Pais perfeitos - uma história
Pais perfeitos.
A semelhança das experiências na infância e a história familiar os uniam mais do que se fossem irmãos. Os pais de ambos tinham se separado quando eles eram ainda crianças por questões de temperamento, educação, valores e hábitos.
Seus pais descendiam de militares e eram homens que davam especial valor à disciplina, à mente e à racionalidade. Por esses motivos criaram seus filhos com muitas críticas a qualquer manifestação instintiva ou emocional:
- “Isto é coisa peculiar nas mulheres sem controle” era uma das frases típicas no contexto familiar embora as mães se encolhessem, medrosas, ao ouvi-la.
Enquanto bebes, enfermeiras e babás tinham recebido orientações explícitas para não ceder às manhas e jamais sair das regras e horários para alimentação e higiene. As crianças tinham comportamento exemplar nas festinhas infantis e em família. Não se sujavam, nunca se aproximavam da mesa de doces e só aceitavam o que lhes fosse oferecido, se previamente autorizado pelos pais.
Não andavam descalços, estavam sempre agasalhados à mínima mudança de temperatura, e brincar no chão... Nem pensar!
A separação dos pais se deu quando as mães começaram a se rebelar contra a tutela severa dos maridos liberando caminho para suas explosões emocionais e a busca de suas individualidades.
A partir daí, deixaram os filhos em quase abandono, pois com a crise financeira não podiam mais ter empregados que cuidassem deles e não eram muito dedicadas às tarefas domésticas.
As duvidas assolavam as crianças amigas que passaram suas infâncias trocando opiniões sobre quais verbos deveriam conjugar.
Depois de dividirem muitos baseados, confidências e sonhos descobriram que tinham atração física um pelo outro e, embora já tivessem passado da adolescência, não conseguiam demonstrar e viver o instinto que teimava em mostrar-se apesar do receio e pouca naturalidade com que lidavam com as coisas do corpo.
Foram acostumados a buscar nos livros respostas e orientações sobre a vida. Os encontros com os pais eram sempre formais. Quanto às mães... Bem, cada uma a seu modo, era excessivamente emocional e eles não sabiam lidar bem com “pessoas sem controle!”.
Os amigos foram casando e eles sentiam tanto a falta de uma família que juntaram esforços e alugaram um pequeno apartamento para que pudessem ter um filho.
Queriam se preparar para educar sua criança e teriam orgulho em fazê-lo de forma bem diferente, sem cometer os erros dos quais se sentiam vítimas. Começaram a sonhar em serem pais perfeitos!
Passavam muitas horas conversando e planejando a frustrada fecundação até que resolveram comprar um cãozinho e, uma vez relaxados, a fecundação aconteceu!
As noites após o trabalho os encontravam lendo livros, assistindo programas de TV e assinando revistas sobre gestação e parto, além dos sites na Internet e as consultas ao obstetra que levaram meses a fio para escolher, pois rejeitavam qualquer sugestão.
A família e os amigos estranharam o comportamento, mas respeitaram a necessidade imperiosa de independência do casal e não mais ofereceram quaisquer ajuda nos meses até o parto.
O Bebê nasceu forte e saudável, mas ao chegarem em casa os problemas normais começaram. Choros, amamentação, gazes, cuidados com o coto umbilical, banhos, fezes e toda as inseguranças que seriam relativas para pais de primeira viagem passaram a seguir um ritual apoiado, cada vez mais, em regras rígidas ditadas por um temor inigualável dos que não sabem lidar com o instinto.
Aos poucos o sofrimento de todos foi piorando. Não confiavam em pessoa alguma, apenas nos livros e a criança não dormia e não se alimentava direito, chorava muito e um circulo vicioso foi se fechando.
Trancaram-se em casa. Raramente saíam ou aceitavam visitas.
As pessoas foram se distanciando. Sentiam-se intrusas, seus movimentos de auxílio eram rejeitados porque não atendiam às regras que os livros ditavam.
A casa parecia um estoque de material infantil. As mamadeiras eram numeradas de acordo com os tipos de leite, as chupetas separadas para cada ocasião especial ficavam em caixinhas de cores diferentes.
Relógios em cada cômodo do apartamento anunciavam as horas das mamadas, do banho e do sono que eram cuidadosamente anotados num diário obsessivo. E, como haviam aprendido embora nem se lembrassem... O bebe que chorasse no berço... Naquela casa não se aceitava manha!
Quis a vida que um dia em que haviam saído para o pediatra, a cidade quase despencou com um temporal excepcional que os impediu de retornar a casa. A água invadiu o prédio que ficava na encosta de um morro e destruiu quase todo o apartamento. Era tanta água que os estofados, os móveis, os objetos e, principalmente os papéis foram destruídos pelas águas.
Além da aflição com as perdas e com o cansaço da tentativa de reconstrução do que conseguiram salvar ficaram perdidos quando descobriram os destroços dos livros e das anotações feitas.
As mamadeiras saíram da ordem, misturadas com as chupetas e as fraldas molhadas arrastavam-se pelo assoalho. Um caos!
Tinham perdido as certidões de nascimento, os papéis da maternidade, como teriam certeza da data de nascimento da criança? Seriam mesmo a data e hora que lembravam? E, se não fosse? Como registraram o menino? Não estavam certos da ordem dos nomes com que o tinham registrado... Como viver sem papéis, sem as certezas do que estava escrito? Qual seria a hora da próxima mamada? E os livros?
Apenas um manual do bebe se mantinha precário no alto da estante.
Apanharam o exemplar. Folheando as páginas em quase desespero buscavam inutilmente a explicação para o fato de seu bebe que ainda nem falava, estar sorrindo e batendo palmas dentro do berço enquanto emitia um som, como se cantasse.
- “Venha ver João, nosso filho parece cantar, o que estará acontecendo com ele? Isto é normal? Será que esta falta de rotina destes dias perturbou sua sanidade?”.
João corre e para na porta do quarto estarrecido.
- “Lucia! Ouça bem, você não conhece esta música?”.
Meu pai me ensinava quando eu era pequeno! Ouça bem e me acompanhe: Este é o refrão do hino à liberdade!
Lucia, de boca aberta, ouvia o marido fazendo coro com o Bebê:
Liberdade! Liberdade!
Abre as asas sobre nós!...
Das lutas na tempestade
Dá que ouçamos tua voz!
Em 18 de abril de 2006- Angela Schnoor.
9 Comments:
O amor, o carinho e o afecto não se aprendem nos livros.
E as crianças não trazem manual de instruções(às vezes dava jeito).
Só estou um pouco confusa!
Como é que o pai lhe ensinou a cantar a liberdade que era coisa que pelos vistos não conhecia?
Estou muito feliz por ter gostado da minha volta a esta sua casa.
É uma querida.
O nosso chá costuma ser por volta das 2O/2lH de cá(às vezes um pouco mais cedo), mas acho que é muito cedo aí e Ursa querida deve estar muito ocupada.
Mas guardamos sempre para si o chá e um bolinho, para o caso de poder aparecer também.
Um beijinho terno.
8:05 AM
E agradeço também, querer bater no que me faz mal(fez-me lembrar a minha querida mãe), mas a nossa arara está farta de bater e o dodoi
não quer ir embora.
Parece que só resta ser eu a bater também.
Vamos lá ver se consigo.
8:50 AM
Ah, com sorte teremos um bebê mais feliz! Viva a tempestade caótica! E sim, Dinda querida, apesa do carroussel avariado, o céu brilha infinitamente azul!
3:38 PM
E esqueci de dizer que a foto está maravilhosa e não sei porque escrevi carrocel em francês!
3:41 PM
Melguinha, veja bem: o pai não o ensinou, só reconheceu a musica mas o bebe a conhecia em seus gens e parece que soube a hora de entoar o hino para dizer aos pais de sua alegria pelo desastre da chuva que o salvou da prisão das regras, dos livros, dos rituais sem sentido!
Não me agradeça coisa alguma apenas não desapareça mais! E, os dodóis podem não sumir mas as crianças que acreditam nesta zanga costumam sentir-se mais protegidas!
Acho que estamos com menos tres ou quatro horas que Lisboa e sendo assim o chá é quase às cinco horas daqui! Não é que quase acertei?
Vou ver se volta e meia dá para chegar na hora! beijos pra vc. querida.
1:52 AM
Minha querida amiga AZUL!
Estive com nosso Bibo aqui e nos divertimos muito. Ele já sabe que tem olhos "pretos" e quando viu uma moça com olhos muito maquiados, disse que ela tinha olhos coloridos! Lindo não?
Fico feliz que seu olhar também esteja "colorido" e que o seu céu fique sempre azul. Quanto ao "carroussel" francês talvez ele esteja avariado por ser de Paris e vc. esteja para rodopiar em outro carrocel. Desta vez feito em Lisboa! Torço para que nada mais fique avariado, em idioma algum!
A foto eu achei linda também e é de um artista vosso! Encontrei no "olhares".
Um beijo carinhoso e apertadinho, Angela.
2:02 AM
Olá querida Ursa Mãe, hoje estava difícil deixar um comentário.
A net por vezes arrelia-nos.
1-Não me estava a referir ao bebé e ao pai, mas sim ao pai e ao avô.
Não me parece que qualquer dos dois soubesse(e desse valor) o que é a liberdade.
2-Vou tentar não voltar a desaparecer.
3-Tal como as crianças, vou acreditar na sua zanga com os meus dodóis e sentir-me mais protegida.
4-A diferença horária é de 4 horas e quando puder venha mesmo beber o chá connosco que ficaremos muito contentes.
Um beijinho grande.
9:55 AM
Tantas regras, tantos papéis com regras. Horários e proibições. Como fazer para perceber que a vida é muito mais do que isso? :)
1:02 PM
Melguinha, os pais ( pai e avô)sabiam só a letra do hino... como fazem os militares e os teóricos!
Vou tentar estar no chá entre 15h e 16h, horário do Rio. Pode ser que derrube um pouco de chá na pressa mas como o chapeleiro vou me divertir com vocês. bj. de Ursa mãe.
Folhinha, acabam percebendo... nem que as tempestades os afoguem para ensiná-los!
12:54 AM
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