Desde sempre lembro-me viajando em imagens. Primeiro elas fugiram de meu olhar interno e se faziam ver mergulhadas em papel e cores. Depois vieram as palavras e a inspiração dos sonhos, pois foi a realidade que, muitas vezes, trouxe os pesadelos. Em busca de organizar este mundo interior surgiu a Ilha.União de idéias e sonhos, asas que herdei. Apresento-a em pequenos trechos e peço que questionem, perguntem muito para que ela possa tornar-se mais rica e interessante, lugar melhor pra viver.

30.4.06

Desabrigo

DESABRIGO


O cerco aperta e já não sei do rumo.
Bocas vorazes espreitam, dentes afiados e gritos frios nas gargantas carentes.
Quando parar de fugir, quem sabe, encontrarei um porto enquanto não chega o meu cais de amarração.
Quem sabe, então, meus eternos monólogos contigo pelas madrugadas suadas de chuva, sejam diálogos cálidos onde me encontrarei, de novo, na viagem interrompida.
Ah! Como preciso de paz!
Como a tormenta se demora e já não tenho mais tanto fôlego.
Ouço o canto das sereias e não sei qual será a próxima rocha onde destruirei mais um pedaço.
Ah! Meu cais de amarração, como pareces longe nesta bruma cheia de sirenes e naus perdidas!
Ah! Meu porto antigo... Hoje tão distante e estrangeiro, amigo só em meu peito onde mora a saudade de praias e gaivotas!
Eu te conhecia cada estaca e cada corda, cada amarra e cada bêbado.
Todas as prostitutas e os cães vadios eram meus amigos e as manhãs sempre eram doces e benfazejas no embalo de tuas ondas.
No nevoeiro, não me reconheceste os sons nem o calado. Minhas sirenes tocaram, em vão, pra que me desvendasses.
O embalo das ondas, aflito, não te deixou crer que eras meu último e definitivo porto.
A tempestade me tomou do seu desabrigo e vagueio agora no sem rumo, em meio às rochas, às sereias e os monstros marinhos com suas goelas abertas; a escutar gritos perdidos de mães solitárias que choram seus filhos naufragados.
As algas cobrem meus ombros,e aguardo o brilho de uma manhã em que me reconheças.

Angela Schnoor. Rio de Janeiro.1984

29.4.06

Pais perfeitos - uma história

A vida - tentativa de reconstrução. foto de Sotero Costa

Pais perfeitos.

A semelhança das experiências na infância e a história familiar os uniam mais do que se fossem irmãos. Os pais de ambos tinham se separado quando eles eram ainda crianças por questões de temperamento, educação, valores e hábitos.

Seus pais descendiam de militares e eram homens que davam especial valor à disciplina, à mente e à racionalidade. Por esses motivos criaram seus filhos com muitas críticas a qualquer manifestação instintiva ou emocional:
- “Isto é coisa peculiar nas mulheres sem controle” era uma das frases típicas no contexto familiar embora as mães se encolhessem, medrosas, ao ouvi-la.

Enquanto bebes, enfermeiras e babás tinham recebido orientações explícitas para não ceder às manhas e jamais sair das regras e horários para alimentação e higiene. As crianças tinham comportamento exemplar nas festinhas infantis e em família. Não se sujavam, nunca se aproximavam da mesa de doces e só aceitavam o que lhes fosse oferecido, se previamente autorizado pelos pais.

Não andavam descalços, estavam sempre agasalhados à mínima mudança de temperatura, e brincar no chão... Nem pensar!

A separação dos pais se deu quando as mães começaram a se rebelar contra a tutela severa dos maridos liberando caminho para suas explosões emocionais e a busca de suas individualidades.

A partir daí, deixaram os filhos em quase abandono, pois com a crise financeira não podiam mais ter empregados que cuidassem deles e não eram muito dedicadas às tarefas domésticas.

As duvidas assolavam as crianças amigas que passaram suas infâncias trocando opiniões sobre quais verbos deveriam conjugar.
Depois de dividirem muitos baseados, confidências e sonhos descobriram que tinham atração física um pelo outro e, embora já tivessem passado da adolescência, não conseguiam demonstrar e viver o instinto que teimava em mostrar-se apesar do receio e pouca naturalidade com que lidavam com as coisas do corpo.

Foram acostumados a buscar nos livros respostas e orientações sobre a vida. Os encontros com os pais eram sempre formais. Quanto às mães... Bem, cada uma a seu modo, era excessivamente emocional e eles não sabiam lidar bem com “pessoas sem controle!”.

Os amigos foram casando e eles sentiam tanto a falta de uma família que juntaram esforços e alugaram um pequeno apartamento para que pudessem ter um filho.

Queriam se preparar para educar sua criança e teriam orgulho em fazê-lo de forma bem diferente, sem cometer os erros dos quais se sentiam vítimas. Começaram a sonhar em serem pais perfeitos!

Passavam muitas horas conversando e planejando a frustrada fecundação até que resolveram comprar um cãozinho e, uma vez relaxados, a fecundação aconteceu!

As noites após o trabalho os encontravam lendo livros, assistindo programas de TV e assinando revistas sobre gestação e parto, além dos sites na Internet e as consultas ao obstetra que levaram meses a fio para escolher, pois rejeitavam qualquer sugestão.

A família e os amigos estranharam o comportamento, mas respeitaram a necessidade imperiosa de independência do casal e não mais ofereceram quaisquer ajuda nos meses até o parto.

O Bebê nasceu forte e saudável, mas ao chegarem em casa os problemas normais começaram. Choros, amamentação, gazes, cuidados com o coto umbilical, banhos, fezes e toda as inseguranças que seriam relativas para pais de primeira viagem passaram a seguir um ritual apoiado, cada vez mais, em regras rígidas ditadas por um temor inigualável dos que não sabem lidar com o instinto.

Aos poucos o sofrimento de todos foi piorando. Não confiavam em pessoa alguma, apenas nos livros e a criança não dormia e não se alimentava direito, chorava muito e um circulo vicioso foi se fechando.
Trancaram-se em casa. Raramente saíam ou aceitavam visitas.

As pessoas foram se distanciando. Sentiam-se intrusas, seus movimentos de auxílio eram rejeitados porque não atendiam às regras que os livros ditavam.

A casa parecia um estoque de material infantil. As mamadeiras eram numeradas de acordo com os tipos de leite, as chupetas separadas para cada ocasião especial ficavam em caixinhas de cores diferentes.
Relógios em cada cômodo do apartamento anunciavam as horas das mamadas, do banho e do sono que eram cuidadosamente anotados num diário obsessivo. E, como haviam aprendido embora nem se lembrassem... O bebe que chorasse no berço... Naquela casa não se aceitava manha!

Quis a vida que um dia em que haviam saído para o pediatra, a cidade quase despencou com um temporal excepcional que os impediu de retornar a casa. A água invadiu o prédio que ficava na encosta de um morro e destruiu quase todo o apartamento. Era tanta água que os estofados, os móveis, os objetos e, principalmente os papéis foram destruídos pelas águas.

Além da aflição com as perdas e com o cansaço da tentativa de reconstrução do que conseguiram salvar ficaram perdidos quando descobriram os destroços dos livros e das anotações feitas.
As mamadeiras saíram da ordem, misturadas com as chupetas e as fraldas molhadas arrastavam-se pelo assoalho. Um caos!

Tinham perdido as certidões de nascimento, os papéis da maternidade, como teriam certeza da data de nascimento da criança? Seriam mesmo a data e hora que lembravam? E, se não fosse? Como registraram o menino? Não estavam certos da ordem dos nomes com que o tinham registrado... Como viver sem papéis, sem as certezas do que estava escrito? Qual seria a hora da próxima mamada? E os livros?
Apenas um manual do bebe se mantinha precário no alto da estante.

Apanharam o exemplar. Folheando as páginas em quase desespero buscavam inutilmente a explicação para o fato de seu bebe que ainda nem falava, estar sorrindo e batendo palmas dentro do berço enquanto emitia um som, como se cantasse.

- “Venha ver João, nosso filho parece cantar, o que estará acontecendo com ele? Isto é normal? Será que esta falta de rotina destes dias perturbou sua sanidade?”.

João corre e para na porta do quarto estarrecido.

- “Lucia! Ouça bem, você não conhece esta música?”.

Meu pai me ensinava quando eu era pequeno! Ouça bem e me acompanhe: Este é o refrão do hino à liberdade!

Lucia, de boca aberta, ouvia o marido fazendo coro com o Bebê:

Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós!...
Das lutas na tempestade
Dá que ouçamos tua voz!


Em 18 de abril de 2006- Angela Schnoor.


26.4.06

O tempo

O tempo - desenho feito por mim- 1983-2003
Novamente volto à Alice no país das maravilhas e aos temores despertados por aquele filme quando eu era bem pequena e tive medo do gato, da rainha e do nonsence que hoje tanto me divertem quanto ensinam.

Naquela época não registrei minha semelhança com o coelho e nem poderia. Crianças pequenas não têm noção de tempo e consciência de sua passagem. Em 1983, próxima dos quarenta, fiz este desenho num caderno precursor dos blogues. Ali eu escrevia, desenhava e anotava meus fatos internos. Já havia plena consciência do tempo, mas seus símbolos tinham formas lentas, cíclicas e não parece haver tensão entre as expressões da dualidade, simbolizadas pelas mãos.

Em 2003 refiz este mesmo desenho no computador. Não tinha scanner e o desenho foi feito com o mouse. Aos quase sessenta o tempo já tinha se tornado meu amigo e já não lutava tanto com ele. Continuei a deixar num escaninho da consciência o Coelho e seu relógio, crente que a vida estava quase estática.

Uma série de eventos trouxe de volta o coelho e sua pressa: É tarde! É tarde... Grita dentro de mim o coelho que tanto se assemelha a esta minha aparência atual: gordinha, suada, descabelada e com óculos, agitando um relógio mental que teima em me lembrar que estou atrasada!

Quero escrever tanto, são tantas as idéias na cabeça! Quero ler tanto, são milhares os pensamentos belos que outros também expressaram e que me alimentam a alma! Quero aprender a desenhar melhor, nunca fiz um curso, jamais desenvolvi uma técnica, mas qual? Adoro aquarela, desenho, fotografia, gravura... E a música? Bem, atropelo a vida e sou por ela atropelada, pois o universo se ampliou com a Internet, os blogues (são tantos os lusitanos maravilhosos!), com a família que cresce com o desejo de ter mais tempo para todos, para os amigos, para ouvir concertos, para ver coisas belas, para jogar conversa dentro e fora...

Sei que há uma ânsia exagerada, que o tempo fluiria melhor se acalmasse e direcionasse a bússola, se respeitasse o ritmo dos dias, se quisesse menos, se dissesse mais vezes não aos outros e a mim mesmo, mas acima de qualquer coisa, sinto-me uma consumidora compulsiva do belo!

E, tem mais... Tenho muita aflição com restaurantes a Quilo. As muitas opções me fazem lembrar a criança que existe em mim e que não consegue rejeitar coisa alguma, pois projeta em quase tudo a rejeição sofrida. Pergunto-me: Ainda, Angela? Você está velha e ainda guarda esta coisa ruim lá dentro? É...De fato não é mais tão mal assim. Tenho consciência do que se passa e já não acho que um doce vai ficar triste porque não o escolhi. Já consigo morder uma fruta sem pensar que a estou agredindo! Mas estas marcas, quando feitas muito tenras, são como cortes no tronco de um pequeno arbusto; a árvore cresce carregando a marca e ali poderá ser, quase sempre, um local vulnerável.

Mas existe algo mais... A consciência de que: estou viva, pois que tudo me encanta e motiva, tenho pouco tempo para aproveitar a festa, os túneis e labirintos não amedrontam mais e, se tenho saudades dos tempos lentos dos caracóis, das vacas e da calma do campo onde coloco o motor que me agita o espírito?

Penso que, como o coelho, acabarei sempre atrasada para o chá, mas não quero deixar de lado personagem algum de minha história! Então, faço minhas as palavras de Caetano Veloso em sua linda Oração ao Tempo:

És um senhor tão bonito, quanto a cara do meu filho
Tempo tempo tempo tempo, vou te fazer um pedido
Tempo tempo tempo tempo

Compositor de destinos, tambor de todos os ritmos
Tempo tempo tempo tempo, entro num acordo contigo
Tempo tempo tempo tempo

Por seres tão inventivo e pareceres contínuo
Tempo tempo tempo tempo, és um dos deuses mais lindos
Tempo tempo tempo tempo

Que sejas ainda mais vivo, no som do meu estribilho
Tempo tempo tempo tempo, ouve bem o que eu te digo
Tempo tempo tempo tempo

Peço-te o prazer legítimo e o movimento preciso
Tempo tempo tempo tempo, quando o tempo for propício
Tempo tempo tempo tempo

De modo que o meu espírito, ganhe um brilho definido
Tempo tempo tempo tempo, e eu espalhe benefícios
Tempo tempo tempo tempo

O que usaremos pra isso, fica guardado em sigilo
Tempo tempo tempo tempo, apenas contigo e comigo
Tempo tempo tempo tempo

E quando eu tiver saído, para fora do teu círculo
Tempo tempo tempo tempo, não serei nem terás sido
Tempo tempo tempo tempo

Ainda assim acredito, ser possível reunirmo-nos
Tempo tempo tempo tempo, num outro nível de vínculo
Tempo tempo tempo tempo

Portanto peço-te aquilo e te ofereço elogios
Tempo tempo tempo tempo, nas rimas do meu estilo
Tempo tempo tempo tempo

Dioniso e Urbano - um conto

The Bacchante - Jean-Léon Gérôme-1853
URBANO DOS SANTOS, UM SUBURBANO ORBITANDO EM SEU UMBIGO BAMBO

Urbano dos Santos tinha nascido num subúrbio carioca. O pai fez planos para sua vida desde que lhe escolhera o nome. Desejava que o filho fosse gentil, cortês e civilizado, se possível, um doutor.
A mãe morrera de parto e seu José tornou-se o centro da vida de Urbano.
No dia em que se formou no ginásio um enfarto fulminante o separou do pai e, a partir de então, Urbano que sempre fora sub resolveu ir morar em Copa.

Facilmente conseguiu um emprego como boy em um escritório de advogados graças à esmerada educação e discrição que o acompanhava como uma bula.
No burburinho da cidade, no bairro tão agitado e diferente de sua infância pacata, encontrou um quarto de pensão em casa de uma velha senhora mas tornou-se cada vez mais introvertido e inseguro. Era um deprimido. Sentia-se como um umbigo, seu centro havia se rompido com a morte do pai e o corte ainda doía.

Por influência de um jovem advogado do escritório começou a interessar-se por filosofia oriental e passava seu tempo de folga lendo Lao Tsé. As palavras do mestre o transportavam. Sentia-se olhando para frente e para trás ao mesmo tempo, por momentos tornava-se o furo central, vazio, de uma roda que o fazia girar no eixo e andar pra frente e pra trás, em círculos, sem espaçotempo, em curvas, tanto fazia... Passava horas livre da depressão umbilical, desligava...

Um dia contou ao amigo como se sentia e este riu, contestando-lhe o nome:
- Urbano? Qual... Você está mais para Orbi que para Urbi, devia chamar-se Orbiano ou Orbitano! Vive no espaço, entrou em órbita amigo!

Foi um outro aprendizado. Latim, palavras do Papa, cidade e mundo... E foi então que, com a assídua presença de Dioniso e seus ensinamentos, Urbano começou a perceber-se, talvez menos civilizado, nem tão contido nem controlado, um pouco mais instinto.
Seu corpo fervia às noites e, no chuveiro, se pegava pensando no amigo mais do que se permitia.
Paradoxo. Seu umbigo não mais era um centro vazio. Aliás, seu centro descia para o foco da imensa excitação que lhe roubava o sono. Parecia que o corte tinha se fechado, não se sentia mais só.

A aproximação com seu "mentor" se estreitava. Todo dia saiam juntos do trabalho e, aos poucos, o papo do chope varava a madrugada com a conseqüente insônia, banho frio e pensamentos nem um pouco.

Dioniso, o advogado, estava se preparando para um concurso público e havia bastante matéria para que a parceria no estudo se estendesse por noites adentro.
No afã de ajudar o amigo a passar no concurso, Urbano saiu de seu quarto na pensão e foi morar no pequeno apê de Dioniso.

Toda noite o cansaço os jogava dormindo no chão, sobre os estudos.

Um dia, folheando os livros do amigo, procurou no dicionário o nome do outro.
Qual seria seu significado? Queria parecer brilhante buscando também, alguma brincadeira interessante.
Não achou Dioniso mas Dionisíaco, e aquele seu novo "centro”, recém descoberto não tardou a se manifestar. As palavras "natureza... agitada, desinibida, arrebatada” confirmavam a atuação de Dioniso em sua vida.
Ficou mais perturbado ainda, mas guardou para si a descoberta que preenchia, com fantasias, seu espaço antes vazio.

Na biblioteca pública encontrou a história de Dioniso, o deus grego, e a comparação que os autores faziam entre ele e Apolo. Não pode deixar escapar sua identificação com o belo deus da ordem, da verdade e da claridão.

O amigo passara na prova, estavam recompensados. Com seus esforços, a lei e a ordem estavam saciadas. Pela via de Apolo, nada a reclamar.

Com uma desculpa ligeira, saiu mais cedo do trabalho e passou num mercado para levar vinho para casa. Como seria o "Deus do vinho" após uns tragos?

Noite adentro, cansados de papos taoístas, latim e legislações, o vinho desceu macio e o sono os deixou entregues sobre o tapete. Quase manhã, descobriram - se abraçados em meio ao sono e entraram em órbita confluente onde a paixão tomou conta de tudo, todo o dia.

No escritório a preocupação com a ausência de ambos aumentava na medida em que os telefonemas não eram atendidos.

À noite os dois saíram em meio à aglomeração da cidade, buscando um lugar de festa.
Em transe, não paravam de beber, olhavam para frente e para trás ao mesmo tempo, tornavam-se o furo central pleno, de uma roda de paixão que os fazia girar no eixo e andar prá frente, pra trás, em círculos, sem espaçotempo, em curvas, tanto fazia ...

Após três dias de festa, drogas, dança, sexo, paixão e vida, uma ambulância os recolheu a um hospital público cujas janelas estreitas dos quartos da enfermaria, se pareciam com as gavetas dos cemitérios.


Angela Schnoor - para saber mais sobre Dioniso clicar sobre o título.

24.4.06

Notícias felizes

Desenho feito por mim em 1950 no Hospital dos servidores do Estado no Rio de janeiro
encontre a formiga que mostra lingua
Notícias felizes

Quando criança estive internada por causa de uma septicemia. Embora sejam muitas as lembranças difíceis, o contexto geral que me ficou foi de uma situação muito boa e feliz. Sim, recebi carinhos e atenções especiais mas acho que foi o tanto que me permitiram desenhar que me libertou do lado negro da história. Naquela época eu não começara a trocar os primeiros dentes e tinha menos de seis anos mas já gostava de lápis e papéis desde bem mais cedo.
Lembro-me das enfermeiras e de meus pais me trazendo um suporte à cama do hospital onde eu coloria minhas "formigas". Desenhava muitas figuras negras e as chamava de formigas. Acho que alguma coisa desta doença eu expelia e limpava através destes simbolos. As formigas são tidas como símbolos de trabalho, paciência, atividade e seletividade. No mito de Eros e Psique são as formigas que auxiliam a alma em sua primeira tarefa no caminho da auto consciência - a separação dos diversos grãos - metáfora de aprendizado do dicernimento. Creio que a arte me auxiliou desde então a passar pelos túneis negros da existência e procurei usar de todos os recursos da expressão humana que estavam accessíveis, em meus trabalhos no consultório.
Sempre acreditei que a arte assim como o esporte são elementos de cura e é sabido que as doenças não apreciam a alegria e o bom humor e a energia bem canalizada . Deste modo, quando expelimos o que nos impede estes atributos através das diversas expressões de que dispomos acabamos livres de tudo aquilo que embargava nossa saude.

Bem, isso tudo foi um preâmbulo para contar uma boa notícia:
Não posso afirmar pelo mundo todo mas, em nosso país, temos cada vez mais dado ênfase a tudo de mal que acontece a nossa volta e não são poucos os motivos de desesperança. Mas ocorre que os fatos positivos são suprimidos ou mal divulgados e ficamos com a noção de que só existem a violência e os abusos por todo lado.
E então vejam só:
Parece que nosso governo descobriu que a arte, por enquanto sob a forma de literatura (teatro, poemas e contos), pode fazer bem a alma e com isso, aliviar o sofrimento e colaborar para a cura de pacientes internados em hospitais.
Já temos os Doutores da Alegria, um grupo que, com o maior sucesso, brinca com as crianças hospitalizadas.
Neste 31 de março, dia de meu aniversário, pareceu-me ganhar um presente que me encheu de alegria: o Ministério da Cultura começou a apoiar um projeto chamado Salas de Leitura.
Elas funcionam dentro dos hospitais e a platéia, constituída por pacientes internados e seus acompanhantes podem ouvir poemas, leitura de contos, assistir encenações teatrais e ainda fazer uso dos livros doados às bibliotecas.
Este trabalho é feito em sua maior parte por voluntários brasileiros que dedicam parte de seu tempo a ajudar aos que precisam. Quem já ficou internado em algum hospital ou acompanhou um parente ou amigo sabe como o tempo se arrasta e a solidão pode ser dolorosa.
Quem sabe, em breve, poderão existir salas para pintura, desenho e outras atividades criativas?
O projeto tem crescido e já são 208 salas em 22 estados brasileiros com promessa de mais até o final deste ano de 2006.
Vejam mais detalhes no link sob o título.

23.4.06

Hoje, em Ideália, chegou



adopt your own virtual pet!

Poesia em tempo de guerra e banalidade - encontro

Encontro Internacional de Poesia
2006

QUANDO
quintas-feiras
19 horas

Maio
04 - 11 - 18 - 25

Junho
01 - 08 - 22 - 29

ONDE
Espaço Cultural CPFL
Campinas, S. Paulo, Brasil

Descansando a cabeça

FRASES CURIOSAS

Uma ex-mulher é para sempre. João Fernando Camargo.

Amor e tosse não dá para esconder. Provérbio romano.

Quem decide pode errar.Quem não decide já errou. Herbert Von Karajan, maestro.

O sexo é a fonte da vida, mas que deixa a gente morto, deixa. Sérgio Maldonado.

A lesma é lenta. Ainda bem. Já pensou se esse bicho nojento corresse? Sérgio Maldonado.

O único homem que não pode viver sem mulheres é o ginecologista. Anônimo.

Não me lembro do que ele morreu. Só me lembro que não era nada sério. Carlos Leonam.

A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer. Mário Quintana, poeta.

Maior que o impulso sexual é o impulso de mexer no texto alheio. Claudius Ceccon, escritor.

A bicicleta ergométrica é uma viagem sem ida. Casseta & Planeta, grupo de humor.

É impossível ser ridículo dentro de um Mercedes. Nelson Rodrigues,escritor.

Brincar é condição fundamental para ser sério. Arquimedes, filósofo grego.

A gente só diz sim ou não no casamento e, ainda assim, às vezes erra. Itamar Franco, político.

A bomba atômica é o Viagra dos energúmenos. Alfredo Sirkis, político.

Hippie é alguém que parece o Tarzan, caminha como a Jane e cheira como a Chita. Ronald Reagan, politico.

Não interessa se o remédio é ou não farinha, o que cura é a bula. Luis Fernando Veríssimo, escritor.

Se não fosse o Van Gogh, o que seria do amarelo? Mário Quintana, poeta.

Criar filho é como jogar videogame: a fase seguinte é sempre mais difícil. Silvio A. D. da Silva.

Pessoalmente nada sei sobre sexo. Sempre fui uma mulher casada. Zsa Zsa Gabor,atriz.

Há pessoas tão chatas que nos fazem perder um dia em cinco minutos. Jules Renard.

Sexo é como um jogo de cartas.Se você não tem um bom parceiro,é melhor que tenha uma boa mão. Anônimo.

Acham que pênis é como árvore e que podando vai crescer. Valfredo Néri, médico (a respeito das mães que levam os filhos para fazer cirurgia de fimose).

O melhor remédio para AIDS é comida caseira. Pára-choque de caminhão.

A liberação sexual é fácil; a liberação do afeto é que são elas. Zuenir Ventura, jornalista.

Em terra de cego, quem tem três olhos é gay. Jorge Luis Borges, escritor.

Eu não sou gay, mas meu namorado é. Adesivo em carro no Rio de Janeiro.

Ela passou anos de sua vida pensando que frigidez sexual era alguma coisa provocada pelo ar condicionado do motel. Jô Soares, humorista.

Eu queria ser mulher para excitar quem me olhasse e eu queria ser mulher para poder recusar. Mário Sá Carneiro, poeta português.

A castidade é a mais antinatural de todas as perversões sexuais. Aldous Huxley, escritor.

Sempre fui sexualmente ambíguo.Rótulos são para comida. Michael Stipe,vocalista da banda R.E.M.

Ninguém jamais vencerá a guerra dos sexos:há muita confraternização entre os inimigos. H.Kissinger.

Às vezes, fala o falo; outras, fala o dedo. Vinícius de Morais, poeta.

Virgindade é curável, se detectada cedo. Henry Youngman, humorista.

Certas mulheres amam tanto seu marido que, para não gastá-lo, usam o de suas amigas. Alexandre Dumas Filho, romancista.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo. Porque corpos se entendem; as almas, nem sempre. Manuel Bandeira, poeta.

As melhores coisas do mundo não custam nada; caro é o motel. Lisandro Campos, DJ.

Amor platônico significa gostar de alguém do pescoço para cima. T. Winslow, escritor.

O objeto mais leve do mundo é um pênis. Basta um pensamento para levantá-lo. Grafite num muro de Nova Iorque.

Nunca faça sexo com alguém que tenha mais problemas do que você. Sharon Stone, atriz.

Maridos são ótimos amantes, principalmente quando estão traindo as esposas. Marilyn Monroe,atriz.

Acho que quanto mais sensual e erótico for um romance, mais ele estará próximo da vida. Antonio Skármeta, escritor.

Os homens mais paquerados pelas mulheres são o cafajeste e a bicha. Chico Anísio,humorista.

Na mulher, o sexo corrige a banalidade; no homem, agrava. Machado de Assis, escritor.

O que eu gosto na masturbação é que você não tem que dizer nada depois. Milos Forman, cineasta.

Beijo não mata a fome, mas abre o apetite. De um pára-choque ponte Rio-Niterói.

Eu desconfio que a única pessoa livre, realmente livre, é aquela que não tem medo do ridículo.L.F.Veríssimo, escritor.


21.4.06

Histórias para contar


O TRANSPLANTE FINAL

Houve uma vez um casal que foi habitar uma pequena casa próxima a um parque onde havia um belo jardim.
Todos os dias caminhavam pelas alamedas e sentavam-se à sombra das arvores.
Ficavam, muitas vezes em silêncio, ouvindo o canto dos pássaros e sentindo a brisa refrescante que chegava do lago.
Este lugar era seu repouso e alimento para o espírito.
Um dia, ele colheu uma flor para que ela levasse para casa, pensando em manter por mais tempo, próximo a eles, aquela sensação de beleza e encantamento que sentiam naquele lugar.
Ela, desejando que a sensação perdurasse e mostrando o valor que dava ao presente, plantou a pequena flor em um vaso.
Para felicidade de ambos, a florzinha ganhou raízes e começou a crescer. Encheu o ambiente com seu perfume trazendo, deste modo, para a casa a lembrança da tranqüilidade do parque.
Tão encantados ficaram que de outra feita, colheram juntos uma nova flor. Esta, ao lado da primeira, também enraizou e exalou o seu perfume.
Orgulhosos de seu mini-jardim colocavam os vasinhos à janela para que os transeuntes os admirassem.
As flores eram diferentes, mas igualmente belas e representativas para eles.
Cada um à sua maneira, se desdobrava para que suas plantinhas fossem belas e vivazes!
O tempo passava e as flores cresciam, lado a lado e pareciam gostar de estarem juntas.
Um dia o casal descobriu que os vasos estavam ficando pequenos e que deveriam transplantá-las para outro lugar.
A mais antiga foi retirada primeiro.
Mudaram-na novamente para o jardim do parque onde um jardineiro a cuidava, sob seus olhares bem atentos.
Os dois sempre iam lá acompanhar seu crescimento, vendo-a por fim transformar-se em um lindo arbusto.
A outra flor ficou só, mas tinha mais espaço e sempre recebia notícias da companheira quando o casal vinha do parque conversando.
Às vezes sabiam que ela tinha estado doente, uma praga qualquer tirara seu viço, mas logo se recobrava e todos ficavam despreocupados.
Com o tempo, a segunda plantinha também foi transplantada, mas como era de outra espécie, foi colocada em outro lugar, mais propício ao seu desenvolvimento.
As visitas eram constantes e prazerosas, embora houvessem tempos que causavam alguma preocupação: no inverno, quando as plantinhas pareciam secas e tristes; às vezes por causa de muita chuva; algumas outras, por causa da troca de jardineiros no parque,
Estariam sendo bem cuidadas? Já eram mais adultas e tinham mais defesas, entretanto...
Houve um tempo em que a primeira plantinha começou a crescer tanto que já invadia espaços vizinhos e as pessoas arrancavam seus galhos e flores, sem cuidado.
Ela estava maltratada, parecia doente, o que fazia o antigo e prazeroso passeio se tornar um momento triste.
Ambos tentavam tudo para que coisa alguma fosse uma grande dificuldade para suas crias, mas certo dia ao chegar ao parque encontraram o arbusto jogado ao chão.
Foi um dia de muita tristeza, pois julgavam que a plantinha que tanto amaram tivesse se acabado para sempre.
Em casa, descobriram algumas fotos do vasinho à janela, outras em ângulos do parque onde ela lá estava, majestosa! Isto os reconfortava, mas por outro lado, aumentava a tristeza!
Visitavam agora, com mais constância sua outra plantinha, temendo que algo também a maltratasse, pois ela estava só e já não via mais sua companheira no parque.
Todos sentiam muito aquela falta e sofrendo, culpavam-se de tudo, se revoltavam ou pensavam no que haviam falhado !

Até que um dia, surpreendentemente, receberam uma bela foto de uma frondosa árvore.
Era tudo muito estranho, pois a árvore se parecia muito com seu arbusto desaparecido! Mas estava forte, sadio e todo florido! Tantas eram as flores que quase se podia sentir seu perfume a invadir, de novo, a casa.

Procuraram o remetente. Atrás da foto vinha escrito:
Desculpem, espero que compreendam.
Já era o momento de levá-la para um horto florestal. Aqui, onde está agora, ela pode desenvolver-se plenamente.
Sente falta de vocês e aguarda, com carinho, o momento do novo encontro, quando chegar a hora em que todos também virão para cá.
Aquilo que encontraram caído no caminho era apenas uma parte dela, da qual já não precisava mais.
Graças aos cuidados e ao carinho de vocês, ela pode chegar agora a ser este espécime em sua plenitude.
Como foi bom e importante que vocês a tivessem plantado, cuidado e lhe dado uma irmã como companhia.
Foram importantes também, aqueles aparentes maus tratos pois eu pude saber que já era hora de trazê-la para meus cuidados.
Obrigado a vocês todos por terem colaborado comigo nesta obra.
Estejam certos que, neste horto, há lugar para todos vocês quando cada um vier,a seu tempo.
Até lá, cresçam o melhor que puderem, confiando que velo constantemente por todos.
Assinado: O jardineiro chefe.

"A morte pertence à vida, como pertence o nascimento.
O caminhar tanto está em levantar o pé como em pousá-lo no chão."
Tagore, pássaros errantes.
Dedico esta história à memória de Anna Maria de Almeida Lopes que foi para transplantada pelo jardineiro chefe em 25 de março de 2000.

Angela Schnoor.

De bom humor

Muetter - Mães - GÜNTER MEINDL
YACY

Ante as indefinições e frustrações amorosas, o instinto reclamando, a necessidade de transformar em realidade as fantasias infantis, resolveram ter um filho.
_ É uma gracinha! Olha que lindo! Tão fofinho!
_ Dá um biscoitinho pra ele. Como faz careta!
Assim passavam o tempo brincando com a “gracinha” da amiga, visita inesperada que, sem saber, seria o estopim das mais delirantes elucubrações.
_ Tão bom ter um filho, não?
_ É,...Nosso tempo está passando... Estes caras de hoje não querem nada! Ou são machões ultrapassados, bofes totais, nos colocariam nos grilhões do casamento... E, nem pensar... Isola! Ou, quando têm a cabeça aberta, gatinhos... São casados ou gays e, falar em filho,... de-sa-pa-re-cem...
_ Mas, pensa bem... É isso mesmo, a gente tá aqui, brincando com o neném, gracinha e tal, mas acabou daí vamos à vida, livres, enquanto a mãe tá lá. Não dá pra botar num canto, igual boneco, que não vai chorar, ficar com fome, fazer cocô, acordar de noite, etc...etc...
_ É, é foda! , tem esse lado, mas... Que tal... Se a gente se revezasse...
_ Como assim?
_ Podemos ter um filho juntas.
_ Tá doida, esqueceu que somos mulheres e que a ciência ainda... E tem mais, mesmo que pudesse, eu queria um filhO e mulher sozinha só pode gerar mulher!
_ Aí está um impasse, eu queria uma menina! Mas, isto a gente vai ter que deixar ao acaso, fora a possibilidade que temos de usar nosso poder mental e ver quem consegue influenciar a mãe natureza!
_ Tudo bem, só que você ainda não disse como podemos fazer um filho, não tá pensando em Espírito Santo... Mesmo porque acho que ele está meio desativado, com esta história de poluição atmosférica e... Tem mais, tenho alergia a penas! É um tal de espirrar!
_Puxa! Você é mesmo lerda! É claro que vamos conceber nos moldes tradicionais, afinal você acha que vou perder o mais gostoso? Sou francamente hedonista ô cara, e não quero só o pepino não!
_ Tudo certo, então vamos ter um filho, você trepa, goza e eu descasco o abacaxi, é isto? Amigona legal você!
_ Nada disso, escuta aí: Nós arranjamos um pai escolhido, transado, um cara legal, orgulho da raça, sem sífilis, AIDS e com uma cabeça boa, aí transamos com ele (de olhos vendados seria melhor, sem saber quem é quem). Uma de nós vai engravidar, na sorte, e aí o filho será nosso, no cartório e tudo. Eles vão estranhar, emperrar, mas a gente resolve, afinal tenho um tio que é parente de um figurão... _ Nós dividiremos os cocôs, as fraldas sujas, as noites mal dormidas, etc... E curtiremos os prazeres maternais...

Trato feito, pormenores postergados, lançaram-se de cabeça, mãos, pés e, principalmente, sexo, na busca do parceiro especial.
Resta dizer que uma delas, Cristina, dona de uma pequena loja de artigos naturais, natureba convicta, nem podia imaginar como garanhão alguém que não fosse um verdadeiro leão marinho: louro, forte, alto, saudável, com grande intimidade com o sol e o mar, seus ídolos de fé.
A outra, Bianca, boêmia, nostálgica, amante da lua e das madrugadas, tinha como meta um procriador com boa dose de intelecto, poesia, e em cujas veias circulasse música e vodka. Sendo proprietária de um bar, seu ambiente de trabalho era o viveiro ideal para sua busca.
Após discussões e concessões, Cristina habilmente envolve seu mais assíduo comprador de licores e pinga artesanal, e leva-o para assistir a um show no bar da amiga.
_ Afinal, Bianca, acho que encontrei! Não é perfeito, mas tem boa saúde, é doador universal, não é propriamente um intelectual, mas bastante sensível e, entre um afogamento e outro, até que encontra tempo para ler um pouco!
_ Como? E a música? Se não curtir música, não dá!
_ Calma menina, ele toca violão e compõe um folk-new wave que é um barato, além de ser o maior consumidor de pinga que conheço. Mas, só pinga artesanal, porque, além de naturalista é fiel aos nossos costumes! Nada de entreguismos, nem de direita nem de esquerda, não é uma graça?
_ Tá legal, tô quase convencida, mas e a pinta, que tal?
_ Vem ver, ele tá aí, um G-A-T-O!
Bianca já chegou miando (afinal, o último passo era conquistar o moço para seus propósitos, sem que ele desconfiasse; “envolvimento natural!”).
Madrugada adentro, várias garrafas de licor e pinga vazias e o moço tava conquistado. O motel mais próximo foi escolhido e para lá rumaram sem esquecer a venda negra para a “brincadeira de cabra cega”.
_ Vem cá gatinho, fecha os olhos. Com a venda, você vai ter que sacar com quem está transando... Seus sentidos vão ficar mais à tona, vai ser ótimo!

Após várias horas, o moço sai exaurido, trôpego, preocupado com as possíveis vítimas das ondas, abandonas por ele, ao sol do meio dia.
As duas, estateladas, permanecem dormindo, enquanto sonham com a idealizada maternidade.

Semanas após...

_ Já estou com um atraso considerável...
_ Eu também...
_ É, temos que checar isto! Afinal podemos estar criando... Sabe, a cabeça, nessas horas, é uma barra! Vou a uma farmácia comprar um daqueles testes.
_ Bobagem, nem sempre são exatos, prefiro o exame de sangue, é mais confiável.
_ Pra mim o teste serve, é mais rápido, mais barato e dá no mesmo. Não sei pra que tanta exatidão!
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_ Olha só! Conseguimos! Estou grávida! Afinal, vamos ter nosso filho, já estou me sentindo tão mãe!
_ Peraí cara, acho que tamos na maior confusão! O meu teste também deu positivo. Com essa a gente não contava! Era um filho só, imagina dois! Ainda mais com essa abundante fertilidade, quem sabe gêmeos, trigêmeos, poligêmeos... Socorro!
_ Tá maluca? Isola! Não acredito! Você e esse teste! Acho bom você fazer um exame de verdade!
_ Quero não, tenho horror de tirar sangue... desmaio sabe?
_ Mas não podemos ficar nesse impasse e...
Eu não aborto, já tô avisando! Sou contra e esperei demais por isso pra agora por tudo abaixo só pela sua teimosia.
_ Tá bem, você venceu. Vou fazer o exame, mas de urina, tá legal?
_ Qualquer coisa é melhor que a dúvida. Amanhã cedo. Vou junto.
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_ Viu só? Negativo. Acabou o problema.
_ Nada disso, informaram que esse exame, quando dá positivo é isso mesmo, mas quando dá negativo, pode estar furado, sacou? Além do mais eu ME SINTO grávida, entende?
_ Você e sua cabeça! Te conheço menina, se você conviver com uma borboleta é bem capaz de sair por aí, voando de flor em flor!
_ Que irritação! Quer parar com isso? Ninguém me leva a sério!
_ Tá bom, nada a fazer, o tempo dirá, e se for isso mesmo não há solução senão rezar para que sejam SÓ DOIS FILHOS!!
Tempo correndo, a gravidez de Cristina se desenvolvendo sob cuidados profissionais competentes, enquanto Bianca intrigava os médicos com os sintomas irrefutáveis de uma gestação negada pelos laboratórios.
_ Mais um exame negativo, Bianca. Confesso minha total confusão. Ouço os batimentos cardíacos do feto, faço um toque e nada encontro, alguns exames de laboratório confirmam taxas hormonais compatíveis com o 6º mês.
_ Mas, Doutor Mendell, e a ultra-sonografia?
_ Aí é que está! Resultado nunca visto antes! Percebe-se o feto numa configuração inespecífica, aparecem manchas e tons impossíveis neste exame!
_ Ah meu Deus, a venda! Será...
_ Venda? Que venda?
_ Nada, Doutor, deixa pra lá, tô só pensando alto.
_ Seu estado geral é ótimo, fora o inusitado, tudo corre bem, vamos aguardar. Afinal, a medicina ainda tem muito a descobrir.
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_ Bianca, estou começando com cólicas, acho que o nosso filho está querendo nascer!
_ Eu não tava querendo te falar, você já vai dizer que sou influenciável, simbiótica..., Mas eu também sinto coisas...
Madrugada de espera, telefonemas ao médico, pela manhã já estão na maternidade se preparando para o tão esperado parto.
O mesmo obstetra, a mesma hora, a mesma sala, as duas se esforçam juntas.

_ Agora Cristina, vamos lá, já está coroando...
_ Aí Bianca, força menina, sinto algo, mas não consigo ver... É estranho, mas... Tudo vai dar certo... Calma...
Atônita, a equipe acompanha, como em transe, o nascimento do bebê de Cristina, vermelho, forte, palpável, enquanto de Bianca brota algo que não se vê, mas que é sentido, percebido.
Impossível descrever o impacto do choro do bebê de Cristina, no momento em que o médico dá a clássica palmada no bumbum invisível do filho de Bianca.
Mais tarde, no quarto, chega para mamar o filho tão esperado. Na expressão das duas, o mesmo sorriso de orgulho, a mesma íntima certeza da missão cumprida.
_ Você entendeu, Cristina?
_ Claro Bianca. Só poderia ter sido assim. Agora temos um filho realmente NOSSO, corpo e espírito, não é?
Enquanto isso, na sala dos médicos, a agitação continuava:
_ Ora, vá se entender esta loucura! Isto é caso de estudo sério, temos que consultar especialistas internacionais!
_ Não podemos deixar transpirar este caso enquanto não tivermos esgotado todas as possibilidades! Já imaginou que tese ímpar, que glória! (dizia o Doutor Mendell, mais preocupado com sua candidatura à presidência do Conselho, que com o progresso científico).
_ Pior que tudo é a indefinição desta criança! Até agora não podemos defini-la como menino ou menina, não se trata nem de hermafroditismo, ao menos como o conhecemos!
_ Entretanto, reparou que nenhuma das duas sequer se espantou ou se preocupou com isto? Todo o tempo é como se soubessem e desejassem isto!
_ Isso é coisa de Exu, sinhô Doutor, tenho certeza! Elas têm parte com o demônio (sentenciou a faxineira que, disfarçadamente, limpava os cinzeiros).
_ Cala a boca, Efigênia e, não comente nada do que ouviu aqui, senão perde o emprego, AGORA SAIA!
_ Não se preocupe Mendell, ela é tão imbecil e este caso tão inverossímil, que ninguém dará crédito!

No quarto, felizes, as mães conversam:
_ Que bom, conseguimos até mais do que pretendíamos. Eu tenho o meu menino e você a menina que queria.
_ É ótimo, e como vamos chamá-lo/la? Fica difícil, a gente está tão acostumada aos padrões!
_ Que tal Darcy? É tão dúbio!
_ Não gosto, vai me lembrar sempre os Vargas!
_ Não quero nomes importados. A menos uma homenagem ao pai, não esqueça que ele é nacionalista. _ Tá bem, desde que você não apele para seu naturalismo e queira chamá-lo de alface, própolis ou algo no gênero!
_ Deixa de bobagem, sou mais pelos nomes indígenas, que acha de Yacy? É pequeno, soa bem e não define sexo.
_ Não gosto muito, mas não consigo pensar algo melhor. Fica assim, ao menos por enquanto.
_ Aliás, enquanto você dormia, liguei para meu astrólogo, dei os dados e pedi que fizesse o mapa astral do neném. Ele virá hoje aqui. Assim teremos uma orientação segura para melhor educá-lo.

Assim, Yacy, nascido sob o duplo e confuso signo de Peixes, com ascendente no duplo e dividido signo de Gêmeos, tendo a lua no indeciso signo de Libra e os planetas rigorosamente divididos entre os hemisférios, tornou-se também o “pratinho” dos astrólogos. Entretanto, podiam afirmar que, com o sol posicionado no alto do céu, brilharia na vida, com certeza!
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_ Que rapaz gentil, dona Cristina, a Sra. deve se orgulhar de ter um filho assim, uma dama!
_ Obrigada. Yacy realmente conquista a todos. Desde que começou a me ajudar na loja, o movimento cresceu bastante.
_ Yacy, hoje você não vai para o bar à noite, sua saúde vai se ressentir. De manhã você estuda, à tarde trabalha aqui e, toda noite, fazendo aqueles shows, não dá. Afinal, não estou me matando para você estragar sua vida. E depois, já te disse que tive um filho HOMEM, compreendo sua sensibilidade delicada, mas já está passando dos limites!
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_ Que moça fantástica essa sua filha, Bianca. É inteligente, tem uma personalidade versátil, artista de fato e, além de tudo, é linda!
_ Que bom que você acha isto. Eu concordo, mas sou suspeita...
Já reparou como o bar tem estado lotado depois que ela começou a fazer os espetáculos?

_ Yacy, vem cá, você está parecendo cada vez mais cansada. Também com esta vida! Acho melhor você passar seu curso para a tarde e deixar a parte da manhã pra dormir. Eu estou me acabando para fazer de você um sucesso e não é justo você se estropiar para ir trabalhar numa lojinha! E tem mais, já cansei de te dizer que tive uma FILHA. Até entendo seu gosto por trajes masculinos, é mais prático, esportivo, mas já é hora de começar a se interessar pelos rapazes; olha quanto garotão bem nascido e forrado que baba por você!

Cada vez mais confuso, dividido e indeciso, Yacy era um ser humano que sonhava ser livre e só. Era como uma planta morrendo por excesso de regas.

_ Você tem que parar com isso! Deixa meu filho em paz!
_ Seu filho? MINHA FILHA! E é você que tem que parar de perturbar o sucesso dela. Lembra do astrólogo, ou já se esqueceu?
_ É só nisto que pensa? Sucesso dele ou seu? E por que ELE não pode ser um sucesso em nutrição?
_ HA! HA! Nutrição ou comércio? Querida, você tem matado a criança para faturar!
_ Você tá ficando velha e amarga Bianca. Já esqueceu dos nossos planos, do tempo em que a gente se entendia e só nos preocupávamos em lavar bem as fraldas, dar de mamar, ir ao pediatra, remédios, embalos, canções de ninar, era tão bom!
_ Aquele tempo passou, não tínhamos tempo nem de pensar noutra coisa. Você tá ficando velha, esclerosando e agora cismou de querer que Yacy seja ELE!
_ Tá bem, estou esclerosando e você também. A gente fica velha e qualidades e defeitos ficam mais fortes. Não abro mão, quero meu menino!
_ É isso aí, também não abro mão. É minha filha e você vai ver quem ganha. Vamos à justiça.
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Após ouvir os advogados de ambas as parte, o Juiz comete o desatino de dar a palavra às querelantes.
_ Dr. Salomão, é uma injustiça! Gerei esta criança, dei-lhe meu sangue e agora esta mulher quer roubá-lo! (choro copioso e controlado).
_ Roubá-la coisa nenhuma, eu lhe dei o espírito, gerei sua alma e sei bem que é MINHA FILHA! (choro convulso e dramático).
_ Que espírito nada! Sem corpo nada se faz, estamos na terra e somos matéria!
_ Queria ver uma matéria inanimada, sem vida, impossível! O espírito é o que diferencia os seres. Você é uma materialista grosseira, não merece ser mãe!
_ Você é que é uma fantasista de primeira, vive nas nuvens, não tem senso prático para criar um filho!
_ Caladas, senhoras, já ouvi o suficiente para perceber que ambas querem igualmente esta criança, perdão, jovem. Sendo assim, eu determino que se cumpra à risca seu destino; que seja dividido ao meio e que cada uma fique com a sua parte: corpo e espírito.
_ Não! Ele morreria, ou se tornaria um imbecil!
_ Não! Ela não poderia exercer sua sensibilidade e inteligência, eu não poderia afagá-la, as pessoas não a admirariam!
_ Muito bem, sendo assim, como esta criatura já tem maioridade, ambas terão que abrir mão da posse. Yacy está livre, decretou Salomão.
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_ Estranha essa pessoa, não acha?
_ Daria tudo pra saber o que faz tanto tempo trancada.
_ Desde que lhe alugamos o quarto quase não sai. Discreto, educado, parece culto...
_Parece que sua vida é só estudo e trabalho. Já viu a quantidade de livros no quarto?
_ O que mais me intriga é jamais saber se é homem ou mulher.
_ Também, com esse nome indefinido... Vai ver a mãe tinha a mesma dúvida.
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Anos mais tarde...

_ Olha isto aqui! Esta notícia da primeira página. Não é aquela pessoa que morou aqui em casa?
_ Deixa ver, é sim... Ele ou ela mesmo, incrível! Tínhamos um gênio em casa e não sabíamos. Quem sabe ele lembra da gente!
_ Me dá aqui. Deixa eu ler direito.
Emocionante: “Jovem ganha Prêmio Nobel da Paz e da Ciência por sua descoberta do nascimento humano por Geração Espontânea”.
_ O que é geração espontânea, hein pai?
_ É mais ou menos como brotar sem pai nem mãe, filho.
_ Pô, legal! pena que não se descobriu antes...
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_ Tão linda nossa criança com toda essa glória, não é Bianca?
_ É mesmo! Até que soubemos criá-la, Cristina. Podemos estar orgulhosas.
_ Lembra do astrólogo? Tava certo...
_ É... Só não entendi uma coisa...
_ O que?
_ Por que o Nobel da Paz?
_ Não sei, também não entendi...
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©Copyright ANGELA DE PÁDUA SCHNOOR RJ. 1983

19.4.06

Descanse em paz, bebê.

Desejo ausência das lembranças de dor para um menino que voltou a ser anjo.
Que tenha cumprido seu duro encargo e repouse na mais absoluta paz!

Prece ao Sol


Sol, mensageiro dos deuses e da vida!
Aquece meu coração e a minha casa.
Que o trigo reflita a tua luz dourada,
Que haja pão em toda mesa,
Trabalho pra todo braço,
Calor em cada alma.
E que teu brilho de esperança,
Nos acompanhe pelas noites
No sorriso das estrelas!


ANGELA SCHNOOR

Máscaras



Não se deixe enganar por mim. Não se engane com as máscaras que uso, pois eu uso máscaras que tenho medo de tirar e nenhuma delas sou eu. Fingir é uma arte que se tornou uma segunda natureza para mim, mas não se engane. Eu dou a impressão de ser seguro, de que tudo está bem e em paz comigo; que meu nome é confiança e tranqüilidade.
Meu lema é que as águas do mar são calmas e estou no comando sem precisar de ninguém.
Mas não acredite, por favor! Minha aparência é tranqüila, mas é apenas uma aparência; é uma máscara superficial, que sempre varia e esconde. Por baixo não há tranqüilidade, complacência ou calma. Por baixo, está meu mal, confusão, medo e abandono. Oculto tudo isso por não querer que ninguém veja. Fico em pânico ante a possibilidade de que minha fraqueza fique exposta
e é por isso que crio máscaras, atrás das quais me escondo com a fachada de quem não se deixa tocar, para me ocultar do olhar que sabe. Mas esse olhar é justamente minha salvação. E eu sei disto. É a única coisa que pode me libertar de mim mesmo, dos muros da prisão que eu mesmo levantei,das barreiras que eu mesmo,tão dolorosamente construo. Mas eu não digo muito disso à você. Não sorria, tenho medo. Tenho medo que seu olhar não seja de amor e atenção. Tenho medo que você me menospreze, que ria de mim, ferindo-me. Tenho medo de que, lá dentro do meu interior, eu não valha nada e que você acabe vendo e me rejeitando. Então eu continuo a viver meus jogos, meus jogos de fingimento, com a fachada de segurança de fora e sendo uma criança tremendo por dentro. Com um desfile de máscaras, todas vazias, minha vida se tornou um campo de batalha.
Eu converso com você uma conversa infantil e superficial. Digo à você tudo que não tem a menor importância e calo o que arde dentro de mim. De forma que, não se deixe enganar por mim.
Mas por favor, escute e tente ouvir o que eu não estou dizendo e que eu gostaria de dizer.
Eu não gosto de me esconder,honestamente eu não gosto. Eu tão pouco gosto dos jogos tolos e superficiais que faço. Eu gostaria mesmo era de ser genuíno,espontâneo,eu mesmo,e você pode me ajudar,segurando a minha mão,mesmo quando esta for a última coisa que eu,aparentemente, necessitar. Cada vez que você me ajuda,um par de asas nasce no meu coração.
Asas pequenas e frágeis, mas asas.Com sua sensibilidade,afeto e compreensão, eu me torno capaz. Você me transmite vida.
Não vai ser fácil para você, pois a idéia de que eu não valho nada vem de muito tempo e criou muros fortes. Mas o amor é mais forte que os muros e aí está a minha esperança. Por favor, ajude-me a destruir esses muros com mãos fortes mas gentis, pois uma criança é muito sensível e sou uma criança. E agora, você gostaria de perguntar quem sou eu?

EU SOU UMA PESSOA QUE VOCÊ CONHECE MUITO BEM EU SOU TODO HOMEM, TODA MULHER, TODA CRIANÇA, TODO SER HUMANO QUE VOCÊ ENCONTRA!

autor desconhecido

18.4.06

Formas de dar

Dar presentes em datas pré-determinadas tornou-se uma orgia comercial em que o sentido da doação foi deturpado. Aproveito, então, para falar de outras formas que o doar assume, independente de datas especiais.

De modo geral, para que se possa dar qualquer tipo de coisa, seja de ordem material, emocional, espiritual ou mental, é preciso, antes, que se tenha o suficiente para uso próprio e para reposição.
Em seguida, é necessário desprendimento e desapego, para que esta doação seja feita sem danos para quem dá e para quem recebe.


Sem estas condições, vamos encontrar algumas formas de dar que, quase sempre, mascaram sob esta aparência outras necessidades e intenções nem sempre conscientes para ambas as partes envolvidas na doação, o que faz com que o donativo se transforme em um ato contábil.

Dar pela necessidade de receber.
Este é um mecanismo de projeção, onde a falta que a pessoa sente de alguma coisa é vista como a necessidade da outra pessoa. Nesta forma, o presente não é escolhido tendo em vista o gosto e o prazer de quem será presenteado, mas obedece ao critério de: só dou o que eu gosto! Cuidar, neste caso, é agasalhar quando se tem frio, dar de comer quando se tem fome e assim por diante.


Dar pela necessidade de tornar-se importante.
Esta forma cobra elogios à coisa dada. Valorização do tempo despendido ou do "sacrifício" feito. Quando as razões, por trás, se misturam e a carência do doador se torna muito forte, o ressentimento se expressa em lamúrias da vítima ou pela revolta ante o não reconhecimento.
O sentimento de rejeição, caso a "troca não seja ao câmbio do dia” pode se expressar até em agressões, pra fora ou para dentro, em forma de auto desvalorização e somatizações várias.


Dar pela necessidade de poder.
Esta doação tem dois aspectos diferentes: o doador toma conta do outro e o torna impotente. É uma forma que aparece muito comumente no comportamento de pais e mães dedicados.
Uma outra aparência é a mascara da impotência ou do sentimento de inferioridade compensado: Sei mais que, Tenho mais que, Sou mais forte que... E por aí vai, sob todas as formas comparativas possíveis.
Esta forma tem a necessidade de manter a distância e a hierarquia. Enquanto esta posição é mantida, a pessoa não fica exposta em suas “humanidades".
É o caso, em meu ponto de vista, de muitos psicanalistas.


Dar para manipular.
Esta forma de dar é perigosa... Ela foi bem expressa no filme “Nove semanas e meia de amor”. Quem se lembra do relógio, um presente para que, sempre às tantas horas, a protagonista se lembrasse do doador?
Nestas situações o que se deseja é a dependência para impedir a perda.
Parece que a pessoa "vai junto" com o presente e, nestes casos torna-se onipresente na vida do outro. Acho que as relações passionais, em que esta forma de dar se faz tão presente, faz uso também do desgaste emocional como um meio de minar as energias do outro.


Dar por sentimentos de culpa.
Esta é uma forma que aparenta muito desprendimento, mas que acaba por acarretar desgastes imensos no doador. É comum em doações sociais, espirituais e religiosas. O doador nega-se o princípio do prazer. Esta aparência esconde, muitas vezes, um grande sentimento de onipotência e superioridade.

Não podemos menosprezar os sentimentos genuínos de solidariedade e compaixão, mas sim os excessos que tornam o doador megalômano ou auto destrutivo.


O dar pode assumir, ainda, outras formas, mas estas me parecem ser as mais abrangentes.
O importante é que se consiga estar feliz, pleno, satisfeito e independente para que qualquer doação seja livre e more no total esquecimento.


Neste caso, aquele que doa vive como alguém que saboreia um fruto e lança a semente ao solo. Agradece à natureza pela graça que obteve e semeia livremente, para que algum passante, em qualquer tempo e solo, possa colher o fruto de sua benção e não a dor de sua fome.


©Copyright ANGELA SCHNOOR

17.4.06

Voltando à infância

class clown- foto do Webshots
Ao ver esta foto patética neste site americano fiquei pensando no que existe, ainda hoje, na mente dos seres humanos para que não percebam o que podem causar na alma das crianças certas atitudes que, como esta, consideram educadoras. Esta imagem exposta na internet me fez desejar que esta criança consiga fazer deste momento, mesmo que seja um cenário de estudio, um trampolim para seu salto em busca da auto estima. E, como quase tudo é projeção, lembrou-me o que escrevi um dia para uma filha.

À minha filha Fábia.

Em 2 de Julho de 2003, no Rio de Janeiro.

Filha querida,

Quando, noutro dia, em meio a muita dor, mais do que me permito partilhar ou fazer saber, te pedi uma massagem e você me disse que mal consegue me ajudar, tamanha a dureza de meu corpo, tive vontade de te dizer que, desde muito cedo na vida, aprendi a conter a dor e armar defesas ante as mãos que vinham pra me agredir.

É pois um atestado de confiança este meu pedido, embora os condicionamentos estruturados, aí estejam como figura viva do tudo que te conto.

Outras vezes a agressão não se dirigia a mim mas, como eu já sabia da dor e da armadura que tinha aprendido, fazia-me de alvo atraindo a agressão destinada aos mais pequenos. Uma projeção precoce? Onipotência de irmã mais velha? Senso de responsabilidade? Certamente um pouco de tudo isto mas, seus tios devem ter músculos menos tensos e endurecidos, eu espero.

Em outras circunstâncias não era a dor física, mas a impotência diante do sofrimento daqueles que deveriam estar ali para cuidar de mim e cuja vulnerabilidade eu absorvia, por vê-los tão sofridos. Neurose precoce? Talvez, mas nasci com o dom da empatia e não tinha ainda idade para me perceber um ser em separado.

Seu tio Gustavo, mais tarde me substituiu, também escolhido como depositário desta dor materna e, como eu, tornou-se raivoso em face ao desespero da impotência precocemente experimentada. Penso que crianças deveriam estar protegidas e relaxadas especialmente de situações em que nada podem...

Sei que sou dura, mais do que a sua percepção pode alcançar pois sinto esta prisão vinda de dentro. Se esta couraça me protegeu da dor também se tornou, a cada dia, um cofre do prazer.

Não, não preciso que me falem da dureza de meus músculos retesados em prontidão exagerada. Preciso sim, da constância de mãos afáveis que me acariciem e massageiem até que, meus tecidos acostumados ao medo se convençam de que o outro pode me amar e não vai me agredir nem apenas pedir, retirando de minha compaixão o que não tenho ou posso.

Filhos aprimoram os pais, sem dúvida. Minha vez de filha já passou, agora é a sua vez de lidar com as mazelas maternas.
Que te seja leve este fardo.

Com amor, Mamãe.

Tempos idos - memórias da saudade


TEMPOS IDOS


Querida e antiga amiga,
Neste momento em que o tempo foi ficando tão curtinho, que o procuramos sem ver, ainda bem que a gente se quer e sabe ao certo da vontade de estar junto, pois em tanta correria que agita e se perde o tempo, mal dá para dizer alo!

Aguardo com prazer nosso tempo de cadeiras de balanço, que não chega nunca, com cheiro de mato e bolo saindo do forno!
Um tempo que dá tempo de ver o sol se por tomando um café conversado com as pessoas queridas.

Tempo de visitas, de trocar receitas e contar uns casos.
Crianças brincando à volta, correndo atrás de cachorros enquanto a grama do jardim se cobre de entardecer, em brilho mágico de verdes calmantes.

Tempo de ouvir passarinhos e encher o peito com o hálito puro de deus transbordando na manhã.

Tempo em que a chuva respinga na vidraça e faz do jardim um quadro de Monet enquanto a terra desprende seu cheiro de mãe banhada.

Tempo de aguardar que o carteiro suba rápido a colina e traga as boas novas dos que mandaram saudades em envelopes com cheiro de surpresas.

Tempo em que a hora do ângelus tinge de ouro as montanhas e de paz o coração.
Mesa posta, com cuidado, ervilhas de cheiro ao centro, fumaça na chaminé combinada à sopa quente que perfuma toda a casa e aquece o corpo feliz do dia bom que se foi.

Tempo de lareira acesa, de conversas e cantigas, histórias para dormir embalando os bem pequenos aconchegados às cobertas e às certezas do amanhã.

Tempo que só virá em outro tempo, talvez.
Em outro espaço, quem sabe...
Mas que mora na memória como num museu da vida, no coração das pessoas que sabem do bem viver.

©Copyright Angela Schnoor

Duas faces

Acabou a semana santa e volto à vida pagã e aos assuntos pessoais. Observem estas ilustrações:












Arthur_Rackham Helen_Oxenbury -

capas para Alice no pais das maravilhas

Um dia destes encontrei na internet uma página com algumas capas para o livro de Lewis Carroll. Entre todas, estas duas me chamaram especialmente a atenção pelos enfoques, quase opostos, escolhidos pelos autores.

Na imagem à esquerda,de Arthur Rackham, Alice me parece, senão angustiada, pelo menos confusa. As cores e a expressão da menina, me remetem ao medo que senti em meu primeiro contato com esta história, através do filme criado pelos estudios Disney. Eu era muito pequena e as situações surreais do filme despertaram em mim muitos sentimentos angustiantes. Hoje me pego pensando como uma criança tão pequena poderia ser tão racional ou necessitar tanto que o mundo o fosse, talvez porque sentisse seu mundo interior muito vulnerável.

A segunda imagem, de Helen Oxenbury, me parece leve e alegre. Alice está solta em seu vestido leve e informal e, o que é melhor, parece amigona do coelho! Não consigo perceber o menos sinal de temor ou susto nesta imagem. Acho que foi esta uma das melhores soluções encontradas por meu psiquismo no decorrer de minha vida, aceitar e ficar amiga de meus medos e relaxar. Alice hoje é uma diversão criativa e o personagem que, no filme, mais me amedrontava porque saía totalmente de meu controle - o gato risonho e listrado- hoje me diverte bastante.

Estes dois desenhos acima foram feitos por um homem e uma mulher e isto muito me esclarece sobre duas de minhas partes.A pessoa séria, controlada, que procura conhecimento e exatidão e a menina que ri e brinca, leve e solta, dentro de mim.

Nossas escolhas são sempre um reflexo de nós, assim como os valores que colocamos sobre elas.

Angela

16.4.06

PÁSCOA


O que significa a PÁSCOA ?

A Páscoa surgiu entre os pastores nômades na época pré-mosaica,
ou seja, anterior ao profeta Moisés.
Neste tempo, remoto para nós, era celebrada para festejar a abertura da primavera. Naquela época as pessoas viviam apegadas apenas a pequenos rebanhos e pequenas plantações temporárias.
(A palavra tem relação com "pastagem").
Viajavam de um lugar para o outro sem parar e por isso eram chamadas de nômades. A proximidade da natureza fazia com que as mudanças de estação fossem motivo de festa.
Por isso além do aspecto cultural, religioso há uma mudança na natureza que podemos sentir, no frescor do vento, na força da chuva. A idéia de que nossas esperanças se renovam em datas festivas carregadas de tantos significados nos deixa mais solidários, alegres e naturalmente buscamos trocar essa alegria.


Mas ainda hoje, em lingua inglesa -na palavra Easter- a Páscoa mantém o conceito ligado à natureza, ao ponto cardeal Leste onde nasce o Sol após o inverno inaugurando, com o solstício da primavera, o renascimento do ciclo.
Esta idéia foi associada posteriormente à festa anual dos cristãos, comemorativa da ressurreição de Cristo, a Luz (Sol) da Igreja católica.

Para o povo judeu, Pessach = passagem= páscoa, Passover-em inglês, é a festa judaica que comemora a fuga dos hebreus do Egito (aniversário do Êxodo).

No sentido comum, é a comunhão coletiva celebrada em cumprimento ao preceito pascal.

Os símbolos da Páscoa

As luzes, velas e fogueiras são uma marca das celebrações pascais. Em certos países, os católicos apagam todas as luzes de suas igrejas na Sexta-feira da Paixão.
Na véspera da Páscoa, fazem um novo fogo para acender o principal círio pascal e o utilizam para reacender todas as velas da igreja. Então acendem suas próprias velas no grande círio pascal e as levam para casa a fim de utilizá-las em ocasiões especiais.
O círio é a grande vela acesa na Aleluia, simbolizando a luz dos povos, em Cristo. Alfa e Ômega nela gravadas querem dizer:
"Deus é o princípio e o fim de tudo".

Em muitas partes da Europa Central e Setentrional, é costume acender-se fogueiras no cume dos montes. As pessoas reúnem-se em torno delas e cantam hinos pascais.

Ainda temos como símbolos:

O cordeiro, que simboliza Cristo, sacrificado em favor do seu rebanho.

A cruz, que mistifica todo o significado da Páscoa, na ressurreição e também no sofrimento de Cristo mas que também está relacionada aos quatro pontos cardeais que iniciam com o Leste, pelo nascer do Sol. No Conselho de Nicea em 325 d.C, Constantim decretou a cruz como símbolo oficial do cristianismo. Então não é somente um símbolo da Páscoa, mas o símbolo primordial da fé cristã.

O pão e o vinho, simbolizando a vida eterna, o corpo e o sangue de Jesus, oferecido aos seus discípulos.

O ovo, simboliza o nascimento, a vida que retorna. O costume de presentear as pessoas na época da Páscoa com ovos ornamentados e coloridos começou na antigüidade. Eram verdadeiras obras de arte!


Os egípcios e persas costumavam tingir ovos com as cores primaveris e os davam a seus amigos. Os persas acreditavam que a Terra saíra de um ovo gigante.
Os cristãos primitivos da Mesopotâmia foram os primeiros a usar ovos coloridos na Páscoa. Em alguns países europeus, os ovos são coloridos para representar a alegria da ressurreição. Na Grã-Bretanha, costumava-se escrever mensagens e datas nos ovos dados aos amigos. Na Alemanha, os ovos eram dados às crianças junto com outros presentes de Páscoa. Na Armênia decoravam ovos ocos com retratos de Cristo, da Virgem Maria e de outras imagens religiosas.
No século XIX, ovos de confeito decorados com uma janela em uma ponta e pequenas cenas dentro eram presentes populares.
Mas os ovos ainda não eram comestíveis. Pelo menos como a gente conhece hoje, com todo aquele chocolate.

Atualmente, as crianças encontram ovos de chocolate ou "ninhos" cheios de doces nas mesas na manhã de Páscoa. No Brasil as crianças montam seus próprios "cestinhos de Páscoa", enchem-no de palha ou papel esperando o coelhinho deixar os ovinhos durante a madrugada. Nos Estados Unidos e outros países as crianças saem na manhã de Páscoa pela casa ou pelo quintal em busca dos ovinhos escondidos. Em alguns lugares os ovos são escondidos em lugares públicos e as crianças da comunidade são convidadas a encontrá-los celebrando uma festa comunitária.

A festa tradicional associa a imagem do coelho, um símbolo de fertilidade a ovos pintados com cores brilhantes, representando a luz solar, dados como presentes. A origem do símbolo do coelho vem do fato de que os coelhos são notáveis por sua capacidade de reprodução. Como a Páscoa é ressurreição, renascimento, nada melhor do que coelhos para simbolizar a fertilidade!

Os ovos trazem a idéia de nascimento e de vida. Na primavera, os chineses presenteavam seus amigos com ovos, os egípcios também os distribuíam no início desta estação. Os primeiros cristãos davam presentes na Páscoa mas, só no século XVIII é que o ovo tornou-se um símbolo desta festa. Era colorido para representar a alegria da ressurreição de Cristo. Com o surgimento da industria de chocolate em 1828, iniciou-se o costume de se presentear com ovos de chocolate.

Como surgiu o chocolate?

Quem sabe o que é "Theobroma"? Pois este é o nome dado pelos gregos ao "alimento dos deuses", o chocolate. "Theobroma cacao" é o nome científico dessa gostosura chamada chocolate. Quem o batizou assim foi o botânico sueco Linneu, em 1753.
Mas foi com os Maias e os Astecas que essa história toda começou. O chocolate era considerado sagrado por essas duas civilizações, tal qual o ouro.Na Europa chegou por volta do século XVI, tornando rapidamente popular aquela mistura de sementes de cacau torradas e trituradas, depois juntada com água, mel e farinha. Vale lembrar que o chocolate foi consumido, em grande parte de sua história, apenas como uma bebida.
Em meados do século XVI, acreditava-se que, além de possuir poderes afrodisíacos, o chocolate dava poder e vigor aos que o bebiam. Por isso, era reservado apenas aos governantes e soldados.
Aliás, além de afrodisíaco, o chocolate já foi considerado um pecado, remédio, ora sagrado, ora alimento profano. Os astecas chegaram a usá-lo como moeda, tal o valor que o alimento possuía.
Chega o século XX, e os bombons e os ovos de Páscoa são criados, como mais uma forma de estabelecer de vez o consumo do chocolate no mundo inteiro.
É tradicionalmente um presente recheado de significados. E não é só gostoso como altamente nutritivo, um rico complemento e repositor de energia. Não é aconselhável porém, consumí-lo isoladamente.

E o coelho?

A tradição do coelho da Páscoa foi trazida à América por imigrantes alemães em meados de 1700. O coelhinho visitava as crianças, escondendo os ovos coloridos que elas teriam de encontrar na manhã de Páscoa.
Uma outra lenda conta que uma mulher pobre coloriu alguns ovos e os escondeu em um ninho para dá-los a seus filhos como presente de Páscoa. Quando as crianças descobriram o ninho, um grande coelho passou correndo. Espalhou-se então a história de que o coelho é que trouxe os ovos. A mais pura verdade, alguém duvida?
No antigo Egito, o coelho simbolizava o nascimento e a nova vida. Alguns povos da Antigüidade o consideravam o símbolo da Lua.
É possível que ele se tenha tornado símbolo pascal devido ao fato de a Lua determinar a data da Páscoa.
Mas o certo mesmo é que a origem da imagem do coelho na Páscoa está na fertililidade que os coelhos possuem. Geram grandes ninhadas!


O Coelho e os Ovos de Páscoa

Estes dois símbolos da Páscoa remontam de antigos rituais pagãos. Nesta festa cristã, o domingo de Páscoa é sempre o primeiro domingo após a primeira lua cheia, que ocorre depois do dia 21 de março. A Páscoa européia coincide com o início da primavera, quando a neve se derrete e os coelhos deixam suas tocas depois do inverno.

14.4.06

Judas, o injustiçado

A santa ceia - Leonardo da Vinci

Judas e a morte de Cristo


A sexta feira da paixão lembra-nos a morte de Cristo assim como a “traição” de Judas.

Desde as reportagens, artigos e livros publicados sobre os estudos dos evangelhos apócrifos que a personalidade do Cristo e sua verdadeira história interessam a muita gente e a mim, inclusive.
Recentemente li uma publicação especial sobre o recém descoberto “Evangelho de Judas” e os jornais do Rio de Janeiro publicaram na semana passada, dia 7
de abril, a seguinte notícia:


Judas, o bom companheiro

“O conteúdo de um manuscrito de 1.700 anos encontrado em 1978 numa caverna no deserto do Egito foi revelado ontem dando um novo papel para Judas Iscariotes: ele não teria traído Jesus Cristo. Ao contrário, como seu discípulo mais fiel, teria seguido as instruções de Jesus que levariam à sua prisão e morte. “Você sacrificará o corpo do homem que eu encarno”, teria dito Jesus a Judas, de acordo com o texto intitulado “O Evangelho de Judas”. Desta forma Jesus deixaria a vida terrena para tornar-se uma divindade. “ Judas era o único dos discípulos a quem Jesus contou tudo sobre a sua própria figura e a sua missão na Terra “ disse Marvin Mayer um dos tradutores do polêmico manuscrito, aos jornalistas”.

Nos anos setenta, fiquei vivamente impressionada com a figura de Judas no musical Jesus Cristo Superstar. Na tela, cantando aos pulos, Judas denunciava de forma contundente a injustiça que haviam feito a ele.

Anos mais tarde, já no final dos oitenta,outro filme polêmico–A ultima tentação de Cristo- mostrava uma outra face de Judas como um conscientizador de Jesus.
Teriam estes cineastas se antecipado à descoberta deste evangelho que parece fazer justiça a um Judas que foi malhado e odiado durante séculos?

De acordo com a simbologia astrológica e baseada no quadro da Santa Ceia de Leonardo Da Vinci, entre outras características, o apóstolo Judas Iscariotes está relacionado simbolicamente ao signo do Escorpião.
Ora, Escorpião representa o que se oculta, o que transforma, a morte e a ressurreição que permite que a vida permaneça e tome novas formas. O mês central do Outono, quando a natureza parece fenecer, as árvores se despem de suas folhas e o escuro se instala progressivamente. É a qualidade da força e do Poder que se escondem no mais profundo âmago da natureza.

Pessoas que estão sintonizadas com este símbolo costumam ser curadores, reformadores e se situam na calada, por trás do poder constituído, sem aparecer.
Quase sempre as questões ligadas a este signo são vistas com temor e desconfiança, como a morte, as perdas e tudo aquilo que sai de nosso controle e está oculto.

É preciso muita coragem para assumir os encargos que estão representados por este símbolo.

A par de qualquer significado religioso, Cristo teve a missão de ser o mártir que transformaria a política e o poder na época em que viveu.

Ninguém melhor para auxiliá-lo nesta empreitada do que um discípulo com visão política e estratégica, fora a coragem para assumir o papel de vilão da história cristã.

Vivemos um momento de grandes mudanças sociais em que é marcante a tendência de trazer à tona tudo que está nos subterrâneos. Novamente o poder muda de mãos e talvez caiba à figura de Judas, não ser apenas o delator de Jesus para que ele pudesse cumprir sua missão mas, através deste evangelho, denunciar as manobras de poder da Igreja que, pela ânsia de poder, desvirtuou a verdadeira intenção do Cristo.

***

Neste quadro da santa ceia Judas está à direita de Cristo ao lado de João Batista ou Maria Madalena como, modernamente, querem alguns.

Judas tem o saco de moedas nas mãos e é interessante saber que, além do antigo "beijo da Traição", e do pagamento recebido pela entrega do Cristo, este evangelho o descreve como aquele a quem Jesus confiava todos os recursos financeiros adquiridos por ele e seus discípulos.

Estes dados só reforçam o significado relacionado ao eixo touro-escorpião na sabedoria astrológica, onde touro complementa escorpião por ser o mes do centro da primavera ocasião em que os homens obtém segurança e certeza de que terão recursos para sua sobrevivência e escorpião administra os bens após a colheita para que perdurem até a primavera durante os meses de inverno. Assim, o saco de dinheiro e o beijo têm seu significado estreitamente relacionados ao touro.

Touro - alimento, boca, beijo, ingestão de alimentos, afeição, recursos e segurança material, superfície.

Escorpião - transformação dos alimentos, órgãos excretores, cópula e fecundação, sexualidade, administração de recursos, segurança e recursos emocionais, profundidade.

Angela Schnoor 13 de abril de 2006

Um novo conto



Solidão

Olhei para a mesa ao lado e me chamou a atenção uma mulher sozinha que, enquanto esperava ser servida e durante seu jantar, falava ao celular quase sem interrupções.

Desligava e voltava a digitar, trocando conversas animadas.
Por vezes ria muito a ponto de chamar atenção.Em seguida parecia discutir acaloradamente pontos de vista e em dado momento pude perceber que enxugava o pranto.

Senti pena dela pois imaginei que estaria em crise com alguém que amava. Seria um namorado? Um parente? Algum amigo, talvez.

Quis o destino que eu a encontrasse uma outra vez e seu comportamento era o mesmo! Talvez ela freqüentasse aquele restaurante por alguma razão pessoal. O ambiente era sossegado. A comida, embora simples, era bem feita e o preço bem razoável. Afinal, eu também estava lá de novo!

Na terceira vez, não me contive e perguntei ao garçom se a conhecia. Simulei ter encontrado uma vaga semelhança entre ela e uma amiga que eu não via há muitos anos.

- Está aqui todas as semanas! Algumas vezes no almoço, outras à noite mas sempre quando a freguesia diminui.
- E, está sempre só? Perguntei.
- Bem senhora, aqui ela vem sózinha mas só, não deve estar pois conversa ao telefone durante toda a refeição.
A senhora não é a primeira pessoa que a percebe e, lá na cozinha...disse em tom mais baixo, já se tornou até motivo de apostas entre o pessoal do serviço!
- Apostas? Como assim?
- É, pensamos se um dia destes a outra ponta da mesa será ocupada por alguém... apostamos se será um homem, uma amiga ... sabe? Para passar o
tempo.
- E, sabe se mora por aqui ou trabalha no bairro?
- Isso não sei não mas o porteiro sempre a vê chegando e partindo a pé, sempre à esquerda na direção daquele prédio dos bancários!

Meu espírito detetivesco resolveu seguí-la e, como se estivesse passeando para melhorar a digestão, tomei o rumo do tal prédio.

Talvez algum garçom já tivesse me antecipado pois era mesmo isso!

Ela entrou, cumprimentou o porteiro e tomou o elevador.

Escritores costumam observar pessoas e imaginar, criando personagens, mas eu tinha me dado umas férias e estava com tempo livre para pesquisar mais um pouco...
Entrei na portaria assim que subiu no elevador e, aproveitando a demora do porteiro que, ao interfone anunciava um entregador, espiei o andar em que o elevador parava. Sim, ela morava no terceiro andar mas o edifício tinha muitos apartamentos e dois blocos! Quantas pessoas habitariam aqueles apartamentos!

- Senhor, desculpe-me, mas esqueci o nome da senhora que acabou de subir. Foi minha colega de escola fazem anos e quero fazer-lhe uma surpresa.
- Ah! Dona Eulália ? ela mora no 301 há muitos anos.
É sozinha e vai gostar de sua visita, quer subir agora?
Eu toco o interfone...

Mais que depressa dei uma desculpa dizendo ter um compromisso urgente e prometendo voltar outro dia, fingindo não ouvir quando ele disse:
- Quer deixar seu nome? ... darei seu recado...

Fui para casa e fiquei bolando como poderia saber mais sobre Eulália. Era sozinha... Teria sido telefonista em alguma empresa e tomou gosto de falar ao telefone? Teria muitos amigos?

Passados alguns dias voltei ao restaurante e ali estava ela com seu xale, sapatinhos baixos e, o aparelho de telefone sobre a mesa, ao lado da pequena bolsa a tiracolo.

Sentei bem perto e procurei ouvir algo da conversa. Coisas da profissão...pensava eu justificando, em parte, a voz interior que me condenava pela invasão de privacidade do outro.
Ora, eu nada faria de mal à ela com aquilo que ouvisse!

Esperei que saísse e, passando pela floricultura do bairro comprei uma enorme braçada de flores, suficientemente grande para me esconder dos olhos do porteiro e servir de álibi se assim se fizesse necessário.

Esperei Eulália subir e entrei decidida como se morasse no local. O porteiro conversava com alguém, o que facilitou meu intento.

Subi rápido. Tardes de domingo e os prédios ficam como que vazios. Parece que todos saem ou repousam da semana trabalhosa.

Parei à porta do 301 e fiquei à escuta. Neste momento abençoei as construções modernas com suas paredes tão finas e frágeis!

Algum barulho de chaves e, em seguida o toque singular e inconfundível das secretárias eletrônicas.
Atenta, protegida pelas flores, rezava para que morador algum chegasse ao terceiro andar.

Atônita e triste comecei a ouvir a gravação da voz de Eulália, enquanto reconhecia parte de seus intermináveis recados para si mesma com que tentava preencher sua indisfarçável solidão!


Angela Schnoor RJ. 13/04/2006 16h41’