Desde sempre lembro-me viajando em imagens. Primeiro elas fugiram de meu olhar interno e se faziam ver mergulhadas em papel e cores. Depois vieram as palavras e a inspiração dos sonhos, pois foi a realidade que, muitas vezes, trouxe os pesadelos. Em busca de organizar este mundo interior surgiu a Ilha.União de idéias e sonhos, asas que herdei. Apresento-a em pequenos trechos e peço que questionem, perguntem muito para que ela possa tornar-se mais rica e interessante, lugar melhor pra viver.

30.4.06

Desabrigo

DESABRIGO


O cerco aperta e já não sei do rumo.
Bocas vorazes espreitam, dentes afiados e gritos frios nas gargantas carentes.
Quando parar de fugir, quem sabe, encontrarei um porto enquanto não chega o meu cais de amarração.
Quem sabe, então, meus eternos monólogos contigo pelas madrugadas suadas de chuva, sejam diálogos cálidos onde me encontrarei, de novo, na viagem interrompida.
Ah! Como preciso de paz!
Como a tormenta se demora e já não tenho mais tanto fôlego.
Ouço o canto das sereias e não sei qual será a próxima rocha onde destruirei mais um pedaço.
Ah! Meu cais de amarração, como pareces longe nesta bruma cheia de sirenes e naus perdidas!
Ah! Meu porto antigo... Hoje tão distante e estrangeiro, amigo só em meu peito onde mora a saudade de praias e gaivotas!
Eu te conhecia cada estaca e cada corda, cada amarra e cada bêbado.
Todas as prostitutas e os cães vadios eram meus amigos e as manhãs sempre eram doces e benfazejas no embalo de tuas ondas.
No nevoeiro, não me reconheceste os sons nem o calado. Minhas sirenes tocaram, em vão, pra que me desvendasses.
O embalo das ondas, aflito, não te deixou crer que eras meu último e definitivo porto.
A tempestade me tomou do seu desabrigo e vagueio agora no sem rumo, em meio às rochas, às sereias e os monstros marinhos com suas goelas abertas; a escutar gritos perdidos de mães solitárias que choram seus filhos naufragados.
As algas cobrem meus ombros,e aguardo o brilho de uma manhã em que me reconheças.

Angela Schnoor. Rio de Janeiro.1984

4 Comments:

Blogger 125_azul said...

Fui lendo e tendo a sensação de que já tinha lido... será de muito ouvir desgostos de que já não reconhece o cais? !984...faz tempo, ainda bem!

7:53 AM

 
Anonymous Anônimo said...

O texto é lindo, como sempre, e a foto maravilhosa.

Sabe que me revi em algumas passagens?

Ah! Como preciso de paz.

Beijinhos.

9:59 AM

 
Blogger Folha de Chá said...

Às vezes, perde-se o rumo. Andamos para cima e para baixo, com as ondas. Espero que sejam as sereias amigas a encontrarem e a limparem as algas do rosto. Cantando músicas de amizade, elas ajudarão a encontrar o cais seguro.

1:14 PM

 
Blogger Angela said...

Queridas sereias de bom cantar,
tenho muita sorte pois cada revés da vida acaba me parecendo com um degrau que eleva um pouco mais a compreensão de mim e me permite ampliar meus horizontes.
Hoje eu tenho esta paz que tanto desejava e carecia e a paixão... foi como todas o são: intensa enquanto duram e terminam por ser uma escola do viver! bj. obrigada por estarem aí!

12:49 AM

 

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