Desde sempre lembro-me viajando em imagens. Primeiro elas fugiram de meu olhar interno e se faziam ver mergulhadas em papel e cores. Depois vieram as palavras e a inspiração dos sonhos, pois foi a realidade que, muitas vezes, trouxe os pesadelos. Em busca de organizar este mundo interior surgiu a Ilha.União de idéias e sonhos, asas que herdei. Apresento-a em pequenos trechos e peço que questionem, perguntem muito para que ela possa tornar-se mais rica e interessante, lugar melhor pra viver.

6.4.06

Avessos

AVESSOS

A moça entrou no ônibus apressada.
Como, em quase todo dia, ia chegar tarde ao trabalho!
Que canseira! Noite mal dormida, calor, fim de ano! As preocupações eram como borboletas voando na mente...Precisava encontrar outro apartamento...
Esses vizinhos que brigavam às madrugadas com seus gritos e pancadarias traziam tão perto e real a violência da cidade... despertavam inquietações que pensava quase esquecidas...

Um lugar vazio! Sorte. Sentou-se rapidamente para aproveitar alguns momentos mais de descanso. Em segundos, cochilava, abraçada na bolsa. Sabia ser um sono em suspenso... podia perder o ponto...assaltos nos ônibus já eram quase rotina na cidade e também temia despencar sobre o passageiro ao lado.

Alguns quarteirões adiante uma freada mais brusca a trouxe de volta de um princípio de sonho.
"Onde estava?" Ao se ajeitar no banco, aprumando o corpo esbelto e alisando os cabelos ouve um pequeno ronco e olha na direção do som, pisca...acha que ainda está sonhando...Não acredita no que vê.

Do assento ao lado o ronco prossegue. Em sono profundo, vê uma jovem albina e completamente coberta de pintas escuras. - "parece um dálmata", pensou. Piscou novamente...

Era uma estranha figura, nem tanto por causa da pele e dos pelos tão brancos, pois que já havia visto muitos albinos, mas porque, além dos imensos sinais espalhados pelo rosto e corpo, algo ainda mais inusitado fazia da mulher um ser muito especial. Trazia no colo uma mancha verde que se movia no mesmo embalo do sono de sua dona. A moça custou mas, acabou por distinguir na tal mancha um pintinho cuja coloração natural tinha sido esverdeada com alguma tintura. A cada movimento do ônibus a jovem se ajeitava e a ave se acomodava no côncavo de seu braço, continuando ambos, o seu sono de paz.

A moça não conseguia tirar os olhos da imagem enquanto pensava... - “Será que ela o pintou desta cor para ter companhia em sua singular aparência?”.
Ficou imaginando a solidão daquela quase menina... Tão diferente...Talvez amedrontasse pessoas... Quem sabe seu companheirinho preenchesse seus vazios? Talvez fosse uma jovem comum, teria família, teria namorado?
E, perdida em conjecturas, quase passou do seu ponto.

A moça bonita, jovem, atraente, com aparência comum tinha um trabalho, uma casa e um cachorrinho naturalmente branco e tentava, em todas as noites de brigas e gritos vizinhos esquecer os dias em que a estranheza era sua companheira no hospital psiquiátrico onde o verde era apenas a cor das plantas do jardim.

Angela Schnoor

9 Comments:

Blogger greentea said...

linda história esta!

Fiquei presa até ao fim.

Beijo para ti.

5:15 AM

 
Anonymous Anônimo said...

Bom dia Ursa Mãe.

Mais uma história linda.

Onde vai buscar tanta imaginação?

Beijinho.

7:45 AM

 
Blogger Folha de Chá said...

Que bonitos, estes avessos. Que lindas palavras. Gostei tanto desta Ideália, que vinha agradecer a visita ao Cha e agora apetece-me ficar por aqui. :) Voltarei.

8:06 AM

 
Anonymous Anônimo said...

Voltei Ursa Querida.

Hoje o dia para mim está péssimo e não é só por causa do tempo.

Estive a pensar na sua história de hoje e acho que,por vezes, os loucos conseguem ser felizes.

Por favor envie um bocadinho de sol para a nossa arara querida que está furiosa com a chuva que voltou(post de hoje).

É pena que não esteja por aí.
Gostava de trocar umas palavras consigo Ursa Mãe.

Muitos. muitos beijinhos.

11:45 AM

 
Anonymous Anônimo said...

E está ganhando umas amiguinhas novas.
Que bom.

11:47 AM

 
Anonymous Anônimo said...

Queria acrescentar que loucos somos todos um pouco.

Já felizes, só alguns abençoados(embora esta palavra seja para mim de difícil definição).

Desculpe tanto comentário mas não me tem apetecido sair de casa e, sabe-me bem passar por aqui.

Beijinho.

3:01 PM

 
Blogger 125_azul said...

Você!!! Eu digo, repito, tripito: você tem que publicar!!!
Os finais, absolutamente inusitados, maravilhosos!
E minhas amigas virtuais descobrindo vc e vice-versa, tão bom, esse sentimento de pertença.
Beijinho, amiga abençoada

5:31 PM

 
Anonymous Anônimo said...

Obrigada queridas amigas!

É muito bom saber que, lendo meus textos podem acrescentar algo às suas vidas, a meu ver muito ricas de saber e de sentir.
Estas histórias, volto a dizer, são fruto de vidas vividas e a mim contadas, outras partem de observações e muita fantasia e outras têm muito da projeção de sentimentos meus, por vezes antigos, infantis!

Fico feliz com a visita destas pessoas que, pelos blogs que conheci, tem tanto a expandir meu universo com suas belezuras! Grata a todas, com carinho, Angela.

1:27 AM

 
Anonymous Anônimo said...

Melguinha, sei que vc. não tem blog ,mas acaba sendo como se tivesse pois fica Existindo muito presente em nossas salas e eu gosto muito de te saber por aqui.
Não vou desejar que chova muito pois quero todas alegres mas bem que gosto de chuva e da ajuda que presta à proximidade!
beijo.

1:31 AM

 

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