Desde sempre lembro-me viajando em imagens. Primeiro elas fugiram de meu olhar interno e se faziam ver mergulhadas em papel e cores. Depois vieram as palavras e a inspiração dos sonhos, pois foi a realidade que, muitas vezes, trouxe os pesadelos. Em busca de organizar este mundo interior surgiu a Ilha.União de idéias e sonhos, asas que herdei. Apresento-a em pequenos trechos e peço que questionem, perguntem muito para que ela possa tornar-se mais rica e interessante, lugar melhor pra viver.

21.4.06

Histórias para contar


O TRANSPLANTE FINAL

Houve uma vez um casal que foi habitar uma pequena casa próxima a um parque onde havia um belo jardim.
Todos os dias caminhavam pelas alamedas e sentavam-se à sombra das arvores.
Ficavam, muitas vezes em silêncio, ouvindo o canto dos pássaros e sentindo a brisa refrescante que chegava do lago.
Este lugar era seu repouso e alimento para o espírito.
Um dia, ele colheu uma flor para que ela levasse para casa, pensando em manter por mais tempo, próximo a eles, aquela sensação de beleza e encantamento que sentiam naquele lugar.
Ela, desejando que a sensação perdurasse e mostrando o valor que dava ao presente, plantou a pequena flor em um vaso.
Para felicidade de ambos, a florzinha ganhou raízes e começou a crescer. Encheu o ambiente com seu perfume trazendo, deste modo, para a casa a lembrança da tranqüilidade do parque.
Tão encantados ficaram que de outra feita, colheram juntos uma nova flor. Esta, ao lado da primeira, também enraizou e exalou o seu perfume.
Orgulhosos de seu mini-jardim colocavam os vasinhos à janela para que os transeuntes os admirassem.
As flores eram diferentes, mas igualmente belas e representativas para eles.
Cada um à sua maneira, se desdobrava para que suas plantinhas fossem belas e vivazes!
O tempo passava e as flores cresciam, lado a lado e pareciam gostar de estarem juntas.
Um dia o casal descobriu que os vasos estavam ficando pequenos e que deveriam transplantá-las para outro lugar.
A mais antiga foi retirada primeiro.
Mudaram-na novamente para o jardim do parque onde um jardineiro a cuidava, sob seus olhares bem atentos.
Os dois sempre iam lá acompanhar seu crescimento, vendo-a por fim transformar-se em um lindo arbusto.
A outra flor ficou só, mas tinha mais espaço e sempre recebia notícias da companheira quando o casal vinha do parque conversando.
Às vezes sabiam que ela tinha estado doente, uma praga qualquer tirara seu viço, mas logo se recobrava e todos ficavam despreocupados.
Com o tempo, a segunda plantinha também foi transplantada, mas como era de outra espécie, foi colocada em outro lugar, mais propício ao seu desenvolvimento.
As visitas eram constantes e prazerosas, embora houvessem tempos que causavam alguma preocupação: no inverno, quando as plantinhas pareciam secas e tristes; às vezes por causa de muita chuva; algumas outras, por causa da troca de jardineiros no parque,
Estariam sendo bem cuidadas? Já eram mais adultas e tinham mais defesas, entretanto...
Houve um tempo em que a primeira plantinha começou a crescer tanto que já invadia espaços vizinhos e as pessoas arrancavam seus galhos e flores, sem cuidado.
Ela estava maltratada, parecia doente, o que fazia o antigo e prazeroso passeio se tornar um momento triste.
Ambos tentavam tudo para que coisa alguma fosse uma grande dificuldade para suas crias, mas certo dia ao chegar ao parque encontraram o arbusto jogado ao chão.
Foi um dia de muita tristeza, pois julgavam que a plantinha que tanto amaram tivesse se acabado para sempre.
Em casa, descobriram algumas fotos do vasinho à janela, outras em ângulos do parque onde ela lá estava, majestosa! Isto os reconfortava, mas por outro lado, aumentava a tristeza!
Visitavam agora, com mais constância sua outra plantinha, temendo que algo também a maltratasse, pois ela estava só e já não via mais sua companheira no parque.
Todos sentiam muito aquela falta e sofrendo, culpavam-se de tudo, se revoltavam ou pensavam no que haviam falhado !

Até que um dia, surpreendentemente, receberam uma bela foto de uma frondosa árvore.
Era tudo muito estranho, pois a árvore se parecia muito com seu arbusto desaparecido! Mas estava forte, sadio e todo florido! Tantas eram as flores que quase se podia sentir seu perfume a invadir, de novo, a casa.

Procuraram o remetente. Atrás da foto vinha escrito:
Desculpem, espero que compreendam.
Já era o momento de levá-la para um horto florestal. Aqui, onde está agora, ela pode desenvolver-se plenamente.
Sente falta de vocês e aguarda, com carinho, o momento do novo encontro, quando chegar a hora em que todos também virão para cá.
Aquilo que encontraram caído no caminho era apenas uma parte dela, da qual já não precisava mais.
Graças aos cuidados e ao carinho de vocês, ela pode chegar agora a ser este espécime em sua plenitude.
Como foi bom e importante que vocês a tivessem plantado, cuidado e lhe dado uma irmã como companhia.
Foram importantes também, aqueles aparentes maus tratos pois eu pude saber que já era hora de trazê-la para meus cuidados.
Obrigado a vocês todos por terem colaborado comigo nesta obra.
Estejam certos que, neste horto, há lugar para todos vocês quando cada um vier,a seu tempo.
Até lá, cresçam o melhor que puderem, confiando que velo constantemente por todos.
Assinado: O jardineiro chefe.

"A morte pertence à vida, como pertence o nascimento.
O caminhar tanto está em levantar o pé como em pousá-lo no chão."
Tagore, pássaros errantes.
Dedico esta história à memória de Anna Maria de Almeida Lopes que foi para transplantada pelo jardineiro chefe em 25 de março de 2000.

Angela Schnoor.

4 Comments:

Blogger 125_azul said...

2 flores, 2 àrvores, 2 espécies diferentes, 2 filhas... pensei metáfora, descobri o jardineiro chefe.
beijo, feliz fim de semana

7:45 AM

 
Blogger Angela said...

Por vezes estas idéias confortam as pessoas e assim eu as faço existir em histórias não importa muito se são verdades ou não... jamais vamos saber pra contar!
esta ajudou pois Ana Maria era muito jovem.

10:44 PM

 
Blogger Folha de Chá said...

Ela está sendo tratada com carinho pelo jardineiro-chefe. Há-de chegar um dia que voltará, e espalhará o seu perfume novamente. :)

8:25 AM

 
Blogger Angela said...

Mesmo que não volte por aqui, estará viva em nossa memória e quem sabe viva em outro espaço e tempo? Um beijo carinhoso, folha de chá!

1:51 AM

 

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