Ele é leal, mas já a magoou muitas vezes e, preciso sempre interferir para que não acabem me trazendo mais problemas além dos que já tenho. Mantive um relacionamento com ele no passado e foi muito passional para meu gosto. Hoje nos respeitamos mutuamente, mas com Água...Ela é tão frágil!

- Quanto ao Ar, penso que ele até lhe faz um certo bem. Ela se torna um pouco mais razoável. Ambos tem dificuldades com as coisas práticas e não gosto muito quando a encontro em casa dele... Ficam horas nas nuvens, sem comer... E a bagunça que deixam para eu limpar e arrumar? Você nem imagina!

- Sempre me dei bem com Água. Ela é um oásis em minha vida tão cheia de obrigações. Às vezes torna-se muito dependente de mim, mas em geral, me enche a vida de frescor e fantasia.

Enquanto falava, Terra olhava a todo o momento para seu belo relógio de pulso. Afinal disse.

- Preciso ir. Amanhã tenho coisas a resolver antes de chegar ao trabalho e gostaria de deixar já acertados todos os detalhes sobre as consultas de Água. Farei o pagamento...

Apanhou a bolsa no cabide, retirou uma bela agenda encadernada em couro e passou a anotar todas as minúcias necessárias para o perfeito andamento da terapia da irmã.

Antes de retirar-se usou o toalete de onde saiu com os cabelos penteados e a maquiagem retocada.

Sem dúvida, pensei, Água devia sentir-se completamente apoiada.
E Terra? Sabia que dificilmente a teria como cliente, mas talvez fosse beneficiada pelas conquistas de sua, nem assim tão frágil, irmã.

Em 16 de agosto de 2003 – Angela Schnoor.

Para Anna e Fábia, filhas muito queridas, lastro necessário em minha vida.

Elementos - O FOGO

Vivemos entre eles. Por fora, por dentro, no concreto e no simbólico, no físico e no psíquico.

O Fogo - sol, intuição, criação, chama de vida.
A Terra - sensação, percepção pelos sentidos, segurança e pragmatismo, toque, vida material.
O Ar - pensamento, respiração, idéia, comunicação, trocas, vôos.
A Água - sentimentos, origem da vida, mergulhos e naufrágios, poder de gerar e destruir, entrega e dissolução.
E há quem saiba do Éter, que regula e incorpora todos. Difícil seu acesso em vida! Coisa para poucos, espíritos sábios ou loucos maravilhosos!

Um dia li o título de um livro de Gaston Bachelar - "A psicanálise do Fogo".
Achei lindo e imaginei-me, no papel de terapeuta, como Ego centralizador e organizador, recebendo os elementos para uma consulta.
Eis o resultado. Em cada entrevista o elemento incorporado se apresenta em suas facetas principais. Da expressão mais pessoal e corriqueira até a manifestação em sentido amplo, social ou até transpessoal.




CONVERSA COM O FOGO

Havíamos marcado uma hora.
Num arroubo ímpar ele queria se compreender melhor e eu, ansiosa pela oportunidade de ver em pessoa aquele ser de luz, aceitei de pronto.

Adentrou meu consultório precedido por uma onda de calor que aumentou, e muito, a temperatura ambiente.
Rápido, esfuziante, cabelos desalinhados e vermelhos, era a mais pura expressão da energia. O corpo ágil e musculoso tinha a pele tostada e brilhante. E o olhar... Que olhar! Despejava faíscas onde pousava. Daí a irrequietude e inconstância, com que livrava os objetos de uma provável combustão.

Ao abrir a porta da sala já me sentia contaminada por seu entusiasmo embora um pouco apreensiva sobre qual lugar poderia oferecer para seu repouso, sem risco de incêndio.

Ele mesmo, cheio da mais pura iniciativa, ofereceu a solução.
- Prefiro conversar em pé. Assim, andando, minha natural impaciência vai se acalmando aos poucos.
E, sem precisar de estímulo, iniciou um longo discurso sobre si mesmo.

Timidamente interrompi seu monólogo lembrando-o de que ali estava para se conhecer melhor e sendo assim, eu iria tentar espelhá-lo.

- Sim, sei que sou meu centro especial de referência, mas não imagina como necessito de suas palavras para incentivar-me!

E assim ficamos grande parte do tempo. Um leve comentário meu pareceu impulsioná-lo a contar sua vida desde a existência de seu pai, o Sol, passando pela forma que os homens lhe deram ao descobrir a fagulha e toda a história de seus feitos pelo mundo. Guerras, esportes, máquinas, utensílios, conquistas e afirmações me deixavam quase sem fôlego, imantada que estava com tamanha demonstração de autoconfiança!

Aos poucos, foi se acalmando e se sentou sobre o mármore da varanda.

Como não ocorrera até então, seu brilho pareceu concentrar-se e um halo de calor circulou por igual em torno de seu corpo, agora mais tranqüilo.

Suas palavras pareciam fluir com tanta convicção que se tornava impossível não acatar o que dizia. Nesta altura chamei sua atenção para a força e autoridade que emanava na medida em que a impaciência o abandonava.

- É, dizem que nesses momentos me torno muito parecido com meu pai. Acrescentou com orgulho.

Pude sentir então seu maior magnetismo. Meus olhos não se cansavam de admirar a reverberação da Luz que imantava todas as coisas que existiam a partir de seu brilho.

Foi então que a tarde começou a cair e as sombras contrastavam o reflexo daquele ser que se transmutava.
O jovem rubro que ali chegara mergulhava em luz azul e esta se elevava.

Seu calor era calmo e brando quando falou.

- Veja, estou tranqüilo agora. Já sei mais sobre mim e não temo o apagar da chama. Posso guardar a energia e passá-la a meus filhos e já não preciso de tanto ar.
- Falemos baixo. Em breve precisarei partir em busca de novos espaços para repassar minhas experiências.
- Sinto–me pleno a partir de dentro, mas ainda quero lhe falar sobre meus encontros.

Com vivo interesse, debrucei-me para ouvi-lo. Agora, ele se parecia com a chama de uma vela e seu brilho trêmulo me enchia de respeito.

- Veja bem, disse. Ao longo de minhas experiências tenho encontrado alguns parceiros. Água me encanta e envaidece. Ela me reflete o brilho e me acalma, mas nos desgastamos se tivermos excessiva convivência.
Ela é suave e percebo que se aquece tão rápido em nossos encontros que muitas vezes acabei sozinho, pois a fiz desaparecer com meus arroubos. Algumas outras, ela me anulou. Veio defendida e despejou-se sobre meu brilho apagando-me a vida. Mas aprendemos muito com esta convivência.
O respeito que desenvolvemos em trabalho conjunto vale, para os homens, as chuvas de verão.

- O Ar, você e eu acabamos de ver e sentir. Um pouco de cada um de nós em gradação constante é bom e belo e o excesso de um pede a calma do outro, na medida exata da busca de equilíbrio. Aprendemos a ajustar-nos um ao outro.

- Terra, esta sim é desafio. Já me engoliu e me sufocou nas entranhas e demos ao Homem o espetáculo, nem sempre benfazejo, dos vulcões. E para não torná-la totalmente estéril tivemos que pedir auxílio aos outros. Quase nos destruímos. Entretanto moldamos, juntos, peças de arte e utilitários! Que a história o diga.

Ele então se levantou. Prometeu que indicaria meus serviços a seus parceiros.
Passou pela porta deixando um rastro cálido que aumentava em ardor enquanto se movia. Não partiu tão rápido como havia entrado e, sem conter a curiosidade cheguei à janela e pude vê-lo novamente incandescente e rubro ao retomar a liberdade pelo espaço.

Angela Schnoor. 12/08/2003

Ao meu irmão Gustavo, o belo e bom fogo criador que, por ter acendido tantas luzes, jamais se apagará.

25.2.06

Ciclo de Luz

http://www.constelar.com.br/revista/edicao36/estacoes1.htm

Ser Ilha

Le Mont Saint Michel - fotografia de Alberto D. Wanderley - abril de 2004

O mont Saint Michel foi, é, será um deslumbramento... sempre.
Por vezes parece memória. Lembrança de claustro, de paz, de solitude.
Assim me sinto, como era o local antes que o homem quase o destruísse em sua ânsia de lucro material.
Quando o mar subia... isolamento, silêncio, oração.
Ao baixar a maré, acesso permitido.

Hoje a maré subiu e me lembrou esta faceta de Pessoa:

“O escrúpulo é a morte da ação.

Pensar na sensibilidade alheia é estar certo de não agir. Não há ação, por pequena que seja - e quanto mais importante, mas isso é certo, que não fira outra alma, que não magoe alguém, que não contenha elementos de que, se tivermos coração, não nos tenhamos que arrepender.

Muitas vezes tenho pensado que a filosofia real do eremita estará antes no esquivar-se a ser hostil, pelo simples fato de viver, do que em qualquer pensamento diretamente relacionado com o isolar-se" .

Fernando Pessoa (nota solta, atribuída ao Barão de Teive)

Ciclo de Luz

Na cidade das Asas, desde muito jovens os pacíficos observam e estudam a natureza.

Eles unem estas observações aos ensinamentos de alguns homens que são chamados,
Os Amigos do Céu

Eis a primeira lição:

O Movimento do Sol e os Padrões Arquetípicos das Estações do Ano.

Nos primórdios da civilização, quando o homem abandonou a vida nômade, como caçador, orientado pela noite e pelos ciclos lunares e começou a se tornar sedentário, cultivando o solo, e iniciando o período agrícola na história da humanidade, teve necessidade de observar a trajetória do Sol e sua relação com a Terra.
Partindo desta relação, organizou suas percepções baseadas em períodos distintos a partir de certas peculiaridades.
As observações, tanto da natureza quanto dos seres que viviam em estreita dependência da Terra e das transformações a que todos estavam sujeitos, vieram a se tornar o que hoje chamamos de Estações do Ano e que, independente do hemisfério em que vive, o homem experimenta períodos extremados da Natureza entremeados por tempos mais equilibrados.
Os temores, os sentimentos, os comportamentos aprendidos e introjetados em cada ser humano a partir destas experiências, permanecem até hoje em nós através da memória genética universal, que o Dr. Carl Gustav Jung denominou arquétipos do inconsciente coletivo e que aparecem também, sob uma denominação que existe há milhares de anos: os signos do zodíaco.

UM CICLO DE LUZ
PRIMAVERA
Áries - UM PEQUENO RAIO TRAZ LUZ.
O SOL NASCE FRESCO E NOVO COMO CRIANÇA.
A BRISA DA MANHÃ, CHEIRO BOM, EXPULSA A UMIDADE DA GRANDE NOITE.
Touro - O ASTRO FICA EM CENA
COMO SE NUNCA MAIS FOSSE DEIXAR SUA MORADA.
SEU BRILHO É TRANQÜILO.
AS FLORES REFLETEM O BEIJO RECEBIDO.

Gêmeos - RESPIRAÇÃO DA TERRA.
VÃO AS PARTÍCULAS DE SUOR LEVADAS PARA O ALTO.
VENTO EMBALA O SOL COM HÁLITO PERFUMADO.
VERÃO

Câncer - ENTRE NUVENS CARREGADAS,
O SOL, MENINO TRAVESSO, BRINCA DE ESCONDER.
APÓS AS ÁGUAS JORRADAS, SEU SORRISO SURGE MAIS FORTE.

Leão - AGORA É GARGALHADA.
O CÉU É SEU REINADO E A TERRA REPRODUZ OS TONS DE OURO.
O ESCURO SE ENCOLHE E CEDE ESPAÇO
PARA QUE A LUZ EXPANDA SEUS LIMITES.

Virgem - UM LIGEIRO TREMOR, QUASE IMPERCEPTÍVEL,
E A LUZ APRENDE A BRANDURA.
A TIMIDEZ RECOLHE OS RAIOS
E O VENTO OESTE INSINUA, AO CALOR, UMA VIAGEM.

OUTONO

Libra - BRILHO LEVE E COR SUAVE.
A LUZ E A SOMBRA DÃO-SE AS MÃOS.
O SOL DESPEDE-SE E, CANSADO, ACONCHEGA-SE NA NOITE.


Escorpião - É UMA LUZ DORMENTE.
AS TREVAS SÃO AS COBERTAS DA TERRA.
O SOL MERGULHA NO HORIZONTE, EM VISITA AO PAÍS DA ESCURIDÃO.

Sagitário - A TERRA PARTE EM BUSCA DOS CONFINS
ONDE O AMADO SE ESCONDEU.
ESPERA, OLHAR PERDIDO
NOS DERRADEIROS RAIOS, QUASE IMAGINÁRIOS...
INVERNO

Capricórnio - UM BRILHO AGONIZANTE
AINDA É PERCEBIDO NO ALTO DAS MONTANHAS.
A ESCURIDÃO TRAZ A MENSAGEM DA LUZ EM DISCO PRATEADO,
REFLEXO DE LONGÍNQUAS PLAGAS,
MEMÓRIA FRIA QUE PROMETE A VOLTA.

Aquário - DESOLAMENTO. NA ESCURIDÃO TOTAL,
PONTOS DISTANTES NO CÉU INFINITO
LEMBRAM QUE UM DIA HOUVE SOL E PROMETEM A FUTURA LUZ.
Peixes - A CERTEZA DA MORTE SURGE NA DOR DAS ÁGUAS.
O PRANTO DA NATUREZA
ENVOLVE EM CINZAS O QUE JÁ FOI COR.
E, DA UMIDADE TRISTE, SURGE...

UM PEQUENO RAIO DE LUZ...

23.2.06

Um presente de Avó.

Hoje, em Ideália, um belo menino chamado Luca Moana faz aniversário.
Na ilha das asas as necessidades são simples e estão satisfeitas e então, os presentes e festividades por uma data feliz vêm sob a forma de histórias e ensinamentos amorosos para que a vida de cada pessoa seja cada vez melhor.
Luca é um ser de Luz e seu nome Moana veio de uma outra ilha. É o nome que se dá aos imensos espaços azuis, o céu e o mar.
Neste dia, a vovó chama Luca para contar uma antiga história, escrita muito, muito tempo antes de seu nascimento.
- Querido nenem, hoje te dou como presente a história de um ser muito diferente dos demais. Escolhi esta e eu vou te contar para que você cresça aceitando a todos, sem julgar ninguém pelas aparências. Ouça com atenção...

esta é a história de Verster - um bicho que viveu nesta Ilha há muitos anos...

Ele foi feito de poeira interestelar e era verde, como reflexo de seu amor pela natureza.
Sua forma estranha era a primeira e mais direta responsável por seus desajustes em viver neste mundo.
Seu corpo lembrava o de um felino e as patas gostavam de se projetar para frente como as de um leão e, muitas vezes, meio amedrontado, assumia posição de esfinge para intrigar e espantar àqueles que o assustavam. O rabo era de macaco, bem comprido, e, na cara, uma grande tromba de elefante se enroscava, distraidamente, no alto e torneado chifre que emergia do centro de sua cabeça. Mas, o mais espantoso de se ver eram os olhos: enormes como os de um sapo, e que tudo percebiam! Seus olhos não só viam como ouviam, sentiam, cheiravam e até falavam! Como acontece quando as pessoas perguntam: "Você viu?", quando falam de coisas que são para sentir, ouvir e...

Com esta figura estranha, ele só se sentia bem com as crianças e os velhos.
As crianças não tinham ainda visto tantos bichos para que os rotulassem com nomes e formas rígidas e os velhos, já tinham visto tantos bichos, que até já tinham esquecido todos os padrões e sabiam que sempre poderia haver uma combinação diferente.


Os pequenos tinham uma fantasia tão solta que podiam imaginar e sentir o maior segredo do bicho verde e os velhos já tinham vivido tanto, e se lembravam de coisas tão antigas, que os fazia saber que nada é impossível!

Esses entendiam e sabiam do segredo: O coração do bicho verde era o que ele tinha de mais diferente - Era um coração de DRAGÃO, tão grande, que cabia qualquer coisa e tão ultrapassado e mítico que quase ninguém mais sabia compreendê-lo.

E assim, o bicho verde, com sua forma estranha e seu coração fora de moda, andava rápido como um felino, gostava de viver e de brincar e gostava mais que tudo, de gostar: gostava de gente, de planta, de bicho, de cor, de sol, de lua, de riso, de música... De tudo! Tinha um gostador aberto, e ai é que ele procurava sempre mais prá gostar, pois, prá encher um coração de Dragão, é preciso muita coisa!.



Mas,(neste mundo tem sempre um mas) ele era desajeitado, esquisito, e parecia sempre muito complicado para as pessoas que queriam olho de sapo em sapo, tromba de elefante em elefante, rabo de macaco em macaco, pata de leão em leão e não acreditavam em Unicórnio e, muito menos, em coração de Dragão ou em bicho verde de poeira interestelar!
E o bicho sofria! Sofria uma tristeza tão grande que só um coração de Dragão, uma criança ou um velho podem compreender. Era a tristeza de um coração cheio, com um espaço vazio, que parece mais vazio num coraçãozão tão cheio!
Ai, o bicho foi ficando cansado e desanimado Tão desanimado que não dava nem prá morrer! Então, ele largou todo o seu ser bicho verde e foi ficando molinho, esparramado, desistindo de ser bicho de poeira interestelar e se espraiando em verde até virar um grande lago, tão verde como Dragão e tão brilhante como estrela.


Todos vieram ver o lago.
As crianças e os velhos bebiam das águas e tomavam banho, enquanto as outras pessoas, ao olhar a água verde, se espantavam e se confundiam ao se verem, refletidas naquele límpido lago, com tromba de elefante, olho de sapo, chifre na testa e outras coisas ainda mais bizarras!

Adivinhem? Luca correu com seus passinhos vacilantes e foi olhar-se no lago!

Vovó sorria sabendo que ele iria ver-se sob muitas formas inimagináveis! Afinal Luca Moana é um pacífico!

nome, texto e desenhos de Angela Schnoor- ©Copyright ANHA SCHNOOR Dezembro de 1982

22.2.06

Viajante

auto retrato- desenho sobre foto- Angela Schnoor
META

NAVEGAR E NAUFRAGAR
É SEMPRE A MINHA META
SEM NAUS OU VELAS
APENAS ABANDONO
QUE LEVE A MINHA VIDA
A PORTOS DE OUTRAS TERRAS
ONDE ESTRANGEIRO ERRANTE
À MERCÊ DE TEMPESTADE OU CALMARIA
NÃO TENHA NOME OU ROSTO
QUE ME RECONHEÇA.
PESSOA, TERRA OU PORTO
NO QUAL EU PERMANEÇA!
Angela.

Luamada

Abbys, 1988- Jan Saudek
LUAMADA

Vou buscar com a lua
Um pedaço de luz
Um degrau de sonho
Um resto de esperança.
Subir à mansão dos poetas
E jorrar estrelas
Sobre seu corpo adormecido.

Angela

VIDA

Les Moires par Strudwick

Eterna Hóspede

Habitara desde sempre
Meu porão escuro.
Só sabia dela
Em casas alheias,
Cruzando a rua.

Por vezes me espantava
Vendo-a, uma Estranha,
Presente na família.

Pensava que era triste.
Vestia-se de negro
E era grave.

Às vezes,
quando mais perto,
olhava para ela de soslaio.
Curiosa, mas distante.

Hoje ela está à minha mesa
Quando como.
Dorme ao meu lado às noites
Me acaricia, bem próxima,
Com longos dedos delicados.

Conversamos muito
E, tendo-a como amiga,
Ela me ensina alegria.
Me trouxe de presente
A liberdade
E muita vontade de estar viva
Enquanto não trocarmos de lugar!

Angela - em 06/09/2000

21.2.06

Mais Achados num Baú da Ilha .



MICRONTA?
O livro dos minicontos

1. Micro amor.

Andava triste. Havia um mês que ele não aparecia no chat. Teria viajado? Doente talvez? Ninguém sabia.
Era dia dos namorados. Ao entrar no escritório, seu micro desligado, quase explodia em vermelho por todo lado! Entrou na rede. As mensagens pulsavam a descoberta do amor percebido na ausência!

2. Fotografobias


Odiava ser fotografada mesmo quando era jovem e bela. Não a respeitavam.
Achava graça na vaidade das pessoas, em suas caras e poses. Um dia, inventou uma máquina que fotografava almas. Achou divertido vê-las se esconderem, em pânico. Agora, vingada, ela fazia poses e comprava álbuns!

3.Crisálida


Em cada grande mutação de vida, engordara muito. Passada a crise, retomava o corpo antigo. Agora, as transformações internas não mais paravam, vieram a galope. Não perdia mais o seu invólucro. Descobriu que ficaria gorda até que o casulo a libertasse, pronta de vez, pra novo ciclo!

4. Céu e Terra


Tornou-se mendigo. Abrigava-se nos vãos do aeroporto, mas cuidava da aparência. Diariamente percorria os salões levando um carrinho com suas bagagens imaginárias.
No ir e vir dos vôos ia a todos os lugares do mundo. Ajudava turistas e aprendeu idiomas. Não mais voou. Um emprego lhe partiu as asas!

5. Proteção


Alta madrugada, lugar de alto risco. Levaram a jovem em casa conforme o prometido. Gentilmente, esperaram que entrasse no prédio e abrisse a porta do elevador. O carro arrancou tranqüilamente, enquanto ela caía no poço escuro, sem ter visto a placa jogada a um canto. PERIGO - ELEVADOR EM REPARO,

6. Espírito de Mãe


O acidente grave acabara de ocorrer. Uma mulher acenava em prantos. Pararam. Ela implorava que lhe salvassem o bebê dentre as ferragens. Foram até lá. Pegaram a criança viva, dormindo entre os braços do cadáver da mulher que, naquele instante, lhes pedira socorro em pé, na estrada.

7. O sonho


Trabalhava demais! Desde garoto, sustentava a casa. O balanço do trem embalava o único descanso permitido. Hoje, o sono profundo, compensava o cansaço de anos! Acordou numa estrada deserta, cheia de sol. Pássaros e borboletas acompanhavam as flores do caminho. Perdera-se do caminho da dor.

8. O espírito de Lola


Seu bom humor era especial, mas acabara de ter certeza: Ele tinha outra.
Em casa, com dor, jogou o que era dele na grande mala de viagens e lembrou do troféu que trouxeram da África.
Ajeitou os belos chifres de veado sobre as peças e arrematou com um bilhete:
"Aos noivos, com os cumprimentos da casa”.

9. Tapete mágico


A saudade era imensa. Havia muito tempo, perdera-se de si mesmo.
Naquela tarde, um tapete passou voando e levou sua alma para casa. Agora as noites são eternas, ouvindo as fantásticas histórias que se conta.

10. Os tempos são outros, se são! Acabou de falar com o atendimento a clientes e teve certeza: A Santíssima Trindade, neste século, era composta (em ordem inversa) por: Deus, A Natureza e... O Sistema!

20.2.06

Achados num baú da Ilha.

Sempre que tento arrumar velhos guardados acabo passando dias entre recordações. É um momento de apagar e ficar só comigo entre cartas, pensamentos, poemas e antigas fotos e desenhos.
Hoje é dia de encontrar-me com Mnémosine.

MICRONTA?
O LIVRO DOS MINI-CONTOS

1.Tristeza.

O telefone desligou com um definitivo adeus. Calçou salto bem alto, pôs batom vermelho, soltou os cabelos e saiu pela rua como quem nada quer, rebolante e nua, exibindo os pentelhos cuidadosamente pintados de lilás enquanto o radinho de pilha anunciava ao quarteirão: I’ll survive!

2.Mistério.

No seu caso, já era o vigésimo perdido. Não conhecia ninguém que, um dia, houvesse achado algum. Comprou um novo e amarrou-se, firmemente, ao seu cabo. Na primeira tempestade de vento amanheceu no país dos guarda-chuvas, onde sempre era dia de sol!

3.Medo

Ela era muito grande e falava alto! Tudo parecia pequeno à sua volta e ele sentia um medo enorme daquelas passadas fortes. Pareciam estar em todo lugar.
Um dia sonhou que ela, ao deitar, deixava os pés cortados pelos tornozelos, dentro dos chinelos à beira da cama.
Acordou livre!

4.Ilusão à toa.

Queria um homem sensível. Na TV, suas músicas falavam de amor e paz. Conheceram-se ao acaso e ela, encantada, aceitou seu convite. Ao violão, cantaria só para ela. Entrou na escura sala e seus sonhos de menina foram estuprados ali mesmo, sem música de fundo!

5.Planeta mortal

Gostava tanto de estrelas que, toda noite, levava ao jardim um prato fundo cheio d'água e olhava, embevecido, o reflexo do brilho delas. Com uma grande colher de sopa devorava uma a uma e depois dormia na rede, se acreditando Céu. Uma noite engasgou e morreu. Tinha engolido Plutão, o invisível.

6. Máscara.

Sorriso sempre impecável. Perfeito, nunca perdia o controle. Gentil em gestos e atitudes. Um dia, a reunião girou em torno do recém chegado, mais agradável que ele. Rosto rubro, correu para o banheiro. Em choque viu suas feições, desfeitas, descendo pelo ralo da pia onde lavava os sinais de sua ira.

7.Tesouros da juventude.

Sentia uma saudade enorme de seu "tempo de loucuras". Agora, se achava muito fora de idade! Só que um dia, as loucuras também saudosas, começaram a vir ao seu encontro embaralhando a vida, as coisas, as pessoas...Abraçou a velha amiga. Fez a mala e entrou, feliz, pelos portões do Sanatório!

8. Mãemaré.

Deitado na fria cama de areia olhava o céu vendo nas nuvens, as formas da mulher amada que se fora. Anoiteceu e a Lua iluminou seu pranto ao som do coro das estrelas. Dormiu tão exausto de dor que a areia envolveu seu corpo num abraço protetor. Pela manhã, a primeira onda compadecida, o levou.

9.Landscape

No fundo do armário pintou um cenário onde encontrava toda a felicidade e liberdade.
Lá se recolhia e se trancava sempre que o mundo lhe parecia mau enquanto, em vão, o procuravam pela casa. No dia em que a casa pegou fogo, entrou para sempre em seu mundo de paz. Nada sobrou da feia realidade.

10.Mistério N.º 2

Quando desceu no País dos guarda chuvas encontrou memórias perdidas em cada peça conhecida, desde seu pequenino, com caras de ursinhos. Queria trocar o que sentia, mas não havia com quem pudesse conversar. Andando, transpôs a fronteira e viu a placa que dizia: Benvindo ao País dos pés de meias.

Ilha das Asas 6

capítulo final...?

Numa região afastada da ilha vive um monstro feroz que os Pacíficos chamam de Anterus. Pelos sons que emite em algumas ocasiões eles o temem e também tem compaixão pela dor que o ser exprime e o alimentam diáriamente com muitos frutos.

Alguns velhos sábios conseguem voar acima das montanhas onde vive o ser perigoso e espreitam suas preferências e necessidades para mantê-lo satisfeito e assim, proteger o povo de Asas, pois todos acreditam que saber conviver com o mal é a condição para serem livres e felizes.

Os pacíficos vivem até cinqüenta anos quando então, retornam aos vinte incorporando toda a experiência e aprendizados adquiridos anteriormente.

Quando estão cansados de repetir os cinqüenta anos vão para o Grande lago, projetam suas despedidas no espaço e apagam-se para sempre com alegria, pois irão incorporar-se à Grande Ursa Polar.

Ilha das Asas 5


desenho de Angela Schnoor


A mente dos pacíficos é poderosa e eles a utilizam bem.

Uma de suas maiores diversões é projetar no espaço aberto e límpido sobre o Grande Lago, suas fantasias, idéias e sonhos. Todos podem assistir, aprender e divertir-se com estas projeções que são chamadas de
cinemágicas.

Como seu nome indica, não são dados a guerras e conflitos. Vivem em silêncio e se comunicam por telepatia, aperfeiçoando a audição para distinguir e apreciar o canto das aves e os sons do vento e das águas. Assim, percebem e reconhecem a aproximação de cada um pelo som de seus passos.


Entretanto, cantam muito em solo e em corais e adoram dançar, jogar e organizar competições no ar e na água.

Têm uma dança ritual consagrada à Grande Ursa que se chama Polária.
Giram em círculos com passos lentos, ora sobre os dois pés, ora sobre pés e mãos, imitando os ursos, enquanto emitem sons suaves e compassados como se fosse vento ritmado.

São afetuosos e carinhosos e procuram o prazer com pessoas escolhidas pelas afinidades, independente de sexo ou qualquer outra característica exterior.


Em Asas não há casamentos, sentimento de posse ou ciúmes, pois partilham tudo com alegria. Nas projeções cinemágicas é quando melhor escolhem seus parceiros para convivência e procriação.

19.2.06

Ilha das Asas 4

Os Pacíficos quase não adoecem, mas possuem um sistema de saúde que aprenderam com os povos do antigo oriente.
Existe em cada clã um sábio que, por herança genética, conhece as plantas e os procedimentos para conservar o bem estar físico e mental. São eles os responsáveis pela formulação e confecção do Flui e pela orientação das pessoas quanto à manutenção da saúde e são recompensados pelo povo que se encarrega de prover a subsistência do “médico”.
Nos casos de doença de algum membro do clã (o que é raríssimo), se for comprovado engano ou descuido por parte do sábio, os membros podem sustar os recursos dados ao médico até que a saúde da pessoa seja restabelecida.

A administração da Ilha é encargo de todos os seus habitantes.
A divisão de responsabilidade é feita pelos locais de moradia que obedecem ao critério de atividades de cada clã. Assim, por exemplo, os que têm crianças ou dedicam-se às artes, moram próximo ao Bosque dos Prazeres. Deste modo eles fazem o percurso entre o trabalho e a casa de forma descansada, podendo caminhar pelos arredores a pé ou com a ajuda de seus animais preferidos.


O administrador é escolhido entre os moradores de seu “bairro” e organiza o trabalho voluntário da comunidade. Todos e cada um cuidam do espaço onde moram, limpando as calçadas, recolhendo o lixo e cuidando das plantas e animais de cada região.

A luz é natural e a energia solar é concentrada para abastecer as necessidades de calor. Em dias de festas noturnas e quando não é Lua Cheia, reúnem muitos vaga-lumes em grandes cestos de palha e os penduram nos jardins, enquanto dura a festa. Os vaga-lumes dedicam-se de bom grado a este serviço e também apreciam as danças. Existem relatos de crianças que observaram os vagalumes festejando dentro dos balaios.

As casas onde habitam são construídas por eles com elementos naturais e a decoração pode ser modificada pela imaginação (que se torna concreta em segundos), de acordo com o desejo ou a necessidade de seus moradores.

Ilha das Asas 3


A natureza na Ilha é pródiga. Seu clima é leve, rica em frutos e flores, cachoeiras, rios límpidos, e um grande bosque especial, muito apreciado pelas crianças.
Neste lugar, chamado Bosque dos Prazeres, as árvores produzem gulodices variadas e objetos que estimulam a criação dando oportunidade para construção de vários brinquedos, jogos e peças de arte.
Um grupo de árvores foi plantado desde as mais remotas épocas por pacíficos que gostavam de escrever suas experiências e sonhos. Em cada uma delas as folhas contém gravuras e escritos contando desde a história da Ilha até poemas e contos infantis. Para ler, basta que retirem as folhas de seu interesse, pois a árvore reproduz outra folha igualzinha e no mesmo lugar com muita alegria por servir e os pacíficos, desde pequenos, sabem que é bom pedir licença à árvore para usar suas folhas antes de retirá-las e lhe agradecem muito ao terminar.

Outras espécies cultivadas são as Oliveiras, pois as azeitonas são um dos alimentos preferidos dos pacíficos, que também apreciam frutas e vários temperos para os cereais que preparam.

Depois que trouxeram algumas cabras e ovelhas para a Ilha, passaram a produzir queijos e criaram receitas leves e maravilhosas.

Rotineiramente, o povo se alimenta de um produto completo que contém todos os nutrientes necessários a manutenção da vida e da saúde. Este preparado, chamado Flui existe sob a forma de sementes, líquidos ou barras. Desta forma os pacíficos conseguem manter-se saudáveis, equilibrados e leves para voar.

Refeições completas só são organizadas e servidas semanalmente ou em dias de festa e compôem-se de alimentos variados na forma e na apresentação. São dispostas em grandes mesas guarnecidas com belas toalhas quando então, os convivas experimentam receitas e iguarias trazidas de suas viagens a outros povos. Nestas ocasiões, o alimento é partilhado como mais uma experiência criativa e sagrada de acordo com a filosofia de vida deste povo.

18.2.06

Ilha das Asas 2















Os Pacíficos (como são chamados) têm a capacidade de tornar-se invisíveis e desaparecer quando tem necessidade. Assim, ao viajar não são vistos pelos povos que visitam, sendo esta sua melhor forma de proteção.

Outra característica interessante que os pacíficos desenvolveram, ao longo de sua evolução, foi a capacidade de tornar-se qualquer outra pessoa. Com o consentimento do outro, eles dissolvem sua individualidade e passam a fazer parte deste outro ser por um tempo determinado. Através desta experiência, não só multiplicam suas percepções da vida como aprendem a entender, aceitar e não julgar seus semelhantes, tornando-se excelentes parceiros e amigos.

Quando querem repousar, eles se “apagam”, desaparecendo por espaços de tempo que variam de minutos a muitos dias (férias). Nestes períodos se abastecem de energia de acordo com sua natureza. Ficam no espaço e tornam-se ar, fundem-se com a água, misturam-se a Terra e plantas ou buscam a combustão Solar ou a do interior da Terra..
Como esta é uma prática comum e saudável, ninguém se preocupa ou se espanta com a ausência de algum pacífico.

Em busca da Ilha

desenho de Angela Schnoor
IDEÁLIA POLÁRIA - Ilha das Asas 1

Ideália fica em algum lugar do Oceano Pacífico, próxima ao Equador, na faixa denominada Trópico de Câncer.

Ensolarada e com clima sempre fresco, recebe ventos do norte e é quase fria às noites, pois as correntes marítimas trazem as águas geladas do ártico.

Uma vez ao ano, uma grande
Ursa Polar dá a volta à ilha em sua placa de gelo.
Nesta ocasião os nativos fazem sua festa nacional.
Enfeitam a ilha com flores, dançam e cantam para saudar sua protetora e oferecem a ela a abundância de peixes trazidos com a corrente que afasta e despista as embarcações de possíveis estrangeiros curiosos.
Graças a esta proteção os habitantes jamais são perturbados em sua forma de viver.

Seus moradores voam e, os clãs a que pertencem são reconhecidos pela forma como se elevam no ar.

Uns tomam impulso dobrando as pernas e são elas que determinam sua direção, outros viajam na vertical; alguns usam seus braços como propulsores e mudam de direção pelo movimento das mãos.
São muitas as formas de lidar com o vôo.

Embora não gostem de receber visitantes, viajam sempre para outras terras afim de recolher novidades e informações que possam aprimorar suas vidas mas quase sempre voltam apenas com novas espécies vegetais, satisfeitos com a convicção de que seu lugar é o melhor de todos.