Desde sempre lembro-me viajando em imagens. Primeiro elas fugiram de meu olhar interno e se faziam ver mergulhadas em papel e cores. Depois vieram as palavras e a inspiração dos sonhos, pois foi a realidade que, muitas vezes, trouxe os pesadelos. Em busca de organizar este mundo interior surgiu a Ilha.União de idéias e sonhos, asas que herdei. Apresento-a em pequenos trechos e peço que questionem, perguntem muito para que ela possa tornar-se mais rica e interessante, lugar melhor pra viver.

4.4.06

Um conto de fadas

O GATO PRETO

Era uma vez...um jovem inteligente, belo e ambicioso que deixou sua cidade em busca de um lugar onde pudesse se estabelecer, fazer fortuna e, com o tempo, criar sua própria família. Na pequena cidade onde nascera não havia encontrado moça alguma que despertasse seu coração e o lugar era pequeno demais para caber todos os seus sonhos e projetos. Ali onde crescera as pessoas viviam uma vida simples e o julgavam meio louco quando tentava partilhar com alguém as suas progressivas idéias.
De fato, o que mais o interessava era conseguir sucesso, as coisas do amor eram pouco importantes e só o levavam a namorar levianamente deixando lágrimas e tristeza nos lugares por onde passava.

Um dia chegou à uma nova cidade. Quis o destino, parou frente a uma enorme mansão com um belíssimo jardim gradeado à toda volta. A imponência da morada tocou seu lado ambicioso: era numa casa assim que gostaria de morar! Procurou saber quem habitava tal casa e os vizinhos o informaram que, por estranho que fosse, ali morava apenas uma bela jovem muito misteriosa que saia apenas à noite e, sempre sozinha.

Intrigado e cada vez mais interessado, continuou a perguntar a quem encontrava pois tinha decidido conhecer a estranha mulher. Conseguiu, enfim, descobrir que a moça só era vista nas festas das melhores famílias da sociedade onde espalhava sedução e encanto embora ninguém a conhecesse muito bem e pessoa alguma jamais tivesse entrado em sua propriedade.

Cada vez mais interessado no mistério que cercava a criatura, conseguiu se fazer convidar para uma grande festa que aconteceria naquela noite e, durante a qual pretendia conhecê-la.
A noite o encontrou excitado, vestindo suas melhores roupas e planejando uma estratégia para abordar a jovem.

Chegando à festa seus olhos encontraram imediatamente os olhos mais bonitos que já tinha visto em toda a vida! Só podia ser ela!, pensou, admirando a mulher que sorria para ele.
O dono da casa os apresentou e a partir daí ficaram juntos toda a noite. Quando já ia amanhecendo ele quis levá-la em casa mas ela não permitiu e, quando ele menos esperava ela já havia desaparecido.

O rapaz ficou aflito e procurou saber como encontrá-la no dia seguinte, sendo instruído pelas pessoas presentes a procurá-la na próxima festa pois apenas nestas ocasiões ela permitia que alguém a visse e dela se aproximasse.

Ele não entendia nada, estava apaixonado! era a primeira vez que uma mulher tocava seus sentimentos e não podia deixá-la escapar ainda mais que ela também preenchia suas ambições! Além da figura esguia e fascinante, sua bela e misteriosa casa também não abandonava sua mente!

Na manhã seguinte, procurou seus novos amigos na cidade e conseguiu que o convidassem para todas as próximas festas onde poderia encontrar sua amada.
À noite, chegando ao salão ele a encontra dançando e seduzindo todos os homens à sua volta.

A situação se repete noite após noite. Quando ficam juntos, ela desaparece pela madrugada sem deixar vestígios. Cada vez mais apaixonado, implora que ela passe a noite com ele, pedindo a jovem em casamento. Por fim ela consente em levá-lo para sua casa desde que entre com os olhos vendados e permaneça assim enquanto lá estiver.

Assim passam juntos o primeiro dia de amor mas à noite, ela sai para sua festa com a condição de que o rapaz permaneça vendado, á sua espera. Mal a moça sai, o jovem tira rapidamente a venda e descobre que, mesmo sem ela, nada enxerga. Está totalmente cego. Tateando na escuridão da casa, tenta encontrar uma saída e percebe que a casa está trancada e que se encontra prisioneiro de sua amada.

Pelas manhãs a jovem chega das festas e o rapaz tudo esquece e se entrega novamente aos momentos de amor e, temendo perdê-la, aceita tudo e nada fala continuando a usar a venda como combinado.

Passado o primeiro mês, a jovem começa a evitá-lo até que um dia ele se vê só e confinado num dos quartos da mansão, recebendo dela apenas as refeições. Triste, deprimido e isolado do mundo, chora sem saber como sair daquela casa e desligar-se daquela mulher que o enganou tão cruelmente.

Um dia, estando triste e sozinho como sempre, ouve um miado entrando pelo quarto. Era um gato grande e preto que pulou em seu colo e disse: “Vim para ser seu guia neste aprendizado.O sofrimento que tens hoje, já o causaste a várias criaturas que gostaram de você. Conheço uma mulher, chamam-na "A Bruxa do Pântano". Ela pode curar sua cegueira mas, para isso, terás que aprender comigo a desenvolver e usar seus outros sentidos que estão adormecidos a fim de que consigas sair desta casa.”

O moço se espantou por encontrar um gato falante mas, como toda a situação era muito estranha, aceitou a ajuda do gato e começou a desenvolver sua audição, o olfato, o tato e o espírito que estavam tão presos quanto ele. Deste modo, percebia o cheiro do perfume da mulher quando esta ainda estava entrando no portão, sentia seu deslizar pela casa e sabia quando ela se ausentava para que ele pudesse explorar a casa e encontrar uma saída. Aprendeu com o gato a andar e pular tão leve e silenciosamente e a se esgueirar por entre móveis e portas sem fazer o menor barulho e, principalmente, a ter confiança em seus movimentos mesmo sem a visão.

Um dia, quando já se sentia pronto para aventurar-se, percebeu uma janela mal fechada e aguardou a noite para ir ao jardim tentar encontrar saída para a rua.
Deste modo, ele e o gato atravessaram moitas, canteiros e grades do imenso jardim e se puseram na estrada rumo ao Pântano.

Após muito caminhar, valendo-se dos sentidos desenvolvidos para que ninguém o percebesse e da orientação do gato para não se perder chegaram aos limites da cidade. Muito cansado, com fome e frio se deu conta de que estavam na entrada de uma grande floresta. O cheiro da vegetação, a umidade do ar e até a escuridão da noite que não via mas podia perceber, deixaram-no inseguro.

Havia aprendido a mover-se na cidade, mas temia perder-se na floresta e ficar para sempre andando em círculos. Os barulhos desconhecidos aumentavam à medida que se embrenhava no mato. O pio da coruja deixava mais lúgubre o ambiente e, de vez em quando, alguns cipós se enroscavam em suas pernas e braços e retardavam seu caminhar como se quisessem prendê-lo.

Sua segurança maior era a companhia do gato, firme ao seu lado, lembrando-lhe as lições aprendidas e lhe acenando com um futuro próximo, quando ficaria livre de seus sofrimentos e poderia iniciar uma nova vida. Porém, qual não foi sua surpresa quando ao chegar perto do pântano o gato falou: “Agora devo deixá-lo. A partir daqui, você terá que ir sozinho, já lhe ensinei tudo que devia. Não posso atravessar o pântano pois este será seu teste de independência e coragem, o desafio de superar a verdadeira solidão. Leve este cajado, segure-o firme e não o perca. Apoiando-se nele, não afundarás. Ao terminar o pântano, estarás diante da casa da bruxa, ela estará à sua espera e você a reconhecerá.
A partir dai, siga a sua intuição e tudo se encaminhará para o melhor!.” Dito isso, aproximou-lhe das mãos um grande bastão, sólido e comprido e com um grande e longo miado, desapareceu na noite.

Aí iniciou-se um trajeto de muitas horas. Cortando a escuridão que se somava à sua cegueira, com muito frio e medo, apoiando-se firmemente em seu bastão, o rapaz passava em revista toda a sua vida. Lembrava-se de sua cidade natal, da família, de tudo que recebera das pessoas e daquelas que havia maltratado com sua frieza e ambição desmedidas. Pensava nas moças que havia enganado e das que havia zombado, ridicularizando seus afetos. Lágrimas de arrependimento caiam de seus olhos sem luz e se misturavam à escuridão do lodo. Em alguns momentos pensava em desistir mas se lembrava das palavras do Gato Preto, dos ensinamentos e da esperança que ele havia plantado em seu coração.

Antes de amanhecer começou a sentir uma brisa suave e um doce cheiro de perfume floral que entrava por suas narinas anunciando a proximidade da casa tão esperada. Saindo do pântano, tentou limpar-se um pouco, retirando cipós e lama de suas roupas, preocupado em não chocar a bruxa com sua aparência.

Mal sabia ele, que à sua frente, estava uma casa em ruínas, cujo jardim abandonado assustava quase como o pântano e, no portão o aguardava uma mulher tão feia e desgrenhada como a casa.

A Bruxa do Pântano, como a chamavam, sentia-se confortável nesta aparência que havia criado pois ela mantinha afastadas as pessoas das quais tinha medo pois, num passado distante, tinha sido muito maltratada e infeliz. Vivia assim, longe de tudo e de todos escondida naquela velha casa, cuidando apenas de ervas que cultivava para curar animais e enfermos que dela se aproximavam sem temer a sua feiura . Era este o caso do rapaz. Tendo a alma enferma e os olhos cegos, não poderia amedrontar-se com sua aparência. Ele precisava de seus cuidados e sendo assim, ela se aproximou e falou: “Vejo que atravessaste a floresta e o pântano em busca de sua libertação mas suas provas ainda não terminaram. Você deve atravessar, sem ajuda, o jardim de espinhos que circunda esta casa, encontrar sua entrada principal e chegar até a sala que abriga um tesouro. Usando os dons que desenvolveu durante a caminhada você saberá como e onde encontrá-lo, aí então, voltará a enxergar.” Dizendo isto, retirou - se deixando o jovem aturdido sem saber que direção tomar.

Concentrando-se, ficou parado um bom tempo. O incômodo do frio, e da fome além do cansaço quase o desanimavam, até que ouviu um miado conhecido. Era o seu amigo o Gato Preto que retornara. Seguindo o som e o caminhar do amigo chegou, afinal, aos degraus que davam acesso à entrada da casa e abrindo a porta principal entrou na mansão mais linda e rica que jamais existira e que seus olhos não podiam ver. Seguindo sua intuição e uma energia estranha que o atraía, aproximou-se de uma mesa central onde refulgia uma urna de cristal. Tateando, tocou na caixa, a tampa se abriu e seus olhos começaram a ver a luz, distinguindo um grande coração lapidado em rubi.

Neste momento o rapaz compreendeu que havia encontrado o amor por si mesmo, simbolizado por aquela jóia. Pegou o coração nas mãos e virou-se para agradecer à Bruxa do Pântano. Ela estava à sua frente, contrastando com a beleza e luxo do lugar: feia, velha enrugada e maltrapilha.

Ele ignorou sua aparência e ajoelhando-se, beijou suas mãos e entregou-lhe o coração. Nesse momento aconteceu um milagre, a mulher à sua frente transformou-se na moça mais linda e doce que ele jamais havia visto e eles entenderam que, naquele instante, começava um longo caminho de amor para ambos.

Ao se abraçarem a casa encheu-se com um longo e alto miado.

Angela Schnoor.

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Uma das lições que retiro desta história é que nunca devemos fazer aos outros o que não gostaríamos que nos fizessem a nós.

Eu tento proceder sempre desta forma e por vezes acho que consigo.

Beijinho Ursa Mãe.

7:05 AM

 
Blogger 125_azul said...

A ambição, as aparências...e o gato que podia ser Feijão

8:37 AM

 
Blogger Cecilia A.E said...

hola angela
gracias por el dato de la música que dejaste en mi blog...voy a ver si consigo ponerle música.
un abrazo!

7:31 PM

 
Anonymous Anônimo said...

Achei que ninguém ia ler esta história por ser tão comprida!

O desenho eu fiz, de fato, inspirada no nosso Feijão!
mas o Feijão é de sombra e água fresca! Florestas... pântanos? acho que não! Isto é pro nosso feijão interno!
beijo carinhoso, da bruxa.

1:50 AM

 

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