Continuando, sobre o mesmo tema
Esta é a imagem da paz que anseio e que muitas vezes, consigo!
Carta a um “amigo da Internet”
Rio, 24 de maio de 2003
Como você não me conhece, não sabe por quantas já passei, e o quanto estas tragédias me fizeram forte (ou o Criador sabe o que faz e envia as nozes conforme os dentes, dizem...)
De qualquer, modo é nas compressas de carinho dos amigos e família que a gente encontra força para continuar a crer na vida e nas pessoas. Tenho, com a graça de Deus, o dom da fé e do entendimento, o que minora muito as tristezas. Um corpo ferido já tem tantas cicatrizes que não sente mais tanta dor. Que dirá uma alma.
Aceitação não passiva é a palavra para meus sentimentos.
Isso não despreza a saudade e as faltas que sentimos daqueles que amamos e a preocupação pelos que ainda estão por aqui.
Você começou sua conversa comigo, falando de relacionamentos. Relação é uma coisa que, não sendo superficial, cria vínculos.
E vínculos são, também, certezas de sofrimentos, perdas e apreensões. Mas, nem por isso deixamos de fazê-los (eu não deixo), pois senão estaríamos mortos e insepultos, solitários e teríamos, como parceiro, apenas o medo.
Pensei muito nisto ontem, quando nosso gatinho, com nove anos de vida, apareceu com uma infecção séria e tivemos, na madrugada, que buscar socorro. Pensei, quantas dores..., mais vínculos: gente, bicho, planta, coisas, vida!
Mais dores, mais mortes, mas... Mais amor e mais sentido de vida. Que fazer?
Não dá pra desejar a própria morte cedo, como fuga. Seria egoísmo além de sair fora do que viemos fazer aqui.
E, assim é. Não tenho raiva do assassino de meu pai e nem do de meu irmão, não tenho raiva do inconseqüente que atirou um cigarro aceso e pôs fogo em minha casa, lesando minha filha com um surto mental. Não tenho raiva dos amigos que ajudaram a levar um outro irmão à morte precoce por alcoolismo. Não tenho raiva dos que me violentaram física e moralmente quando eu era criança e jovem, incluindo minha mãe em seus desvarios. Mas fica sim, uma defesa instintiva que, às vezes, soa agressiva aos que não me sabem.
Sinto também um grande e poderoso amor, ininteligível, eu sei, por todos esses, que acabaram sendo instrumentos de uma sabedoria que me fez melhor e mais forte, podendo usar esta experiência para ajudar e compreender o próximo que, de mim se aproxima, porque está em meu caminho de evolução.
Só tenho dor por não ser mais potente do que sou e já sei disto. Mas sinto não ter todo o tempo e a saúde que queria para poder atender mais e melhor a todos. A mim, inclusive.
Você me pergunta se pode fazer orações pelo meu irmão. É claro que aceito e agradeço. Qualquer boa palavra, bom pensamento é bem vindo, não apenas para a alma de meu irmão, mas para todo este mundo tão aflito.
E, veja, não espere estar com mais conhecimentos sobre qualquer coisa para buscar o saber da experiência (que é o verdadeiro conhecimento, em meu entender). Não deixe que a vaidade, os escrúpulos, o perfecionismo ou qualquer outra coisa afaste você de buscar-se.
Agora, neste instante, tive que interromper este mensagem para dar remédio ao gatinho e me deparar, mais uma vez, com minha incompetência e com meus limites atuais. Não consigo sozinha e não consigo ser eficiente para minorar a dor de um pequeno ser inocente. De que vale, nesta hora, o meu conhecimento de astrologia ou de psicologia? De que vale o conhecimento teórico ou específico? Vale o meu amor e boa intenção, mas isso tem limites também numa hora tão prática! Eu não sei mesmo lidar com o lado prático e material da vida. É um mistério pra mim e me faz sofrer bastante nestas horas, mas...
Mais uma vez, o que posso fazer é saber mais sobre mim mesma e aceitar minhas limitações com toda humildade possível, sem revolta e...Pedir ajuda aos que tem dons diferentes dos meus e que me complementam. Eis uma das grandes bênçãos de se ter feito vínculos!
Acho que esta história do gatinho aconteceu nesta hora, interrompendo minha escrita, para que eu pudesse te contar. Espero que te seja útil.
Um abraço, Angela.
Ah, o nome de meu irmão é: Gustavo Armando de Pádua Schnoor. Obrigada.
16 Comments:
Ursa querida, você é uma pessoa iluminada.
Como eu a admiro.
Sei que, em matéria de dor e perdas, você me ganha aos pontos.
Acho lindo não sentir raiva ou revolta mas eu não consigo.
Sabe, por vezes estou convencida que, as pessoas que têm fé e acreditam nalguma coisa divina, conseguem ultrapassar melhor os desgostos desta vida.
Como sabe não é o meu caso.
Talvez por isso seja mais difícil.
E também tenho o enorme defeito de sofrer por antecipação.
Não calcula as vezes em que penso como vou ultrapassar a perda dos meus irmãos(espero ir primeiro) já para não falar quando penso nos meus garotos.
Hoje foi um dia bom.
Conseguimos falar várias vezes.
Beijoquinhas.
Gosto muito de si.
8:47 PM
E também consegui fazer um post novo.
8:50 PM
Voltei cá porque, neste momento, estamos as duas on line.
Já tinha reparado?
8:54 PM
Querida Meiguinha, não sou iluminada não, antes fosse! Tenho é um temperamento mais cordato e aceito bem as coisas da vida! No mais, a idade fez o resto.
Não vamos competir em sofrimentos pois isto é terrível. Há de haver muitas pessoas com perdas ainda maiores e sofridas mas cada dor é única e enorme para quem sente e quando acontece. Não se pode comparar coisa alguma a não ser pesos e medidas métricas!
Ás vezes sinto muita raiva também, principalmente quando vejo algum julgamento, seja individual, pessoal ou social... viro fera!
Dizem que a fé resolve ou ajuda mas tenho visto muita gente que é teórica nestas coisas e a fé não resiste ao primeiro embate!
Eu não tenho religião alguma e minha fé é na vida, na beleza e na harmonia com a Natureza, só! A paz interior veio, exatamente quando deixei de temer por antecipação porque aprendi que só iria viver tensa e sofrida com minhas hipóteses funestas. Quando Gustavo morreu assim de repente, sem mais razão, veio a entrega e a desistência do controle e de viver no futuro. Foi só!
Também gosto muito de você e adoraria te conhecer! Ainda bateremos longos papos em algum café em Lisboa!
12:00 AM
Estive em seu post novo por duas vezes. Fui jantar e quando voltei e vi que tinha retornado fui lá e deixei recado para C_mim. Sem querer você acaba aglutinando as pessoas... isto é um belo dom!
Bem, falamos amanhã de novo pois não sei se poderei ir ver o Pedrinho. Não me sinto progredindo com estes medicamentos, já são 9 dias de cama! Um bj de ursa.
12:05 AM
Você é forte. Gostaria de ter esta força de superar tudo...
Esta carta é uma lição de vida.
12:08 AM
Ursa querida, parece que todos os dias aprendo mais qualquer coisa consigo.
E isso é tão bom.
Diz que a idade faz o resto.
Então se somos praticamente da mesma idade, porque comigo isso não se passa assim?
E como seria bom podermos conversar num café de Lisboa.
Estou ficando preocupada.
Nem o tratamento novo está a fazer efeito?
Será que o diagnóstico foi bem feito?
Eu sei por experiência própria como esses problemas são horríveis.
Muitas beijocas e as melhoras.
9:03 AM
Dudu,
se fiquei mais forte foi graças a aceitação de minha fragilidade. O sentimento é uma das maiores forças da existência porque, como a água, resiste e continua...
Você também tem superado seus embates, tenho certeza!
3:52 PM
Meiguinha, a idade se faz as mudanças, as faz sobre um potencial.
Se sou uma batata e você uma abóbora, as mudanças podem nos transformar em purês ou sopinhas, mas serão uma diversa da outra não?
Estou aguardando as 48h dos antibióticos. Se não ficar boa volto ao médico. Só tenho pena de não ver o Pedrinho mas acabo de receber mais fotos lindas!
Se eu tiver a sorte que desejo, muito em breve estaremos num café de Lisboa! Que farra ótima vai ser!
muito carinho da ursa.
3:58 PM
Gostei da batata e da abóbora.
E veja se tem a tal sorte porque estou mortinha por conhecê-la pessoalmente.
Se puder, mostre-nos as fotos do Pedrinho, por favor.
Beijinhos carinhosos.
4:06 PM
E então, meiguinha, já sabe qual legume somos? Eu adoraria ser vagem ou cenoura mas fiquei meio abóbora ou repolho, gorducha! Conseguiu acessar o site da Martha Medeiros?
Veja se consegue algum livro dela - há um romance recente chamado o Divã, que é muito bom. Vou colocar fotos do pedrinho pra vc. bjk. Ursa.
5:29 PM
Ursa querida, como também sou gorducha, terei de ficar repolho.
Ainda não consegui ir ao site que me indicou porque esta net tem andado meio louca(também cá em casa não hà ninguém que bata bem da bola)!
Fico aguardando as fotos.
5:54 PM
Fico 3 dias sem vir aqui, desta vez a net caminhante não funcionou no Algarve e quando volto, descubro fotos lindas de suas saudades, que está ainda dodói, que tem amigos novos e o chá das 17h00 mudou para aqui, que bom! Beijinhos
6:24 AM
Bem que sentimos sua falta! Ainda bem que o Algarve te obriga a se afastar um pouco do micro.
Quanto ao chá das cinco acho que foi só uma paradinha para um cafézinho. O salão de C_mim é bem mais amplo e acolhedor.
boa semana azulinha!
9:55 PM
Conheci o Gustavo. Foi meu professor.
Sempre lembro dele, das suas histórias, da sua ética profissional, dos seus valores...
Sempre lembranças boas!
Tinha tanta vida, que mesmo depois de deixar essa coisa física que temos, ainda se faz presente.
Saudades.
12:11 AM
Liliane,
Não sabe como agradeço suas palavras. Já fazem quatro anos que Gustavo se foi em sua forma física mas, sua memória está viva naqueles em que semeou cultura, afeto e todas as coisas boas de que era capaz.
Ontem mesmo soube de pessoas que falam dele, lembram de tudo que ensinou e agora, este teu recado. Obrigada! Um abraço da Angela, a irmã mais velha do Gustavo.
1:32 AM
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