Rencarnação - um conto
REENCARNAÇÃO
Quase todos naquela casa gostavam muito da vovó.
Talvez o gato nem tanto, pois eram anos a fio de mútua implicância por causa dos novelos de tricô.
Jasmim adorava se enroscar na cesta das lãs e, não podia ser completamente feliz com a velha Gertrudes o enxotando, todas as tardes, assim que se sentava na velha cadeira de balanço.
Só que ela, distraída, dormitava com ele em seu colo, braços cruzados em arco, contendo seu pêlo castanho entre as mãos firmes e nodosas.
Os humanos tinham adoração por aquela que, por muitos anos tinha sido o esteio mantenedor da família.
Gertrudes estava naquela casa há tanto tempo que ninguém mais se lembrava que ela tinha vindo do Nordeste, com pouco mais que dez anos, para ajudar à senhora Luiza quando esta, grávida do segundo filho, necessitava de uma menina para cuidar do pequeno João, então com dois aninhos. Era parte da família e a chamavam carinhosamente de, Vó.
Pequena, franzina e tímida, Gertrudes trabalhava como uma verdadeira cangaceira. Cresceu cuidando de cada nova alma que chegava à família e sabia mais das predileções de cada pequeno do que os próprios pais.
Entretanto, de sua família de origem sabia quase nada. Os pais tinham morrido quando ela ainda era muito jovem e os irmãos deviam estar perdidos neste mundo grande chamado Brasil.
Durante sua adolescência Gertrudes era a Gê e só muito mais tarde, depois da morte de Dona Luiza é que os “netos” da família passaram a chamá-la de Vó.
Gê acompanhou o luto de João e de Lucinha, apoiou as segundas núpcias do senhor Ricardo com a cunhada, como era de praxe à época, e viu seus meninos crescerem em todas as etapas de vida.
O que seria de Lucinha se não fossem os conselhos práticos de Gê quando teve seu primeiro filho? Cuidando desde cedo das crianças, Gê havia adquirido uma prática que a tornava a pessoa de maior confiança na casa, embora ela jamais tivesse tido um só filho e, nem noivo ou namorado.
Bem que houvera pretendentes mas a babá, na hora de aceitar a corte , já com vinte anos e dez anos mais velha que seus pupilos, não ousava deixá-los para levar sua própria vida. Não conseguia se imaginar sem aquela família a qual pertencia de alma e coração.
E assim foram nascendo Marina, Marcio, Beatriz, Fernando, Gabriela e Celina, até que Gê tornou-se Vó e, embora já contasse com quase oitenta, adorava quando havia festa e todos se reuniam na antiga casa dos patriarcas.
Já precisava de ajudantes para o serviço pesado, mas Gertrudes se realizava acordando cedo para preparar os quitutes que os “netos” mais gostavam. Além das receitas antigas para o almoço, dos bolos e doces de tacho, passava horas enrolando a massa dos biscoitos! Esses sim faziam as delícias de todos aqueles “filhos e netos”.
Durante sua adolescência Gertrudes era a Gê e só muito mais tarde, depois da morte de Dona Luiza é que os “netos” da família passaram a chamá-la de Vó.
Gê acompanhou o luto de João e de Lucinha, apoiou as segundas núpcias do senhor Ricardo com a cunhada, como era de praxe à época, e viu seus meninos crescerem em todas as etapas de vida.
O que seria de Lucinha se não fossem os conselhos práticos de Gê quando teve seu primeiro filho? Cuidando desde cedo das crianças, Gê havia adquirido uma prática que a tornava a pessoa de maior confiança na casa, embora ela jamais tivesse tido um só filho e, nem noivo ou namorado.
Bem que houvera pretendentes mas a babá, na hora de aceitar a corte , já com vinte anos e dez anos mais velha que seus pupilos, não ousava deixá-los para levar sua própria vida. Não conseguia se imaginar sem aquela família a qual pertencia de alma e coração.
E assim foram nascendo Marina, Marcio, Beatriz, Fernando, Gabriela e Celina, até que Gê tornou-se Vó e, embora já contasse com quase oitenta, adorava quando havia festa e todos se reuniam na antiga casa dos patriarcas.
Já precisava de ajudantes para o serviço pesado, mas Gertrudes se realizava acordando cedo para preparar os quitutes que os “netos” mais gostavam. Além das receitas antigas para o almoço, dos bolos e doces de tacho, passava horas enrolando a massa dos biscoitos! Esses sim faziam as delícias de todos aqueles “filhos e netos”.
O ritual se repetia na noite de Natal, no dia de Reis, na Páscoa e, é claro no aniversário de cada um! Seu prazer era enorme quando os pequenos e os grandes disputavam suas preciosas latinhas ou pacotes de amanteigados.
Perto de seu aniversário dos Oitenta a família já organizava uma grande festança quando Gertrudes apanhou um sério resfriado. Seu estado se agravou e apesar de todos os cuidados da família que se revezava à sua cabeceira, a querida Gê entregou-se às mãos do criador.
Nem é preciso descrever a consternação de todos. E, como era seu desejo, a Vó Gertrudes foi cremada e suas cinzas trazidas para casa.
Discutiam o melhor local para espalhar o que restava da mãe, babá e vó Gê.
Cada um preferia um local. Havia quem a queria num canto do Jardim, quem achava que poderia ser polvilhada sobre o mar e, enquanto decidiam, em meio à tristeza imensa, puseram a urna na prateleira mais alta do armário da copa.
Passaram-se alguns meses e tiveram que admitir uma senhora para supervisionar os serviços da casa. Foi com muita dificuldade que escolheram uma mulher indicada por uma vizinha. Chegara recentemente do Nordeste e já não era mais tão jovem, parecia um pouco bronca e rude, mas tinha iniciativa e lembrava Gertrudes de alguma forma. Para os mais velhos, este foi o motivo determinante da escolha.
A Páscoa chegava e a substituta, já havia se acostumado aos grandes almoços e às receitas da família cuidadosamente copiadas no caderno que Gertrudes deixara.
Francisca resolveu fazer uma surpresa. Um dos mais pequenos já lhe havia pedido biscoitos. Foi ao livro e começou o preparo. Grandes fornadas consumiram muita farinha e manteiga, mas valeu o cansaço e a expectativa da alegria geral.
Almoço Pascoal e a farta distribuição de biscoitos junto ao café bem coado, alegraram a meninada e encheram de lágrimas saudosas os olhos dos mais velhos até que Luiza neta, filha de Lucinha, trouxe à baila novamente, a discussão sobre as cinzas da Vovó.
Foi ao armário da dispensa e em vão procurou a urna com as cinzas. Encontrou-a num canto da pia, vazia! Francisca percebendo a busca explicou:
“-faltou farinha em meio à faina dos biscoitos, então usei a que aí estava para completar”.
Naquele momento todos compreenderam que afinal, Gê acabara de ser totalmente integrada à família!
Angela Schnoor – 17de maio de 2006.
12 Comments:
Quando li o título fiquei um pouco de pé atrás porque, como já deve ter percebido, não acrediro em reencarnações.
Mas depois deliciei-me com mais um texto tão lindo.
Onde vai Ursa Mãe buscar tanta inspiração?
Queria pedir-lhe desculpa por me ter retirado ontem precisamente na altura em que chegou para o chá.
Acontece que o computador não é portátil e está colocado no quarto da minha sobrinha que também é a dona(a tal que é minha filha do coração).
Ela trabalha muito, por vezes mais de 14 horas diárias(é licenciada em engenharia e gestão industrial)e ainda lhe estão sempre a pedir para dar explicações de matemática(disciplina que sempre adorou).
Por isso, na maior parte dos dias, quando chega a casa aterra directo na cama.
E eu apago tudo e vou para o meu quarto também.
Um beijinho e até logo.
10:10 AM
E esta minha fofa chama-se Telma.
Eu escolhi o 2º nome - Vanessa - pela enorme admiração que tenho pela actiz Vanessa Redgrave e, porque na altura, ~era um nome fora do vulgar, que são os que eu gosto.
A propósito, adoro o nome do seu netinho e se hoje me pedissem para escolher essa seria uma das hipóteses.
10:15 AM
No 1º post queria dizer
"não acredito".
10:47 AM
Uaiii... eu consigo entrar no post dos biscoitos...
Andou comendo sementes com casca de novo sua arara azul?...
6:18 PM
Olá Ursa Mãe.
Bem, o chá com a sua filha, deve ter sido seguido de jantar e ceia.
Acertei?
Hoje não tenho arara nem c_mim para o chá.
Se puder venha comer um biscoitinho comigo por favor.
Beijinhos.
10:20 AM
:)
Angela, que lindo, a Gê ficou com eles nos biscoitos, até na morte cumprindo sua função de amiga da família. :)
3:46 PM
O que se passa consigo Ursa Mãe, está tudo bem?
A minha querida não aparece, nossa arara e fadinha estiveram na maratona de fotografia e eu sinto-me muito sòzinha.
Beijinhos e diga alguma coisa por favor.
4:32 PM
Querida meiguinha,
está tudo bem. Apenas a vida prática acumulou compromissos e eventos, família, cansaço e muito pouco tempo.
Não quero que este blog desminta seu destino como foi descrito em Ideália. De uns tempos pra cá começou a virar uma obrigação, quase uma compulsão. Fazer uma postagem, responder aos comentários, visitar os blogues etc... Acontece que não posso, por questões de saude, ficar horas a fio sentada no micro como tem sido e acabo amanhecendo aqui e trocando a noite pelo dia. Então decidi que só venho postar e cuidar dos blogues quando eu puder, sem sacrifício para minha saúde e paz de espírito.
Gosto muito de escrever e tenho muitas coisas em andamento mas, também tenho uma família que necessita de atenção e um netinho que está perto de nascer e para o qual preciso dedicar um pouco mais de tempo para terminar suas coisas antes de seu nascimento e ainda dar suporte às minha filhas.
Pretendo fazer novo post até amanhã. Desculpe falhar e não atender a seu pedido de companhia. beijo da ursa.
2:45 AM
Oi Folha de chá e meiguinha também.
Este fato do conto ocorreu de verdade. Embora eu tenha feito toda uma história à volta, a senhora foi comida, sob a forma de cinzas, por todos aqueles que devoraram os biscoitinhos. Desta forma, aquilo que foi sua matéria, passou a fazer parte dos corpos de todos os componentes da família. Melhor reencarnação impossível!
2:54 AM
Blog não é obrigação, é diversão...
Por isso só se bloga quando se pode que é para sair bonito.
4:38 AM
Ursa querida compreendo perfeitamente as suas razões e não era minha intenção "melgá-la".
Apenas gosto muito de seus posts e comentários mas concordo plenanente com a fadinha de cima.
Quando puder aparecer claro que ficarei muito contente.
Quando não puder aguardarei pelos dias seguintes.
Muitos, muitos beijinhos.
7:05 AM
Obrigada minhas queridas.
Sei que tenho amigas neste lado do oceano e estarei hoje com vocês.
gostaria mesmo de não ter limites fisicos de tempo e de corpo! Mas tenho e está pesado neste momento dar conta de tudo. Um beijo e até logo. Ursa
7:07 PM
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