Um novo conto
Olhei para a mesa ao lado e me chamou a atenção uma mulher sozinha que, enquanto esperava ser servida e durante seu jantar, falava ao celular quase sem interrupções.
Desligava e voltava a digitar, trocando conversas animadas.
Por vezes ria muito a ponto de chamar atenção.Em seguida parecia discutir acaloradamente pontos de vista e em dado momento pude perceber que enxugava o pranto.
Senti pena dela pois imaginei que estaria em crise com alguém que amava. Seria um namorado? Um parente? Algum amigo, talvez.
Quis o destino que eu a encontrasse uma outra vez e seu comportamento era o mesmo! Talvez ela freqüentasse aquele restaurante por alguma razão pessoal. O ambiente era sossegado. A comida, embora simples, era bem feita e o preço bem razoável. Afinal, eu também estava lá de novo!
Na terceira vez, não me contive e perguntei ao garçom se a conhecia. Simulei ter encontrado uma vaga semelhança entre ela e uma amiga que eu não via há muitos anos.
- Está aqui todas as semanas! Algumas vezes no almoço, outras à noite mas sempre quando a freguesia diminui.
- E, está sempre só? Perguntei.
- Bem senhora, aqui ela vem sózinha mas só, não deve estar pois conversa ao telefone durante toda a refeição.
A senhora não é a primeira pessoa que a percebe e, lá na cozinha...disse em tom mais baixo, já se tornou até motivo de apostas entre o pessoal do serviço!
- Apostas? Como assim?
- É, pensamos se um dia destes a outra ponta da mesa será ocupada por alguém... apostamos se será um homem, uma amiga ... sabe? Para passar o tempo.
- E, sabe se mora por aqui ou trabalha no bairro?
- Isso não sei não mas o porteiro sempre a vê chegando e partindo a pé, sempre à esquerda na direção daquele prédio dos bancários!
Meu espírito detetivesco resolveu seguí-la e, como se estivesse passeando para melhorar a digestão, tomei o rumo do tal prédio.
Talvez algum garçom já tivesse me antecipado pois era mesmo isso!
Ela entrou, cumprimentou o porteiro e tomou o elevador.
Escritores costumam observar pessoas e imaginar, criando personagens, mas eu tinha me dado umas férias e estava com tempo livre para pesquisar mais um pouco...
Entrei na portaria assim que subiu no elevador e, aproveitando a demora do porteiro que, ao interfone anunciava um entregador, espiei o andar em que o elevador parava. Sim, ela morava no terceiro andar mas o edifício tinha muitos apartamentos e dois blocos! Quantas pessoas habitariam aqueles apartamentos!
- Senhor, desculpe-me, mas esqueci o nome da senhora que acabou de subir. Foi minha colega de escola fazem anos e quero fazer-lhe uma surpresa.
- Ah! Dona Eulália ? ela mora no 301 há muitos anos.
É sozinha e vai gostar de sua visita, quer subir agora?
Eu toco o interfone...
Mais que depressa dei uma desculpa dizendo ter um compromisso urgente e prometendo voltar outro dia, fingindo não ouvir quando ele disse:
- Quer deixar seu nome? ... darei seu recado...
Fui para casa e fiquei bolando como poderia saber mais sobre Eulália. Era sozinha... Teria sido telefonista em alguma empresa e tomou gosto de falar ao telefone? Teria muitos amigos?
Passados alguns dias voltei ao restaurante e ali estava ela com seu xale, sapatinhos baixos e, o aparelho de telefone sobre a mesa, ao lado da pequena bolsa a tiracolo.
Sentei bem perto e procurei ouvir algo da conversa. Coisas da profissão...pensava eu justificando, em parte, a voz interior que me condenava pela invasão de privacidade do outro.
Ora, eu nada faria de mal à ela com aquilo que ouvisse!
Esperei que saísse e, passando pela floricultura do bairro comprei uma enorme braçada de flores, suficientemente grande para me esconder dos olhos do porteiro e servir de álibi se assim se fizesse necessário.
Esperei Eulália subir e entrei decidida como se morasse no local. O porteiro conversava com alguém, o que facilitou meu intento.
Subi rápido. Tardes de domingo e os prédios ficam como que vazios. Parece que todos saem ou repousam da semana trabalhosa.
Parei à porta do 301 e fiquei à escuta. Neste momento abençoei as construções modernas com suas paredes tão finas e frágeis!
Algum barulho de chaves e, em seguida o toque singular e inconfundível das secretárias eletrônicas.
Atenta, protegida pelas flores, rezava para que morador algum chegasse ao terceiro andar.
Atônita e triste comecei a ouvir a gravação da voz de Eulália, enquanto reconhecia parte de seus intermináveis recados para si mesma com que tentava preencher sua indisfarçável solidão!
Angela Schnoor RJ. 13/04/2006 16h41’
5 Comments:
E que fizeste com as braçadas de flores? Interrompeste a sua solidão?
5:21 PM
Boa Páscoa. :)
5:22 PM
Adorei mamãe, engraçado que me pareceu familiar de alguma forma, como se tivesse visto a cena em um filme, algo assim...Beijos
7:54 PM
Para folha de chá:
Olha que sua idéia de interromper a solidão de Eulália já dá outro conto interessante...vou tentar.
Uma Páscoa feliz e verdadeira pra você e pra todos os que te cercam!
Suas visitas sempre acrescentam algo de bom. São mesmo as folhas de chá em minha chávena quentinha. Obrigada.
Fábia querida, como já nos falamos só aproveito para te dizer que gosto quando vc. me visita aqui e aqui também! bj. MM
10:47 PM
As minhas visitas aqui é que me acrescentam MUITO. Obrigada eu, por tudo que é aqui partilhado. E que gosto tanto de ler. :)
8:10 AM
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