Desde sempre lembro-me viajando em imagens. Primeiro elas fugiram de meu olhar interno e se faziam ver mergulhadas em papel e cores. Depois vieram as palavras e a inspiração dos sonhos, pois foi a realidade que, muitas vezes, trouxe os pesadelos. Em busca de organizar este mundo interior surgiu a Ilha.União de idéias e sonhos, asas que herdei. Apresento-a em pequenos trechos e peço que questionem, perguntem muito para que ela possa tornar-se mais rica e interessante, lugar melhor pra viver.

1.4.06

Anima - pequenas histórias femininas 17

Na maioria das mulheres as cicatrizes se encontram na alma

Priestess of Delphi - Pintura de John Collier

Conto 17
A CARTOMANTE


A propaganda dizia:

DONA LARA, A VIDENTE GLOBAL.
Fortes poderes mediúnicos, corta feitiços, devolve maridos, desfaz olho grande, amarrações de amor e negócios. Devolve sua saúde, seu emprego, corta vícios e impotência.
Abre seus caminhos para todos os fins através das vibrações da Estrela da Sorte.
ATENDE COM BÚZIOS, CARTAS CIGANAS E LEITURA DAS MÃOS.
GARANTIA IMEDIATA DOS TRABALHOS.
CONSULTAS COM HORA MARCADA.

Lendo o endereço, Patrícia ficou sossegada, não teria que faltar ao trabalho ou arranjar uma desculpa para passar um dia inteiro num subúrbio qualquer. Dava pra ir à hora do almoço e, mesmo que atrasasse um pouco, valeria a pena.
Estava muito angustiada. Há meses o marido estava estranho. Não a tocava, quase não falava, tinha o olhar distante e cada questionamento dela vinha sempre seguido da desculpa pelas preocupações com o trabalho. Sabia pelos colegas dele que tudo ia bem na empresa, nada de novo ocorria, o chefe até que o elogiava e parecia apoiá-lo bastante.
Nos finais de semana dormia muito e, às vezes, saia com os velhos amigos de sempre, para um chope.
Nada de horários tardios ou escapados a não ser as que sempre foram seus programas desde o namoro.
Chegou a pensar em doença. Eram muito moços e, aquela falta de disposição física tinha se tornado uma constante, só quebrada por algumas “peladas domingueiras".

Quando passou de volta do almoço e recebeu na rua, quase à força, aquela filipeta em sua mão, sentiu que o destino tinha vindo em seu socorro. Guardou o papel com cuidado e não falou sequer para a melhor amiga. Telefonou e marcou hora para uma quarta-feira, às treze horas. Gostava do numero treze, dava-lhe sorte, era como sua Estrela, ao contrário do que muitos pensavam. E, naquele dia o chefe estaria viajando de modo que, qualquer atraso não se tornaria um problema.

Na hora e dia marcados, lá estava num pequeno apartamento simples, mas ao contrário do que supunha, decorado com bom gosto. Uma jovem franzina a recebera à porta e, indicando uma poltrona delicada, pediu que aguardasse, desaparecendo, em seguida, por um corredor escuro.

Enquanto esperava, ia imaginando como seria a “miraculosa" dona Lara.
Como deveria ser a aparência de alguém que tinha poderes mediúnicos?
Nada naquela pequena saleta indicava alguém diferente do comum dos mortais.

Pouco tempo depois, a surpresa! Uma bela e jovem mulher, com longos e sedosos cabelos que fariam as delícias de qualquer propaganda de xampu aparece e, com voz grave e ligeiramente rouca a introduz em seu pequeno recinto de magias.

Nada no local indicaria a razão de sua entrevista não fossem as cartas dispostas sobre a pequena mesa redonda iluminada por antiga e discreta lamparina.
Assim como a médium - vidente, o ambiente tinha classe e um odor agradável de lavanda que a tudo impregnava.

Timidamente sentou-se ao comando forte daquela figura imperativa.
Tremia bastante e tentou disfarçar seu constrangimento quando Lara pediu com jeito doce que se acalmasse.

Por um interminável momento tomou-lhe as mãos e as examinou com meticuloso cuidado. Sem dizer palavra, largou - a e pegou o baralho.
Enquanto embaralhava as cartas já ia falando sobre sua questão amorosa.
Ela não havia dito uma só palavra e aquela mulher parecia despi-la expondo toda a sua vida, seus temores, sua personalidade.

Quando começou a falar do marido, Patrícia percebeu um leve tremor nas mãos de Lara, o que, repentinamente, pareceu fazer da cartomante uma mulher de carne e osso, talvez emocionada com o que "via" no jogo. Possível afinidade feminina pensou...

Essa impressão foi desfeita num átimo, quando voltou a falar com franca segurança, descrevendo não só o comportamento antigo como o atual do rapaz e, com precisão fotográfica, sua imagem.
Concentrada, olhos fechados quase em êxtase, Lara falou : - "Vá para casa, seu marido tem uma amante mas hoje, no momento em que você o questionar, ele fará sua opção pelo casamento. Aos poucos, tudo voltará ao normal e, esta outra mulher será apenas uma lembrança. Ele não conseguirá te deixar."
- “Vai em paz."

Patrícia levantou-se cambaleante. A notícia não era uma surpresa, ela já a adivinhava, mas ouvir as palavras que traziam à tona de sua consciência uma certeza íntima, também a colocava em contato com outras questões pessoais. O que tinha propiciado este acontecimento em sua vida? O que estava faltando em seu casamento?
Levantou-se, deixando o pagamento da consulta sobre a mesa.

A dor se estampava em sua face, mas não queria mostrar-se mais despida ainda diante daquela mulher de cera que permanecia sentada, com os olhos baixos, alheia e indiferente, como se rezasse.
Iria para casa sim, precisava preparar-se para uma longa e difícil empreitada.

A moça franzina apareceu do nada e abriu-lhe a porta.
Pensou: - "será que isto é que ela chama de: abrir caminhos?”.

Dentro do quarto, Lara abriu uma porta de comunicação com seu quarto.
Sobre a larga cama, um jovem dormitava enquanto aguardava o término daquela consulta fora de rotina que lhe roubara a hora do almoço, há meses dedicada ao amor, desde que conhecera sua deusa.

Lara aproximou-se com cuidado. Passou a mão, lentamente, por seus cabelos enquanto sua rouca voz ganhava entonação mais cheia de doçura.
Devagar falou: - "Vá embora, amanhã voltarei para casa. Reencontrei meu marido e ele me aguarda. Nosso caso termina aqui. Te quero bem, mas não te amo mais. Volte para sua esposa”.

E, dizendo isso, sumiu pelo corredor onde apenas a filha franzina, poderia ver-lhe as lágrimas.


©Copyright Angela Schnoor

4 Comments:

Blogger 125_azul said...

onde lara atende, mesmo? Cartomante ética, era só o que nos faltava!

7:53 AM

 
Anonymous Anônimo said...

Olha que temos éticas por aqui mas assim tão desprendidas... não sei!

Será que Melguinha ficou mesmo com vergonha de vir aqui ou está se divertindo lá em c_mim?

Os contos Anima estão terminando...

4:08 AM

 
Anonymous Anônimo said...

Não me estou divertindo em lado nenhum Ursa querida.

Aos pouquinhos vou tentar voltar.

Que pena os contos estarem terminando.

Um beijinho doce.

10:53 AM

 
Anonymous Anônimo said...

Breve vou escrever mais, os que moram na cabeça por enquanto, mas vêm outros que são fora da coleção...
Um beijo melguinha, obrigada!

3:35 PM

 

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