Desde sempre lembro-me viajando em imagens. Primeiro elas fugiram de meu olhar interno e se faziam ver mergulhadas em papel e cores. Depois vieram as palavras e a inspiração dos sonhos, pois foi a realidade que, muitas vezes, trouxe os pesadelos. Em busca de organizar este mundo interior surgiu a Ilha.União de idéias e sonhos, asas que herdei. Apresento-a em pequenos trechos e peço que questionem, perguntem muito para que ela possa tornar-se mais rica e interessante, lugar melhor pra viver.

10.4.06

Histórias para contar

A Cadeira Quebrada
Aquarela de Sonia Fragozo

Já era uma senhora quando aquela doença começou a minar sua energia.
A fragilidade dos ossos e músculos exigia muito esforço de seu corpo dolorido.Não podia mais sair de casa e a família, distante, raramente a visitava embora cuidasse de sua saúde com excesso de zelo, através do médico de sua confiança.

Tinha uma antiga empregada, a velha Joana, dedicada e amorosa que a tirava do leito todas as manhãs e durante a hora do sol ela a levava, com cuidado, à sua velha cadeira colocada, estrategicamente, diante da janela.
Ali, sentada, podia distrair-se olhando o parque onde as crianças brincavam e os pequenos animais corriam à volta.Fitava o lá fora com desejos de liberdade.O pequeno apartamento, embora confortável, era a gaiola que lhe dava segurança, mas impedia o vôo.

Pedia sempre à Joana para fazer um passeio que, por mais curto que fosse, já seria um pequeno esvoaçar.Ás vezes era atendida, mas Joana tinha muito a fazer , cuidando de tudo em casa e restava pouco tempo para saídas.A cadeira à janela era sua única relação constante, com o mundo exterior.

A preocupação de todos em atendê-la e cuidá-la, parecia não deixar espaço para atividade alguma. Sentia-se morta em vida, não fosse pelas manhãs em sua cadeira antiga.

Um dia, Joana foi chamada às pressas para atender a uma filha, em dificuldades sérias com um bebe prematuro.Como não podia ir junto, pois as viagens estavam no rol dos impedimentos, ela ficou.Seriam poucos dias, uma semana talvez, e ela podia devagar e com jeitinho, cuidar de si mesma. Tinha à mão os telefones do médico da família e uma vizinha de porta viria vê-la, ao chamado.

Passados os dois primeiros dias, acordou mais bem disposta.O caminhar pela casa que, às primeiras horas era bastante penoso, começou a tornar-se mais ágil. O corpo já não doía tanto!No terceiro dia, ao aproximar-se da janela tropeçou e, se amparando de mau jeito na velha cadeira, tombou-a!
Estupefata, viu uma das pernas de madeira maciça, mas antiga, partida em dois pedaços!
E agora? Pensava...Como faria para ter seu único e essencial prazer?
Tentou, a principio, apoiar-se ao parapeito mas permanecer de pé, parada, era mais difícil que andar aos poucos.Teve uma noite triste, mas tentou dormir e deixar para depois o pedido de ajuda. Ainda bem que o barulho não chamara a atenção da vizinha!

Durante a noite teve um sonho lindo. Sonhara que sua cadeira, sem pernas, era como um tapete mágico que a levava a voar por sobre a imensidão do parque. A sensação de leveza, o vento brincando com seu velho corpo, as risadas das crianças lá embaixo, fez com que acordasse tão esperançosa e feliz que decidiu ousar.

Manhã bem cedo, prepara-se com cuidado, apanha sua bengala e desce até a rua. Pede ajuda a uma jovem para atravessar e, finalmente, chega ao parque.Sentada no banco longo do parque, sorria olhando a sua janela vazia e agradecendo aos céus o tombo da cadeira, a ausência de Joana e a vizinha muito ocupada.Neste dia deu alguns poucos passos, mas sua noite foi bem mais tranqüila e repousante.

Todas as manhãs, ela passou a repetir a travessura e a cada dia sua resistência aumentava e podia caminhar um pouco mais.Qual não foi a surpresa de todos, quando Joana voltou e a encontrou no parque, conversando com outras senhoras e brincando com os pequenos.

Para completar, seus exames médicos mensais apresentaram resultados de melhoras impensadas!A cadeira quebrada ficou, escorada, no mesmo lugar e todos os dias recebia um afago agradecido antes do passeio autônomo, pelo parque.

**************************

A agressividade saudável é uma força profunda, que nos dá o ímpeto de aprender novas habilidades e a base para conseguirmos a independência e o afastamento daqueles que poderiam nos dominar ou nos dar proteção excessiva.

©copyright Angela Schnoor

Posted by Picasa

6 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Temos que tentar ir sempre um pouco mais além,não é Ursa querida?

A fazer das nossas fraquezas, força.

Beijinho e bom dia.

6:43 AM

 
Blogger greentea said...

se nós não ousarmos
quem ousará por nós!

Demasiada protecção , inibe o comportamento normal, não deixa tomar decisões. È preciso uma certa dose de independencia de agressividade - agressividade criativa - para nos lançarmos no mundo lá de fora...

Um beijo

6:48 AM

 
Blogger 125_azul said...

Quebrar a cadeira, chutar o balde, voar para além dos limites, abandonar o conforto protector da gaiola, ser feliz. 'bora lá, tou pronta!

11:48 AM

 
Anonymous Anônimo said...

Olá,Ideália!

Me falaram que esse blog era muito bom, eu não imaginava o quanto.
Amei suas palavras, do começo ao fim.

Superação, é fundamental. Ela pode ser entendida como vontade de poder,ou até mesmo como agressividade,de ousar e conseguir.Na história humana, o desafio sempre foi um item de boas discussões, valendo-se dos efeitos resultantes em cada caso. Para alguns, o desafio causa temor, para outros a motivação, outros ainda, a superação, e há aqueles que se mantêm indiferentes.

beijos com carinhos pra vc e pra NOSSA Melguinha!

7:25 PM

 
Anonymous Anônimo said...

poxa!!! me identifiquei tanto c o texto!!! é hora de quebrar cadeiras e seguir adiante! espero ter forças p isso!!!
bjk

12:28 AM

 
Blogger Angela said...

Caramba!
Que turma boa de mulheres independentes, quebradoras de cadeiras, muletas, cercas e tal...! Vamos guardar lenha para nossos invernos e não vai haver tristeza e nem artrite que resista!

Adorei esta reação bonita às acomodações! Até Melguinha está tão lindamente feroz e optimista!

E, grata a C_mim que, gentilmente escolheu e postou para mim a musica de Renato Russo, um aniversariante ariano!
Um belo "rebelde construtivo".

E, libriana ansiosa... que os carneiros da tua vida se cuidem ou vão se perder de teu amoroso pasto!

Ah, os homens que me perdoem mas ser mulher é fundamental!
(Ô V.de Moraes, perdõe-me sim?)

1:14 AM

 

Postar um comentário

<< Home