Pai exemplo
Nesta segunda feira dia 22 de maio, meu pai completaria 93 anos. Tenho certeza de que estaria lúcido, "brincadeirudo" (como ele dizia) e tranqüilo como se tornou ao longo de sua existência. Agora que o tempo já permite brincar com a forma como faleceu, costumo dizer que se não o matassem ele não morreria, tamanha era sua saúde, vitalidade e disposição.
Quero escrever sobre ele para que seus netos e bisnetos que não o conheceram possam ter uma idéia mais completa do Homem do qual descendem. Uma de minhas filhas volta e meia reclama e pede por isso.
Vou mencionar rapidamente seus méritos e sua cultura, mas isto não é onde gostaria de me deter. Já perguntei aos mais novos sobre a imagem do avô mais presente em suas memórias e a resposta de todos foi a mesma: o avô brincalhão que ensinava bobagens e irreverências a todos os netos. Pois é sobre este ser humano que quero contar, depois de pincelar seus feitos públicos.
Armando jovem foi cartógrafo do IBGE e representou o Brasil na ONU, depois estudou escultura na Escola Nacional de Belas Artes aonde chegou ao topo da vida acadêmica quando defendeu e obteve a Cátedra de Escultura. Carreira esta, coroada quando, já aposentado, recebeu o título de Professor Emérito para que continuasse a fazer parte do corpo docente dando aulas nas classes de doutorado. Foi membro do Conselho Federal de Cultura e tem obras espalhadas no Brasil e no exterior.
No início dos anos quarenta, iniciou seus estudos sobre a cultura, religião e arte Egípcia que se tornou sua paixão até o fim da vida. Dentre os vários idiomas que falava, os hieróglifos foram, sem dúvida, a expressão mais difícil para encontrar interlocutores.
Armando foi um homem terno, sábio e aparentemente calmo. Sua qualidade que mais me marcou foi a imensa abertura de idéias e a aceitação incondicional e respeitosa do ser humano.
Quando criança me lembro de esperá-lo chegar do trabalho.Íamos pelas mãos de nossa mãe, minha irmã mais nova e eu, até o ponto do ônibus e, assim que ele saltava da condução já metíamos as mãozinhas em seus bolsos a procurar alguma coisa que ele trazia, na certa, para nós. Seu sorriso meigo e divertido era o melhor do dia e à noite, antes de dormirmos, pulávamos na cama de casal para ouvir histórias que ele sempre inventava.
Algumas poucas vezes, contadas nos dedos de uma só mão, o vi se zangar e algumas delas, para defender um de nós. No entanto, era muito exigente com as expressões profissionais suas e dos outros e apenas criticava duramente os que eram intelectualmente inconseqüentes e superficiais.
Discursava horas sobre seus assuntos de paixão e falava pouco sobre questões pessoais, menos ainda quando se tratava da vida alheia. Alimentava-se tão pouco como um passarinho, mas gostava muito de bom-bom, gulodices e a mania pelos biscoitos foi um hábito seu que passou de geração a geração.
A irreverência e o gosto pelas piadas ingênuas foram uma forte marca em sua personalidade e gerou alguns casos especiais. Uma vez, quando participava do Conselho de Cultura, tinha uma reunião importante e a haste de seus óculos partiu-se. Nosso pai não teve dúvidas, para consertar o estrago amarrou um fio de barbante no encaixe da haste e o enrolou à volta de sua orelha, para desespero de nossa mãe que levava muito a sério os cargos e hierarquias.
O remendo fez sucesso entre seus pares e ele divertiu-se com esta solução, assim como em outro fato que sempre nos contava: Estava em uma recepção de embaixada no exterior quando uma bela dama, a mais linda da festa, fez menção de fumar. Vários homens correram com seus isqueiros de ouro e prata, das marcas mais conhecidas e importantes para acender o cigarro da dama enquanto ele puxou de seu bolso uma peça de folclore. Tratava-se de um acendedor oriundo do interior brasileiro, um isqueiro cujo pavio imenso saía do bojo como uma cobra que queimava. A mulher, curiosa, acolheu sua oferta e ainda ficou horas perdidas conversando com ele sobre o curioso artefato.
Quando ficou viúvo sofreu muito. Foi muito apaixonado por sua esposa, mãe de seus cinco filhos e custou a recuperar-se. Melhorou bastante quando, aos setenta anos completos, conheceu aquela que foi sua segunda mulher. Ela havia sido sua aluna há muitos anos e voltou a encontrá-lo em uma palestra sobre egiptologia. Após algumas investidas, ela que estava viúva desde muito cedo, conseguiu conquistá-lo. Foram morar juntos e então aconteceu um novo fato engraçado. Ficamos amigas e um belo dia, muito preocupada, ela perguntou se ele não estaria um pouco esclerosado. Quando deu seu motivo para a suspeita, baseado num comportamento quase infantil, tivemos que rir bastante. Ela conhecia e mantinha a imagem séria do “Professor Schnoor”, quando começou a conviver com as besteiras que ele dizia e fazia sem perceber que eram parte do outro lado da personalidade daquele homem. Conseguimos tranqüilizá-la afirmando que ele sempre fora um palhaço na intimidade.
Seus netos mais velhos lembram com carinho de toda a liberdade de ser que ele ensinou, tanto nas brincadeiras como pelo exemplo de vida.
Aquele homem que pouco falava, me deu seu apoio franco e aberto em todas as horas da minha vida em que meus atos estavam em desacordo com as normas sociais. Nos deu exemplos pessoais de naturalidade para com as coisas do corpo, da natureza humana e da sexualidade e, embora tivesse timidez para expressar afetos e emoções, para mim ele parecia transparente.
Seu exemplo de respeito ao ser humano, a liberdade de viver e a seriedade intelectual são legados inestimáveis que o mantém vivo em cada um de nós, embora possamos nos sentir como extraterrestres neste mundo, tão distante de sua sabedoria, em que hoje vivemos.
Você sabe o quanto agradeço por ter sido sua filha. Com amor,
Angela Schnoor – 21 de maio de 2006 –
13 Comments:
Como se resolve Édipo de pai assim?
Beijo gordinho para mitigar um pouquinho da saudade grande que habita seu coração generoso.
5:48 AM
Que ternura a forma carinhosa e orgulhosa como recorda seu pai.
E parece que já sei onde Ursa Mãe foi buscar tanta imaginação!
Beijinhos.
9:22 AM
Sofia Caracol
Um dia resolver abandonar o seu Farol.
Arrumou as suas coisas
E partiu enquanto o rei dormitava
E a rainha ressonava.
Curiosidade excessiva e espírito de aventura herdei do meu pai,
Sensibilidade e bom senso em excesso herdei da minha mãe.
Pena que meu pai nunca deixou que eu partilha-se mais bons momentos com ele. Foram mais os maus que os bons momentos.
Já passou. Ficou a pena e a dúvida...
3:54 PM
Que belíssima homenagem, que pai tão brincadeirudo, que sorte a sua em o ter tido. :)
5:19 PM
Oi Linda!
Este édipo se resolve com um Beto que se parece com ele e por sua vez os meus genros se parecem ao Beto e pelaí vai...Ele, meu pai, já me habita faz tempo e nem sei se sinto saudades pois o encontro, todo dia, em muitas coisas minhas e em seus herdeiros.
Taí meiguinha, é bem capaz de minha imaginação ter esta origem...
Sofia Caracol C_mim!
Pareceu-me uma familia de excessivos excessos! Que bom este bom senso materno a proteger-te não?
Quanto aos maus momentos partilhados com seu pai, acho que, às vezes, a gente elege um filho que achamos forte para estas partilhas. Pode ser uma forma de amar e elogiar um pouco estranha mas se entendermos podemos enxergar por detrás, mudar a ótica, e ser mais felizes!
Foi uma sorte mesmo folhinha! É também uma sorte boa te ver por aqui!
10:46 PM
e na quarta meu pai faz 71 anos!! como esses caras são importantes p gente!! como é bom ter um pai bacana!! como é bom ter um bom exemplo do exemplar masculino!! é por isso q insisto em amar outros exemplares!!! eheheheh
beijoca
12:20 AM
Oi... levaram Carlos Seixas para você?
Tenho andando tão amarfanhada nas minhas coisas que só lembrei que poderia ter enviado pelo seu amigo 2 discos dele quando li o seu post na 125_Azul.
3:55 AM
oi ursa, muito bom ler seu texto, seu pai, ler você e sua família. gostoso como um chá com biscoitos,
grande abraço da pequena.
12:44 AM
Libriana, livre e feliz?
Que bom!
Que coisa boa estar assim! Conserve-se e faça um pé de meia de alegria para os possíveis invernos! Parabéns ao seu papai!
C_mim,
Não, mandaram o céu mas ninguém lembrou Carlos Seixas... Você me apresentou a ele e quem sabe vou buscar aí os CDs? Valeu sua lembrança, querida. Vc. já fez tanto por mim!
Maira! pequerruxa!
Que susto bom te encontrar aqui!
Conseguiu saber sobre a ideália das primeiras postagens?
um beijo!
3:25 AM
Fui aluno de seu pai. mais que aluno, admirador. Acho que ele gostava de mim como a um filho. meu pai, e minha mãe também, sentiam ciúmes de quando eu ia passar tardes inteiras no apartamento da Alm.Tamandaré, conversando com seu pai sobre a paixão que nos movia; a egiptologia. depois que D.Guiomar morreu, fiquei um tempo sem vê-lo. meus pais, acabaram me afastando de certa forma, com medo que eu acabasse querendo estudar escultura na Belas Artes como ele. Sei de histórias fantásticas, sobre a tese da adaga de ferro meteorítico defendida por ele, de uma certa rixa que tinha com a Celita Vacani, etc.Estudei arquitetura na gama filho, e pouco antes de terminar a faculdade, passei no vestibular também para a EBA. matava muita aula de descritiva, para ficar assistindo às aulas do Schnoor, e conversando sobre Egito. O Gustavo, dava a impressão de ter certo ciúmes de mim, tal a afinidade com seu pai, e afinal, comigo o Schnoor não era durão como era com ele...como era bom aluno de Modelo vivo, com a Marilka Mendes, fui trabalhar com ela no atelier de restauração, que na época, ficava na R.Gloria nr 30. Como não recebia, era estagiário, e como acabei ficando doente, acabei largando tudo, para terminar a arquitetura na UGF. Hoje me arrependo de ter abandonado a EBA. Formado, fui para a Alemanha, a vida deu voltas, e só fiquei sabendo da morte de seu pai e de sua mulher, tempos depois. Acho que foi o próprio gustavo quem me contou, quando um dia casualmente nos encontramos no Leblon, e ele aceitou meu convite para ir até meu apartamento. Novamente os anos se passaram, e só fiquei sabendo de sua morte nas laranjeiras, quando levava o cachorro para pasear, lendo a notícia no jornal. Que sina...Convidado para assistir uma palestra num auditório na UERJ, fiquei emocionado e feliz ao ver que este recebera o seu nome como homenagem. No facebook, vc me encontra como Guilherme Brito. No lugar da foto, uma efígie egípcia, tipo afresco, com figura masculina em fundo ocre. Para lembrar do tempo, que os professores Aurea, e Vera das Belas Artes, me chamavam de "escribinha", pegando no meu pé, enciumados e aludindo minha amizade com o mestre, catedrático em escultura.
2:11 PM
Super grata por tudo, Guilherme!
Mudei a residência para Itaipava e ainda não tenho Internet em casa, daí ser sucinta!
Os dois queridos foram importantes e muito amados por todos nós.
Vou repassar sua mensagem para a família.
Um grande abraço,
Angela
1:34 PM
olá, estou fazendo um trabalho da faculdade sobre uma das obras de seu pai e tenho muita dificuldade de achar informações sobre ele, você poderia me ajudar?
9:22 PM
Às ordens Luana. Com muito prazer. Pergunte que respondo o que puder.
Use meu email - schnoor.angela@gmail.com
Ou pelo whatsapp - 24 99995 0270.
Te aguardo.
10:14 PM
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