Desde sempre lembro-me viajando em imagens. Primeiro elas fugiram de meu olhar interno e se faziam ver mergulhadas em papel e cores. Depois vieram as palavras e a inspiração dos sonhos, pois foi a realidade que, muitas vezes, trouxe os pesadelos. Em busca de organizar este mundo interior surgiu a Ilha.União de idéias e sonhos, asas que herdei. Apresento-a em pequenos trechos e peço que questionem, perguntem muito para que ela possa tornar-se mais rica e interessante, lugar melhor pra viver.

22.3.06

Anima - pequenas histórias femininas 9

Na maioria das mulheres as cicatrizes se encontram na alma.

Narcissus - John W. Waterhouse


Conto 9
BELEZA


Tinha sido uma criança linda e a mãe exibia, orgulhosa, a sua beleza até que se tornou adolescente.
Muito cedo, o corpo de mulher já despontava, atraindo os olhares desejosos dos rapazes da pequena cidade onde morava e a admiração do pai, a quem adorava.

A repressão da mãe, às suas manifestações de afeto, começaram a doer em seu coração sensível.
-“Cuidado com os homens, vai virar puta!”
-“Vão abusar de você”
-“Não pega nas pessoas, é feio! “

A menstruação fez a carga aumentar:
-“Só quero ver se você ficar grávida! “
-“ Homem só quer se aproveitar!”
O primeiro namorado já tinha ouvido a seu respeito:
-“Com aquele corpo? Já deu! Vai lá que dá pé.”

Ela era pura e inocente. A mãe esquecera de lhe orientar pois temia o sexo, a vida e tudo o que a filha representava de perigo para ela.
Na primeira investida do namorado, não entendeu nada, era frígida e não sabia. Os bloqueios da mãe tinham feito o estrago.
Aos poucos ele a sodomizou sob ameaças e agressões sem nunca lhe dar prazer.
Sua verdade porém é que se achava impura e portanto, fadada a permanecer naquela relação pois nenhum outro homem a aceitaria.
Amedrontada, escondia da mãe as manchas roxas pelo corpo, temendo sua reação. A mãe também a surrava!

Estudava em colégio de freiras e a culpa aumentava à cada aula de religião, até que um dia, sentiu empatia e confiança em uma professora. Contou-lhe suas amarguras e ela a orientou.
Em pouco tempo se libertava do sádico namorado e se sentia feliz outra vez!
Quis até tornar- se religiosa mas a vida foi cumprindo as pragas da mãe.

Encontrou um homem mais velho no qual confiou mas que a estuprou na primeira oportunidade. A raiva pelos homens crescia e, através de uma amiga, procurou uma terapia para resolver sua frigidez, sua raiva, seu desamor, a dor e a decepção diante da vida.
Passaram-se muitos anos, sempre defendida do amor, dos homens e do sexo.

Mais velha, conseguiu amar e confiar em alguém. Casou e teve uma linda filha a quem procurou orientar para que fosse feliz, tratando de forma natural o sexo e o amor.
Seu marido, meigo e compreensivo, aos poucos ajudou-a a se libertar do medo e da desconfiança mas, com o tempo, foi se transformando num bom amigo.

Quando a meia idade foi chegando, começou a ser feliz sem receios. A beleza física não é mais seu atrativo. Desenvolveu outros valores e agora pode demonstrar amor sem correr riscos de ser incompreendida.

Só que o peito dói quando vê o marido, que não a toca mais, admirando a beleza da filha adolescente.


©Copyright ANGELA SCHNOOR

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Penso que se todos nos preocupássemos mais com a beleza interior, o mundo seria muito melhor.

E talvez não houvesse tantos corações bons, postos de parte.

O marido fez o mesmo que a grande maioria dos homens faz.
Infelizmente há alguns que nem amigos se tornam.

10:31 AM

 
Anonymous Anônimo said...

real, mas muito triste, como estou agora.

12:30 PM

 
Blogger 125_azul said...

esta história lembra-me algo...

6:31 PM

 
Anonymous Anônimo said...

Pena que nem tudo são contos de fadas boas!
Mas todos podemos aprender com a vida e nos tornamos pessoas melhores sabem? tenho visto isso...

11:26 PM

 

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