Desde sempre lembro-me viajando em imagens. Primeiro elas fugiram de meu olhar interno e se faziam ver mergulhadas em papel e cores. Depois vieram as palavras e a inspiração dos sonhos, pois foi a realidade que, muitas vezes, trouxe os pesadelos. Em busca de organizar este mundo interior surgiu a Ilha.União de idéias e sonhos, asas que herdei. Apresento-a em pequenos trechos e peço que questionem, perguntem muito para que ela possa tornar-se mais rica e interessante, lugar melhor pra viver.

28.3.06

Caronte ou A Viagem de Volta


A VIAGEM DE VOLTA.


Não tinham jantado. Passavam muito tempo trabalhando lado a lado no escritório da casa. Já era um hábito esquecerem da vida em frente à tela de seus computadores pessoais. Quando a fome chegou já eram altas horas.

- Que tal irmos à loja de conveniências, comprar algo diferente para comermos?
- Ótimo. Também já estou com fome. Assim que terminar este texto, iremos.

E assim fizeram. Aproveitaram para levar o cãozinho ao seu ultimo passeio do dia. Bateram a porta dos fundos e o elevador de serviço os levou direto à garagem. O gato preto ficava sempre em casa.

Engraçado como o ser humano projeta partes suas em bichos, amigos, livros e outras coisas do quotidiano. O gato era a parte mais calma dos dois.

A loja habitual fechara as portas mais cedo. Em dias de inverno as ruas desertas não estavam propícias ao comércio da madrugada.
No caminho de volta, a idéia de um simples macarrão instantâneo já se delineava misturada à preguiça, quando divisam o luminoso de uma outra loja menos conhecida. Nem todo o desejado ali havia, mas estavam livres do fogão.

Ao abrir a porta do elevador, já no andar de moradia, eles encontram a porta de entrada aberta. Uma surpresa e uma rápida revisitada nos movimentos da saída e... A memória de ambos nada registrara.

- Deixamos a porta aberta.
- É, precisamos estar atentos, estamos ficando velhos e esquecidos. Ainda bem que temos porteiros e o prédio é calmo. Nos dias de agora é um risco...
Um carinho na cabeça do gatinho, um pote de ração para o cãozinho e, seguem rumo ao microondas para saciar a fome.

Já estavam acostumados à vida a dois, recuperada com a saída dos filhos para construir novas famílias.
Enquanto um deles pega os pratos, o outro aquece a comida e, como numa dança em velha parceria, os passos não precisam ser ensaiados, se sabem de cor.

Tanta fome e nenhum olhar de receio pela casa. A atenção não registra a porta do banheiro de serviço entreaberta, fora do hábito.

O jantar é apreciado como só o sabem aqueles que estão famintos!
Louça lavada, cozinha arrumada, cão e gato refletindo a paz interna dos dois.

Mais um pouco de trabalho até que o estômago não atropele o sono e o beijo de boa noite encerre o dia.

--------------------------------------------------------------

Atrás da porta, do banheiro de serviço, ele espera pacientemente que toda a rotina se acabe.
A porta aberta foi o ensejo que aguardava há muito tempo.

A luz do andar se apaga, mas ainda há movimento no escritório. Teclas soam suavemente e, quando em vez, algum murmúrio de vozes o mantém alerta.

Afinal,... Som de água no banheiro e a luz do quarto que se acende para apagar, em seguida.
Um som. Música! Ah!... Como as crianças, eles dormem com musica! Melhor assim.

Escuro na casa. Apenas a luz da rua impede o negro total.
Pé ante pé, ele percorre os aposentos. Seu andar é suave como a sombra da noite.
Já tem o hábito de fluir no escuro.

Escuta atento. Já ressonam. É hora de atravessar o corredor que leva ao quarto.

O cão não late. Um pedaço de bolo de mel o distrai, como sempre foi e será.

Nos copos à cabeceira, despeja um pouco das águas de Estige, o rio.

Deitado junto aos dois, dirige a longa viagem.



Angela Schnoor.

4 Comments:

Blogger 125_azul said...

Rio de janeiro, 40 graus. Credo, que medo!

3:16 PM

 
Anonymous Anônimo said...

Este fato aconteceu conosco, aqui em casa. Quase tudo menos a visita de Caronte. Quando tiver que ser, até gostaria que fosse assim. dormindo, com musica... deste modo não haverá medo.


Te falo mais tarde, por email.

4:19 PM

 
Blogger Fábia said...

Isso não se faz com uma filha que conhece os personagens, os cenários, e as cenas! Ai ai ai!

6:28 PM

 
Anonymous Anônimo said...

Pois filha que já sabe que é de mentirinha nem se assusta!

12:03 AM

 

Postar um comentário

<< Home