Anima - pequenas histórias femininas 11
Na maioria das mulheres as cicatrizes se encontram na alma.
CONSUELO
O cigarro entre os dedos tingidos de ocre causou tanto espanto à minha estética exigente, como o sorriso que ostentava dentes escuros como mostarda.
Mas devo confessar, era bela, e os cabelos grisalhos presos num coque em desalinho faziam contraste interessante com o corpo magro, o porte esguio e nobre e o rosto como se fora talhado em pedra.
Os olhos, negros e grandes, franziam em pequenas rugas que tentavam disfarçar, no esgar dos lábios, o sorriso enigmático de quem sabia das coisas da vida.
De sua vida eu sabia, apenas, que tinha um filho longe e o forte sotaque me remetia para mosaicos e cores espanholadas. Mas uma coisa minha alma adivinhava ao cruzar aquele olhar: tinha sido e ainda era, uma mulher da vida, não da morte. Cafetina, talvez.
Queria saber da ansiedade que lhe consumia os dias e pintava de ocre seus velhos dedos magros e do sempre sorriso, mordaz; quase sempre cúmplice, como quem sabe das coisas da vida.
Às vezes deixava a casa da amiga e voltava para o Rio. Onde morava? Com quem? O filho longe... Ouvia em conversas vagas, distantes. E voltava, de repente, silenciosa e amarelada trazendo de volta o mesmo constante sorriso de quem sabe das coisas da vida.
Um dia tomei coragem e perguntei o porque de seu nome. O que tinha causado a escolha, Era comum em sua terra?
Começou a falar mansamente, com o sorriso triste de quem sabe das coisas da vida : "- Minha mãe teve um amor. Ele se foi, como tantos, num navio.”
Ela ficou como fruto, maturando em saudade e abandono e tornou-se a Consuelo de sua mãe. A partir de seu nascimento estava traçada sua história: servir de consolo a quantos sofressem abandonos.
Desde pequena procurava fazer tudo que pudesse por um sorriso de sua mãe.
Todas as noites, ao lado do espelho e da fraca luz, fitava embevecida aquela mulher que pintava os lábios de carmim e balançava os negros cachos antes de sair para o cais, levando-a pela mão.
Sentada num canto, do sempre mesmo bar, via a mãe acender seu cigarro enquanto conversava e bebia com algum homem recém chegado em um navio qualquer.
Depois adormecia, encolhida, até que fosse acordada para a volta à casa.
Quase sempre já nascia um raio de sol que tingia de ocre as pedras do caminho e a bruma do cais.
Em casa, a mãe, despida, jogava-se na cama e a abraçava pedindo: - “Venha cá, mi Consuelo”.
E ela ia...e fazia de tudo para conseguir ser o prazer de sua mãe.
Acabou por aprender aquele sorriso de quem sabe das coisas da vida. E o cigarro, aceso entre os dedos, reproduz hoje tantas lembranças, tingindo de nascer de sol a bruma triste do maturado abandono.
Sabia ter nascido para ser o Consuelo!
©Copyright ANGELA SCHNOOR
11 Comments:
Ursa querida, pensando bem, há tanta gente que nasce só para isso.
Beijinho grande.
PS - Vá inventando mais histórias porque a nº 17 aproxima-se a passos largos.
8:16 PM
hola angela!
me gustan mucho las imagenes que eliges para tu blog!
también me gusta esa frase que se repite varias veces : "Na maioria das mulheres as cicatrizes se encontram na alma."
(Los cuentos me cuesta leerlos porque no manejo muy bien el portugués.)
gracias por tu comentario en mi blog!
ah! que bueno un blog con música ¿cómo hiciste para poner música en tu blog? eso me encantó!
un abrazo!
9:16 PM
Grata por tudo Cecília.
Não fui eu que coloquei a música no blog.
Uma amiga portuguesa colocou para mim.
Deixe que ela veja sua pergunta!
Mas ela me deu instruções e posso passar para você.
Vou colocar em seu blog.
Um grande abraço e espero que muitas pessoas vejam suas belas joias.
1:35 AM
Melga querida, já estou pensando na nova versão da Anima mas tenho outras histórias... de outros feitios!
Quanto a esta, Consuelo, acho que vc. só captou uma parte do drama!
Veja o que diz nossa arara azul.
1:38 AM
Quando o destino já vem do útero... de repente imaginei a bela Consuelo a sair de uma das casinhas encantadas do bairro Schnoor, movendo vagarosamente as ancas, cumprimentando vovô Emílio...
7:46 AM
Consuelo e vovô Emílio daria uma história surreal deslocada no tempo e no espaço.
Gostaria de saber se não deixei os meandros desta história, mesmo subentendido, o suficiente para que percebessem. É apenas para uma avaliação da clareza ou não do que pretendo dizer ou insinuar... pois me parece que não ficou explícita a relação dela com a mãe.
Consuelo não era Prostituta, muito ao contrário...
1:26 AM
Pois, eu confesso que não percebi muito bem qual a relação das duas.
7:37 AM
Melga, leia de novo com atenção, os penúltimos parágrafos desta história. Você que fala tanto nos "brinquedinhos"! Nem todos usam brinquedinhos modernos e eletrônicos...
Consuelo tentava satisfazer sua mãe...de todas as maneiras!
9:53 PM
Angela estou sem jeito para cá voltar e super envergonhada.
Nunca pensei que percebesse as minhas brincadeiras.
Desculpe-me.
Beijinhos.
11:30 AM
Oi Minha florzinha melguenta,
Não se envergonhe por brincar!
venha sempre aqui e pode brincar aqui também. Me orgulho por ter tido um pai muito sério em questões profissionais mas muito irreverente e brincalhão também.Como já disse, a mente mais aberta que conheci e de quem herdei muito.
Brinque bastante de toda maneira! Nestes momentos não me veja como Ursa mãe ok?um bj.
2:48 PM
Sim, ficou claro a natureza da relação de Consuelo com a mãe, daí o comentário de destino traçado do útero: veio para substituir prazeres abandónicos.
Todas as suas leituras têm nuances e subtilezas que permitem um amplo expectro de interpretações, a maior parte reflexo de nossos sistema de crenças, digo eu.
3:12 PM
Postar um comentário
<< Home