Orgulho sadio
O Globo 29-06-2009- segundo caderno - Gente boa
Ordem de Choque
escrito por minha filha Fábia, depois da agressão que sofreu nesta quinta-feira 02-07-2009
Na segunda feira passada, saiu uma nota na Coluna gente boa do jornal O Globo, sobre um trabalho que eu desenvolveria durante essa semana pelas ruas da cidade do Rio.
Este trabalho buscava gerar uma reflexão, quebrar o olhar anestesiado da pessoa que anda pela rua, tentando sobreviver, assim como as outras que lhe pedem um trocado. A capacidade de adaptação do ser humano às vezes nos faz aceitar o inaceitável, como passar reto por uma criança que tem fome.
Acredito que isso é parte do nosso instinto de sobrevivência. Está difícil viver, temos mesmo que criar este mecanismo de defesa para acordar e sair de casa, para trabalhar e comer. Não se pode sucumbir à compaixão a cada mendigo que nos pede um troco, se não, rapidamente passaremos para o outro lado, nem que seja pela loucura.
Ás vezes acho que os “loucos” são pessoas que perderam esse mecanismo e vêem o mundo como ele realmente é.
Se a cada confronto com uma situação de injustiça ou desigualdade pararmos para refletir e lutar por ela, não garantimos a nós a nossa sobrevivência. Acho que vem daí esse estado de torpor, vem dessa impotência de ação e do nosso próprio sentimento de abandono pelo sistema que criamos para viver.
Na quinta-feira passada, por volta das 15 horas, eu fazia aplicação do meu trabalho numa rua em Santa Teresa quando fui assaltada por dois garotos jovens com um pequeno canivete, o que irracionalmente me fez pensar que eu teria chance ainda de salvar minha câmera e o registro do meu trabalho que estava dentro, mesmo tendo sempre o discurso e o princípio de nunca reagir a um assalto. Gritei por socorro, tentei me desvencilhar, até que o maior deles me deu um soco no olho, com tamanha força que fraturou um osso da órbita ocular.
Venho aqui apenas dizer que eu acredito na vida e nas tantas boas pessoas que eu conheço. Quando escuto alguém dizer que pensa duas vezes se bota um filho neste mundo cão, eu penso: bota sim, bota muita gente boa e cria bem para que o contingente de gente que constrói aumente, porque quem não tem condição para ter filhos e nem mesmo tinha condição para nascer está parindo muito.
Este trabalho buscava gerar uma reflexão, quebrar o olhar anestesiado da pessoa que anda pela rua, tentando sobreviver, assim como as outras que lhe pedem um trocado. A capacidade de adaptação do ser humano às vezes nos faz aceitar o inaceitável, como passar reto por uma criança que tem fome.
Acredito que isso é parte do nosso instinto de sobrevivência. Está difícil viver, temos mesmo que criar este mecanismo de defesa para acordar e sair de casa, para trabalhar e comer. Não se pode sucumbir à compaixão a cada mendigo que nos pede um troco, se não, rapidamente passaremos para o outro lado, nem que seja pela loucura.
Ás vezes acho que os “loucos” são pessoas que perderam esse mecanismo e vêem o mundo como ele realmente é.
Se a cada confronto com uma situação de injustiça ou desigualdade pararmos para refletir e lutar por ela, não garantimos a nós a nossa sobrevivência. Acho que vem daí esse estado de torpor, vem dessa impotência de ação e do nosso próprio sentimento de abandono pelo sistema que criamos para viver.
Na quinta-feira passada, por volta das 15 horas, eu fazia aplicação do meu trabalho numa rua em Santa Teresa quando fui assaltada por dois garotos jovens com um pequeno canivete, o que irracionalmente me fez pensar que eu teria chance ainda de salvar minha câmera e o registro do meu trabalho que estava dentro, mesmo tendo sempre o discurso e o princípio de nunca reagir a um assalto. Gritei por socorro, tentei me desvencilhar, até que o maior deles me deu um soco no olho, com tamanha força que fraturou um osso da órbita ocular.
Venho aqui apenas dizer que eu acredito na vida e nas tantas boas pessoas que eu conheço. Quando escuto alguém dizer que pensa duas vezes se bota um filho neste mundo cão, eu penso: bota sim, bota muita gente boa e cria bem para que o contingente de gente que constrói aumente, porque quem não tem condição para ter filhos e nem mesmo tinha condição para nascer está parindo muito.
Eu vou comemorar, e não é porque “graças a deus eu estou viva, podia ter sido pior” ou por ser agredida na rua, porque não se pode agradecer, não está certo e não é “ainda bem”. Essa “ordem de choque” que impera não é normal, nem aceitável, e eu não quero me habituar a ela. É preciso se responsabilizar, é preciso que cada um, na sua medida, em cada pequeno ato, faça o que puder.
Vou comemorar cada pessoa boa que engole em seco essa corja e tenta achar e construir beleza neste mundo. Vou comemorar as pessoas que me acolheram em casa no momento da agressão, a pessoa que viu os assaltantes despejando todos os meus documentos na lixeira e se preocupou em me devolver mesmo correndo riscos e toda a rede de pessoas que tenta todos os dias acreditar que vale a pena sair e tentar viver mais um dia. Amanhã, com meu olho roxo, vou chamar meus amigos em casa e brindar, somar memória boa para fazer frente a todas as memórias duras diárias que me invadem, para que no final do meu tempo, quando a minha carne virar terra, a minha grama nasça verde e florida.
Vou comemorar cada pessoa boa que engole em seco essa corja e tenta achar e construir beleza neste mundo. Vou comemorar as pessoas que me acolheram em casa no momento da agressão, a pessoa que viu os assaltantes despejando todos os meus documentos na lixeira e se preocupou em me devolver mesmo correndo riscos e toda a rede de pessoas que tenta todos os dias acreditar que vale a pena sair e tentar viver mais um dia. Amanhã, com meu olho roxo, vou chamar meus amigos em casa e brindar, somar memória boa para fazer frente a todas as memórias duras diárias que me invadem, para que no final do meu tempo, quando a minha carne virar terra, a minha grama nasça verde e florida.
Fábia Schnoor - em 04-07-2009
10 Comments:
Concordo plenamente com você. Melhoras!
9:08 PM
dudv
Obrigada por tudo!
12:06 AM
oi Angela,
mamãe me passou sua mensagem sobre a Fábia. Gostei muito do texto dela. Desejo melhoras e lamento o que aconteceu sinceramente. É uma perplexidade contínua a gente ter que conviver de perto com a violência física e com a miséria material nas ruas, na porta de casa, nós que temos casa. Acho que nenhum de nós sabe exatamente o que fazer, já fiz e continuo fazendo música sobre isso mas me sinto muito impotente.
um beijo meu pras duas e parabéns pelos blogs, estão lindos.
9:30 PM
Obrigada Suely!
Enviei um e-mail pra vc. Quanto ao que fazer, eu só penso como se esta nossa sociedade fosse um corpo humano. Há que reforçar as partes saudáveis para que o que está doente possa se recuperar. Quem sabe amigos como temos tido consigam melhorar nossa cidade! É um desejo, querendo tornar-se uma esperança! um beijo e obrigada.
2:23 AM
Lamento o que lhe aconteceu e desejo as melhoras rápido.
Estou atolada em trabalho e houve alguns percalços pelo meio, não comigo mas com a minha mãe. Estava mesmo a precisar de um daqueles contos tão ao seu estilo, quando percebi que há oito dias que a Angela não escrevia nada, foi quando me lembrei de Ideália e soube o que lhe aconteceu.
Desejo que possa passear pelas ruas, fazer o seu trabalho, simplesmente caminhar ...... enviar-lhe a paz e o sossego que ainda se pode viver na minha aldeia.
Um grande beijo Angela e melhoras rápidas.
PS -Assim que me livrar do dossier da avaliação - o mais tardar 2ª feira dia 13 envio email.
8:15 PM
MA
Obrigada querida, eu sonho em morar numa cidade pequenina, em meio à natureza!
O que ocorreu foi com minha filha mais nova, a Fábia. E não conseguimos ter sossego. Hoje saiu uma matéria no jornal sobre esta violência que ela sofreu e os jornais, inconscientes, só faltaram dar seu endereço e horários, expondo-a ainda mais ao submundo que impera aqui no Rio.
Aguardo seu e-mail. um beijo e obrigada.
8:32 PM
ai.........!
beijo, Fábia.
8:00 AM
Dora
Enviei seu recado para Fábia. Ela vai fazer contato contigo. um beijo.
4:24 AM
Maravilhoso o texto, realista, sensível, verdadeiro e extremamente tocante. Estou contigo, povoemos o mundo de pessoas melhores e tomemos para nós a responsabilidade que nos cabe diante disso tudo. E continuemos vivendo e comemorando os belos momentos.
Gostei do seu blog, de suas palavras, obras e idéias. Parabéns.
http://diariodeumainsone.blogspot.com/
5:12 PM
Mariana,
fui ver seus textos. Gostei muito do que li e voltarei na medida do pouco tempo que tenho.
Este texto foi escrito por minha filha, Fábia, mas somos raiz e fruto.
Que coisa boa ainda existirem pessoas jovens sentindo e pensando como vocês. Alimentam a esperança do mundo.
6:09 PM
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