Anima - pequenas histórias femininas 10
Teen Queen, Foto Jan Saudek 1987
conto 10
A SALVADORA
As censuras da infância não lhe haviam aprisionado a alma.
O temor da mãe estava localizado nas questões físicas. Era o contato, os corpos!
Para aquela mulher o afeto era um desconhecido, nem o desconfiava sob nenhuma pele, muito menos a da pequena filha que tinha o "mau hábito" de falar com as pessoas tocando-lhes as mãos, os braços, enlaçando-se nos torsos das pessoas, em abraços.
Que se cuidasse a menina. Ia acabar, era quase certo, tornando-se uma puta.
E, quando menos não fosse, incomodava as pessoas com seu toque e carinho.
No colégio, ao brincar de roda, as mãos ficavam aflitas para que acabasse a dança. Devia estar incomodando o reter daquelas mãos nas suas.
Foi se tornando dura e aparentemente fria como cabia bem a uma menina educada. Era tão obediente e temerosa que, quando nos habituais castigos, as horas passadas de cara para a parede não eram contadas pela mente, pois esta vagava em viagens inimaginadas por sua carcereira. Não, sua alma ainda não sabia o que era um castigo.
Já mocinha, o perigo crescia com seu corpo.
Não mais tocava as pessoas ao falar-lhes, e a timidez quase lhe impedia a fala como se as palavras tivessem mãos e braços e pudessem selar também, o seu destino.
Não mais tocava as pessoas ao falar-lhes, e a timidez quase lhe impedia a fala como se as palavras tivessem mãos e braços e pudessem selar também, o seu destino.
Tinha tendência a ser puta, embora nem soubesse direito o que era isso.
Mas o corpo de mulher, que cedo despontava, era uma ameaça constante.
Os pêlos! Sua pele coberta de penugem loura e fina, como uma folheação a ouro era, ao dizer da mãe, mais uma certeza: sinal de sensualidade. Ia ser puta.
Mas, nada lhe ensinaram sobre amor e,ao lado da dor, o sentimento dominava sob a forma de fantasia cobrindo as distâncias físicas que a separavam das pessoas.
Será que as putas sentiam aquilo?
Um dia levou uma surra quando disse que uma mocinha do bairro parecia puta. Será que havia se enganado? Talvez aquela condição fosse um privilégio seu!
Por que este estigma?
Sua alma confusa vagueava em fantasias tontas e seu cavalheiro viria salvá-la desta condição terrível.Passou a se apaixonar por figuras distantes e intocáveis.
Já bem moça, sonhava com um artista que via na TV. Ao ouvi-lo tocar as suas musicas sabia ser o homem que queria. Romântico e apaixonado, tão diferente dos rapazes perigosos e insensíveis que viviam,sedutoramente,lhe dizendo galanteios.
Entrou cedo para a faculdade. Sempre fora a caçula desde as turmas do colégio. Ali, parecia a salvo, entre as amigas.
A Universidade inaugurou um espaço cultural.
Um dia, assistindo a uma palestra sobre música,lá estava o seu herói em pessoa! Com o coração aos pulos, percebe o interesse dele em insistentes olhares. Após o encerramento, em meio ao bate papo coletivo, recebe a proposta para um encontro.
O bate-papo na lanchonete era vulgar e óbvio, mas ela não percebia sobre o que ele falava. Ao convidá-la para ir à sua casa onde tocaria e cantaria só para ela, disse as palavras mágicas, que confirmavam seus sonhos de resgate.
Já sabia tudo sobre a vida dele. Embora entrado em anos, morava com os pais em seleto prédio da zona sul da cidade. Não tinha porque negar o encontro.
Era seguro.
Quando saltaram do táxi, ela estranhou o lugar, mas preferiu pensar que se enganava, pois teve vergonha de questionar e afinal afastar, com seu comportamento tolo, a oportunidade do recital privado.
Entraram num apartamento escuro e sujo e alguma coisa tocava um alerta em sua alma criança. Àquela altura da vida, instruída pelas colegas, já tinha uma vaga idéia dos perigos que corriam as moças do seu tempo, mas sua alma não queria crer no que intuía.
Lembrou que estava menstruada e, em segundos, sua segurança foi restaurada. Haviam lhe afirmado que os homens não tocavam em moças naquele estado.
Mais tranqüila ficou quando viu o violão em suas mãos e as primeiras notas eram dedilhadas.
Mas, não durou muito o encanto. Veio um abraço, um beijo e... Como num passe de mágica aquele homem a subjugou. Embora esperneasse com toda a energia, as forças, fora a surpresa, eram muito desiguais. Sob o seu domínio, a alma em pânico, passou em revisão torturante seus sonhos de menina.
Não sabia quanto tempo havia durado aquela cena, só era claro que um véu caíra de seus tolos dezessete anos e, uma vez libertada, o desespero tomou conta de seus atos.Enquanto gritava em prantos, entre ingênua e ridícula, reivindicando a reparação num casamento, seu herói ria descaradamente e zombando dela em riso frouxo, despiu-se e entrou sob o chuveiro.
Neste exato momento, pela primeira vez sua alma foi castigada.A dor rasgando o peito, impotente e sabendo - se à beira de um colapso, eis que se sente salva, de repente.
Cara limpa, às gargalhadas, despe a roupa que não foi tirada e junto ao insensível vilão mergulha, no mesmo banho, a puta que a salvava.
©Copyright ANGELA SCHNOOR
11 Comments:
Sabe que é precisamente por ter esse "mau hábito" que me chamam Melga?
É essa necessidade constante do toque, da pele, do abraço (e da falta deles) que me tem tornado numa pessoa amarga.
Penso que por vezes sou mesmo chata e aborrecida.
10:54 AM
dançar a vítima, encarnar a pita, escancarar. não quero que acabem as 17 histórias de mulheres!
Beijo, abarce muito nosso reizinho amanhã, que a festa vai ser maravilhosa, eu sei!
2:51 PM
ah, acto falho! vc bem diz que há algo aí! Pita, em Portugal é garota. Eu queria escrever puta, acto falho e não chateia Freud!!!
2:53 PM
Já viu ursa maior, nossa 125_azul virou arara azul grande lá do pantanal...
Olha só o arzinho namoradeiro dessa menina...
eh... eh... eh...
5:38 PM
É melguinha, e uma das coisas mais importantes a te dizer pelo seu mapa é que deves pegar, tocar, beijar, acarinhar, massagear e também receber disto tudo de forma bem desprendida! Este é o teu doce, tua rapadura, teu adoçante, teu mel!
C_mim, esta arara deu outra vida ao azul!
125 arara!
Abraçarei o reizinho e vou
contar-lhe que tem uma tia muito engraçada que faz a vó dele rir muito com suas piadas psifróidas!
beijos,amiga.
3:29 AM
É Ursa querida.
O pior mesmo é ter pouco a quem fazer(ou mesmo ninguém) e ninguém mesmo de quem receber.
Percebe agora a amargura?
11:22 AM
Melguinha,
Você tem carinho para dar e receber neste universo cibernético...
Aproveite!!
2:02 PM
Eu sei C_min e agradeço imenso.
Não sei se me entende, mas é tudo uma questão de toque, de cheiro.
Virtual não chega embora seja muito, muito bom.
Obrigada mais uma vez por me dedicar algum do seu tempo.
2:20 PM
Meninas, vocês não sabem como é interessante ler o que escrevem. Agora, por exemplo - Melga descreve de forma absolutamente correta ( pelo caminho de seu mapa) o que precisa para crescer e sentir-se bem. É contato físico mesmo, de fato, concreto! E de segurança material e digo que seria bom buscá-lo com amigos e amigas, não ficar esperando por uma paixão. Mas asseguro que ela virá se começar pelos amigos, umas relações carinhosas mas não exclusivas, entende?
Já C_mim estará bem no caminho da fraternidade mental, das idéias,no espaço cibernético. Seria bom ampliar seu universo, sair da toca e viajar pelo mundo,de que modo for possível.
Vão conseguir, tenho certeza! bj.
6:10 PM
Ursa querida obrigada pelas suas palavras.
Mas não, não estou esperando por nenhuma paixão. Já não tenho idade para isso.
Já ficaria muito feliz com esse carinho especial da família e dos amigos.
Mas nem todas as pessoas têm vocação para melga e não entendem o que sinto.
7:02 PM
Eh lá... já fez minha rodinha da vida?...
Sabe que há bem pouco tempo andei meio doida com vontade de ir para a suiça fazer um curso?
Depois desisti da ideia... A justificação foi que seria caro demais para aguentar 2 anos de curso que é muito intenso.
7:40 PM
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