Anima - pequenas histórias femininas 17
Na maioria das mulheres as cicatrizes se encontram na alma
Priestess of Delphi - Pintura de John Collier
Conto 17
A CARTOMANTE
A propaganda dizia:
DONA LARA, A VIDENTE GLOBAL.
Fortes poderes mediúnicos, corta feitiços, devolve maridos, desfaz olho grande, amarrações de amor e negócios. Devolve sua saúde, seu emprego, corta vícios e impotência.
Abre seus caminhos para todos os fins através das vibrações da Estrela da Sorte.
ATENDE COM BÚZIOS, CARTAS CIGANAS E LEITURA DAS MÃOS.
GARANTIA IMEDIATA DOS TRABALHOS.
CONSULTAS COM HORA MARCADA.
ATENDE COM BÚZIOS, CARTAS CIGANAS E LEITURA DAS MÃOS.
GARANTIA IMEDIATA DOS TRABALHOS.
CONSULTAS COM HORA MARCADA.
Lendo o endereço, Patrícia ficou sossegada, não teria que faltar ao trabalho ou arranjar uma desculpa para passar um dia inteiro num subúrbio qualquer. Dava pra ir à hora do almoço e, mesmo que atrasasse um pouco, valeria a pena.
Estava muito angustiada. Há meses o marido estava estranho. Não a tocava, quase não falava, tinha o olhar distante e cada questionamento dela vinha sempre seguido da desculpa pelas preocupações com o trabalho. Sabia pelos colegas dele que tudo ia bem na empresa, nada de novo ocorria, o chefe até que o elogiava e parecia apoiá-lo bastante.
Nos finais de semana dormia muito e, às vezes, saia com os velhos amigos de sempre, para um chope.
Nada de horários tardios ou escapados a não ser as que sempre foram seus programas desde o namoro.
Chegou a pensar em doença. Eram muito moços e, aquela falta de disposição física tinha se tornado uma constante, só quebrada por algumas “peladas domingueiras".
Quando passou de volta do almoço e recebeu na rua, quase à força, aquela filipeta em sua mão, sentiu que o destino tinha vindo em seu socorro. Guardou o papel com cuidado e não falou sequer para a melhor amiga. Telefonou e marcou hora para uma quarta-feira, às treze horas. Gostava do numero treze, dava-lhe sorte, era como sua Estrela, ao contrário do que muitos pensavam. E, naquele dia o chefe estaria viajando de modo que, qualquer atraso não se tornaria um problema.
Na hora e dia marcados, lá estava num pequeno apartamento simples, mas ao contrário do que supunha, decorado com bom gosto. Uma jovem franzina a recebera à porta e, indicando uma poltrona delicada, pediu que aguardasse, desaparecendo, em seguida, por um corredor escuro.
Enquanto esperava, ia imaginando como seria a “miraculosa" dona Lara.
Como deveria ser a aparência de alguém que tinha poderes mediúnicos?
Nada naquela pequena saleta indicava alguém diferente do comum dos mortais.
Pouco tempo depois, a surpresa! Uma bela e jovem mulher, com longos e sedosos cabelos que fariam as delícias de qualquer propaganda de xampu aparece e, com voz grave e ligeiramente rouca a introduz em seu pequeno recinto de magias.
Nada no local indicaria a razão de sua entrevista não fossem as cartas dispostas sobre a pequena mesa redonda iluminada por antiga e discreta lamparina.
Assim como a médium - vidente, o ambiente tinha classe e um odor agradável de lavanda que a tudo impregnava.
Timidamente sentou-se ao comando forte daquela figura imperativa.
Tremia bastante e tentou disfarçar seu constrangimento quando Lara pediu com jeito doce que se acalmasse.
Por um interminável momento tomou-lhe as mãos e as examinou com meticuloso cuidado. Sem dizer palavra, largou - a e pegou o baralho.
Enquanto embaralhava as cartas já ia falando sobre sua questão amorosa.
Ela não havia dito uma só palavra e aquela mulher parecia despi-la expondo toda a sua vida, seus temores, sua personalidade.
Quando começou a falar do marido, Patrícia percebeu um leve tremor nas mãos de Lara, o que, repentinamente, pareceu fazer da cartomante uma mulher de carne e osso, talvez emocionada com o que "via" no jogo. Possível afinidade feminina pensou...
Essa impressão foi desfeita num átimo, quando voltou a falar com franca segurança, descrevendo não só o comportamento antigo como o atual do rapaz e, com precisão fotográfica, sua imagem.
Concentrada, olhos fechados quase em êxtase, Lara falou : - "Vá para casa, seu marido tem uma amante mas hoje, no momento em que você o questionar, ele fará sua opção pelo casamento. Aos poucos, tudo voltará ao normal e, esta outra mulher será apenas uma lembrança. Ele não conseguirá te deixar."
- “Vai em paz."
Patrícia levantou-se cambaleante. A notícia não era uma surpresa, ela já a adivinhava, mas ouvir as palavras que traziam à tona de sua consciência uma certeza íntima, também a colocava em contato com outras questões pessoais. O que tinha propiciado este acontecimento em sua vida? O que estava faltando em seu casamento?
Levantou-se, deixando o pagamento da consulta sobre a mesa.
A dor se estampava em sua face, mas não queria mostrar-se mais despida ainda diante daquela mulher de cera que permanecia sentada, com os olhos baixos, alheia e indiferente, como se rezasse.
Iria para casa sim, precisava preparar-se para uma longa e difícil empreitada.
A moça franzina apareceu do nada e abriu-lhe a porta.
Pensou: - "será que isto é que ela chama de: abrir caminhos?”.
Dentro do quarto, Lara abriu uma porta de comunicação com seu quarto.
Sobre a larga cama, um jovem dormitava enquanto aguardava o término daquela consulta fora de rotina que lhe roubara a hora do almoço, há meses dedicada ao amor, desde que conhecera sua deusa.
Lara aproximou-se com cuidado. Passou a mão, lentamente, por seus cabelos enquanto sua rouca voz ganhava entonação mais cheia de doçura.
Devagar falou: - "Vá embora, amanhã voltarei para casa. Reencontrei meu marido e ele me aguarda. Nosso caso termina aqui. Te quero bem, mas não te amo mais. Volte para sua esposa”.
E, dizendo isso, sumiu pelo corredor onde apenas a filha franzina, poderia ver-lhe as lágrimas.
©Copyright Angela Schnoor
4 Comments:
onde lara atende, mesmo? Cartomante ética, era só o que nos faltava!
7:53 AM
Olha que temos éticas por aqui mas assim tão desprendidas... não sei!
Será que Melguinha ficou mesmo com vergonha de vir aqui ou está se divertindo lá em c_mim?
Os contos Anima estão terminando...
4:08 AM
Não me estou divertindo em lado nenhum Ursa querida.
Aos pouquinhos vou tentar voltar.
Que pena os contos estarem terminando.
Um beijinho doce.
10:53 AM
Breve vou escrever mais, os que moram na cabeça por enquanto, mas vêm outros que são fora da coleção...
Um beijo melguinha, obrigada!
3:35 PM
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