Anima - pequenas histórias femininas 16
Na maioria das mulheres as cicatrizes se encontram na alma
LOLA, UMA VIDA EM AMOR.
Em homenagem
De todas as coisas que Lola já tinha vivido esta era, certamente, a mais sofrida e inesperada.
Enquanto arrumava a mala com todos os pertences de Sérgio, relembrava seus anos de namoro e casamento. Amava aquele homem, isto seu coração mantinha vivo, embora a morte da confiança batesse junto com seu compasso.
Quantas viagens mundo afora, plenas de descobertas e das mais loucas aventuras amorosas, montados em camelos, ou correndo por estradas européias, mãos e bocas embaralhadas entre freios e câmbios de vários idiomas!
E agora, em cada camisa, cueca ou par de meias, entremeavam-se viagens, sexo, e dor.
Ela o tinha seguido sim. Uma assustadora certeza a levara aos descaminhos da amargura e do abandono pelas ruas de Ipanema até ver o Jaguar prateado estacionado junto ao prédio da outra.
Cega e tonta voltara a casa e resolvera: troca de fechaduras, limpeza dos armários e a grande mala, aberta, estampava agora, o fim de sua história.
Foi à sala, decidida, e voltou com um belo par de chifres que haviam trazido de um safari. Arrumando-o, cuidadosamente, sobre as roupas, terminou com um bilhete: “Aos noivos com os cumprimentos da casa”.
Fechou a tampa da mala como quem dobra a contra capa de um romance bem escrito que deixa o autor na memória.
Sempre fora uma mulher de espírito e não era o momento de perdê-lo. (E, como o sabia necessário à sua sobrevivência!) Com ajuda do porteiro, colocou a mala no carro e entregou-a no edifício dos amantes. Amantes... Eles? Que ironia!
De volta, pela segunda vez naquele dia, agora caía sua resistência e precisava de apoio. Os filhos estavam fora, em férias e se, por um lado era melhor assim, por outro sentia falta de alguém para chorar a perda.
As irmãs chegaram rápidas, solidárias, revoltadas, sofridas de lembranças e temores, destino das mulheres de seu tempo. A outra!
"- Certamente aquela vagabunda estava interessada em seu dinheiro, assim que fizesse seu pé de meia, o deixaria por outro mais jovem...” afirmavam.
Ela sabia que não. Ela o amava e conhecia. Os óculos negros escondiam seus olhos inchados, que teimavam em vê-lo com o mesmo amor.
Com o passar dos meses, evitando todos os telefonemas e tentativas de aproximação de Sérgio, foi recompondo a vida. Saía com as sobrinhas, distraía os amigos com seu eterno bom humor e descarregava sua carência nos bichos.
Em seu bolso do antigo casaco, Violeta, uma ratinha branca, era a companheira de cinema. Pax, a pomba, fazia vôos rasantes sobre as visitas indesejáveis, surgindo do terraço da cobertura, enquanto Kátia, um Quati fêmea, corria pela casa e atacava as latas da dispensa.
Emagrecia valente e tristonha. A cada tentativa de ter outro homem, sempre se ouvia a mesma história. "- Ninguém é como ele... são tolos, transam mal. o amor que fazíamos na banheira... não dá, nada se compara aos nossos dias..."
Um dia, a notícia, A outra estava grávida! Ela quis separar-se legalmente e ele não quis. Ano seguinte outra gravidez e, Sérgio começou a voltar.
As irmãs e os filhos cúmplices deram a ele, a chave da nova fechadura e ela acordou à noite com a saudade aliviada entre beijos e torneiras, na grande banheira da suíte. “Ele era mesmo seu parceiro de amor e sexo!”
As fugidas eram constantes e, em pouco tempo, se tornava amante do marido.
Sorrateiro, ele entrava pelas madrugadas, inventava pretextos e até voltaram a viajar como antes, quando, então, ela negou-se a viver se escondendo.
“A Zeny é burra! Pra que foi ter filhos! Filho ele já tinha, só queria amante, não queria uma família!” Dizia para os íntimos com a consciência de que a sua maternidade a tinha separado do marido-amante. “Foi tudo igual! No segundo filho ele começou a esfriar!”
Zeny não parecia querer saber das escapadas de Sérgio. Tinha virado mãe, conseguiu e mantinha uma boa situação financeira, trabalhava e construía sua vida, já grávida do terceiro filho.
Um acidente de Estrada e Sérgio acaba seus dias.
No velório, duas viúvas, uma delas grávida, choram aquele homem amado.
Um advogado de família vem comunicar que as crianças não tinham registro legal. Seus nascimentos precisavam do reconhecimento da esposa legítima, pois, do contrário, nenhum bem estaria disponível para eles.
Lola reconheceu todas as crianças, inclusive a que nasceu depois. Tinha certeza de que era a coisa justa. Ficou quase sem recursos. Não sabia mesmo fazer outra coisa que não fosse amar!
Em pouco tempo, foi se desfazendo dos objetos das viagens. Eram como malas que se fechavam com historias dentro. Os filhos pouco a visitavam.
Acabou indo morar numa pensão perto de uma irmã. Pobre e doente, mal comia, mas sonhava e dormia na banheira estreita da casa onde a encontraram morta com um sorriso de gozo nos lábios.
©Copyright ANGELA SCHNOOR
6 Comments:
Adorei, engraçado, de duas lembranças que tenho da tia malagueta é ela já doente, com a Vovó ajudando no banho de banheira.
3:42 AM
Neste dia especial gostava de lhe enviar um beijinho muito doce e muito terno.
E que a vida continue tornando realidade todos os seus sonhos.
Um dia de aniversário muito feliz.
5:08 AM
Grata Melguinha!
Que cada pedacinho de alegria que eu tenha retorne em dobro pra vc.!
beijo carinhoso, Angela
5:26 AM
Esqueci de dizer à Melga que já estava sentindo muito sua falta por aqui!
Já viu o carneiro que Fabia fez pra mim no bichokundum?
Fábia, a tia foi uma mulher fantástica. Você teria adorado conviver com o humor dela e ela gostava muito de vc.
5:29 AM
Amiga linda, mimada em dobro neste dia feliz, ganhadora de carneiro impetuoso e de homenagem no meu blog, divirta-se muito, muito, muito,hoje e sempre. Estou aqui, egoistamente dsejando tê-la aí sempre, sempre.
Grata, dinda querida e abençoada.
Que elegância o bilhete dentro da mala, refinado humor talhado na dor!
1:43 PM
Obrigada minha arara valente!
Esta tia querida que tive um dia ( a do conto) foi muito refinada e especial. Você se parece com ela em muitas coisas. Vou ao teu cantinho receber meu abraço especial. beijo de sopro novo!
2:21 AM
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