Desde sempre lembro-me viajando em imagens. Primeiro elas fugiram de meu olhar interno e se faziam ver mergulhadas em papel e cores. Depois vieram as palavras e a inspiração dos sonhos, pois foi a realidade que, muitas vezes, trouxe os pesadelos. Em busca de organizar este mundo interior surgiu a Ilha.União de idéias e sonhos, asas que herdei. Apresento-a em pequenos trechos e peço que questionem, perguntem muito para que ela possa tornar-se mais rica e interessante, lugar melhor pra viver.

17.4.06

Voltando à infância

class clown- foto do Webshots
Ao ver esta foto patética neste site americano fiquei pensando no que existe, ainda hoje, na mente dos seres humanos para que não percebam o que podem causar na alma das crianças certas atitudes que, como esta, consideram educadoras. Esta imagem exposta na internet me fez desejar que esta criança consiga fazer deste momento, mesmo que seja um cenário de estudio, um trampolim para seu salto em busca da auto estima. E, como quase tudo é projeção, lembrou-me o que escrevi um dia para uma filha.

À minha filha Fábia.

Em 2 de Julho de 2003, no Rio de Janeiro.

Filha querida,

Quando, noutro dia, em meio a muita dor, mais do que me permito partilhar ou fazer saber, te pedi uma massagem e você me disse que mal consegue me ajudar, tamanha a dureza de meu corpo, tive vontade de te dizer que, desde muito cedo na vida, aprendi a conter a dor e armar defesas ante as mãos que vinham pra me agredir.

É pois um atestado de confiança este meu pedido, embora os condicionamentos estruturados, aí estejam como figura viva do tudo que te conto.

Outras vezes a agressão não se dirigia a mim mas, como eu já sabia da dor e da armadura que tinha aprendido, fazia-me de alvo atraindo a agressão destinada aos mais pequenos. Uma projeção precoce? Onipotência de irmã mais velha? Senso de responsabilidade? Certamente um pouco de tudo isto mas, seus tios devem ter músculos menos tensos e endurecidos, eu espero.

Em outras circunstâncias não era a dor física, mas a impotência diante do sofrimento daqueles que deveriam estar ali para cuidar de mim e cuja vulnerabilidade eu absorvia, por vê-los tão sofridos. Neurose precoce? Talvez, mas nasci com o dom da empatia e não tinha ainda idade para me perceber um ser em separado.

Seu tio Gustavo, mais tarde me substituiu, também escolhido como depositário desta dor materna e, como eu, tornou-se raivoso em face ao desespero da impotência precocemente experimentada. Penso que crianças deveriam estar protegidas e relaxadas especialmente de situações em que nada podem...

Sei que sou dura, mais do que a sua percepção pode alcançar pois sinto esta prisão vinda de dentro. Se esta couraça me protegeu da dor também se tornou, a cada dia, um cofre do prazer.

Não, não preciso que me falem da dureza de meus músculos retesados em prontidão exagerada. Preciso sim, da constância de mãos afáveis que me acariciem e massageiem até que, meus tecidos acostumados ao medo se convençam de que o outro pode me amar e não vai me agredir nem apenas pedir, retirando de minha compaixão o que não tenho ou posso.

Filhos aprimoram os pais, sem dúvida. Minha vez de filha já passou, agora é a sua vez de lidar com as mazelas maternas.
Que te seja leve este fardo.

Com amor, Mamãe.

8 Comments:

Blogger greentea said...

não tenho palavras hoje para ti
mas entendo
não passei pela agressão fisica
mas sofri desde que nasci o abandono, a negatividade, o endeusamento de outros que estavam a meu lado.
marginalidades...
por isso crescemos assim
nos tornámos assim
um beijo para ti

5:03 AM

 
Blogger 125_azul said...

teu olhar doce contraria o corpo defendido...

6:35 PM

 
Blogger Angela said...

Greentea, deixei um comentário em fases da lua e fiquei muito tocada com seu carinho.

125 azul isso já foi a tempos e os olhos são reflexos da alma que adoçou até por tudo isto mas o corpo talvez fizesse esta "barricada" para proteger-se quando as dores voltaram feitas então, pela violência da vida. Mas me sinto doce e forte, como dizia meu querido Gustavo, embora a tensão no pescoço seja terrível!
um beijo, querida.

10:23 PM

 
Blogger Fábia said...

O mais importante e nobre dessa história, é ver um cactus florescer, é ver alguém que faz do tapa um afago, uma pessoa com dificuldades de amor materno quando criança e quando um adulto cria um lar transbordante de apoio, amor, sinceridade, diálogo e proteção, freando e revertendo uma luta numa dança. Beijo de filha sortuda.

9:24 PM

 
Anonymous Anônimo said...

Sortuda fui eu tendo a oportunidade de aprender tanto com a maternidade, com vocês, com a paciência de seu pai, meu companheiro de tantos anos e com o potencial para transformar que herdei. Você sabe bem, hoje, como os filhos são o fermento dos pais. Muito amor, filha querida.

12:31 AM

 
Blogger Folha de Chá said...

Que lindo, o vosso amor. Pode ter contrariedades, claro, mas essas cumplicidades ultrapassam tudo, certo? :) Parabéns. Isso eu não tenho com minha mãe.

1:56 PM

 
Blogger Angela said...

Quem sabe conseguirá com seus filhos...por não ter tido esta afinidade com a minha mãe foi que tentei trocar com minhas filhas o tanto que me faltou.
Sei que vc. conseguirá este aconchego com quem desejar pois sabe como faz falta. Eu já te gosto tanto!

12:06 AM

 
Blogger Folha de Chá said...

:) Posso pedir um bocadinho da sua vontade de ser mãe para mim? :) Será que Fábia se importa de partilhar?

8:19 AM

 

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