Desde sempre lembro-me viajando em imagens. Primeiro elas fugiram de meu olhar interno e se faziam ver mergulhadas em papel e cores. Depois vieram as palavras e a inspiração dos sonhos, pois foi a realidade que, muitas vezes, trouxe os pesadelos. Em busca de organizar este mundo interior surgiu a Ilha.União de idéias e sonhos, asas que herdei. Apresento-a em pequenos trechos e peço que questionem, perguntem muito para que ela possa tornar-se mais rica e interessante, lugar melhor pra viver.

1.5.06

O Jovem Redentor





O JOVEM REDENTOR


Mais uma vez acordava em meio à noite alta, sonhando com aquele grande abraço que invadia a tela de sua mente infantil.

Desde muito pequeno, esse sonho se repetia sempre que estava preocupado ou temeroso por qualquer razão. A mãe doente, a percepção aguda de que havia dificuldades na família, uma prova na escola ou uma briga com um garoto no recreio, o medo de apanhar... E pronto! A imagem aparecia em seus sonhos e devaneios, sempre como um protetor que lhe trazia a sensação de amparo e segurança.

Era franzino e muito sensível. Nascera e sempre morara com a família no interior do pequeno vilarejo francês, onde todos trabalhavam na lavoura. Embora ouvisse histórias de antepassados que tinham fugido da cidade grande, tudo era falado em surdina e, de fato, não se interessava muito pelo assunto, pois seu mundo interior era cheio das mais belas fantasias.

Quando sonhava com “O Grande Abraço” , como carinhosamente o chamava, tinha a íntima certeza de que tudo acabaria bem e que seus problemas seriam solucionados.

Jamais havia falado deste sonho a alguém, nem mesmo à mãe a quem contava todos os feitos de menino.
Mas enquanto crescia desenhava escondido o seu protetor, procurando a cada vez aprimorar seus traços e a turma do colégio acabou por conhecer sua história.

Aquela imagem tornou-se o símbolo de paz para o menino, que já começava a tornar-se um rapaz.
Na escola acabou conhecido como o Paul do Grande Abraço, aquele garoto meio maluco que havia se apaixonado por um sonho.

Quando completou quinze anos, a família uniu-se e, com sacrifício, deu-lhe como presente um passeio à cidade grande. Ia ver Paris!

Criado no campo, Paul estava exultante, mas muito inseguro sem saber como iria se comportar fora de seus limites interioranos.
Na noite que antecedeu a viagem os sonhos trouxeram a imagem em todo seu esplendor. Ele a via imensa, iluminada e, mais uma vez aquele grande abraço afastou todos os seus temores.

Já em Paris, subindo da gare do Metrô, sua atenção foi repentinamente atraída por um cartaz exposto na vitrine de uma agência de turismo.
Lá estava a “sua imagem”, exatamente como a via em sonhos, muito mais bonita que seus toscos desenhos! O cartaz falava da nova iluminação do monumento, anunciada para as comemorações dos cento e cinqüenta anos da Independência do Brasil.

A emoção deixou seu coração aos pulos e, com olhos tremidos, leu no cartaz que aquele era o Corcovado, no Rio de Janeiro e que seu Grande Abraço chamava-se Cristo Redentor!

Puxou o tio pela mão e não sossegou enquanto não entrou na agência.
Uma jovem respondeu às suas ávidas perguntas,enquanto ele anotava todas as informações sobre os preços e condições para visitar o Rio de Janeiro.

Guardou com cuidado o papel no bolso do casaco e a partir deste momento, todo o seu passeio resumiu-se em pensar e conversar sobre as possibilidades de concretizar este sonho.

Não cabia em si de tão contente! Com os trocados que tinha, comprou um cartão postal do Cristo e, no caminho de volta à casa, foi planejando como conseguiria dinheiro para Sua Viagem!

De volta à aldeia, em conversa com a família, pela primeira vez conta todos os sonhos e a paixão pelo Grande Abraço. Os pais, muito religiosos e amorosos com o filho, preocupam-se mas não deixam de apoiar seu desejo.

A partir desta descoberta, Paul muda radicalmente. Toda sua vida fica empenhada na realização de seu projeto. Faz pequenos trabalhos para os vizinhos e vai juntando seu dinheirinho com ardor e fé.

A imagem do Cristo povoa seus sonhos como nunca.

Os colegas, vendo o postal, se empolgam ao descobrir que Paul não era tão maluco como julgavam e o ajudam, fraternalmente, para que vença um concurso do colégio que está oferecendo um pequeno prêmio em dinheiro e uma bolsa de estudos em uma instituição religiosa na grande cidade.

Durante as provas, conversar com a bela imagem reforça sua auto confiança. Vitorioso, consegue o primeiro prêmio do concurso.

Novamente Paris lhe acena com oportunidades novas. Todo seu tempo livre é passado em aulas de português e em pesquisas sobre sua paixão, o Cristo Redentor.
Um dia, descobre emocionado, a possibilidade de um parentesco através de sua bisavó materna com Landowsky, o artista que esculpiu as mãos e o rosto da famosa estátua. Aos poucos vai compreendendo a natureza de seus sonhos e os desenhos que fazia do Cristo.

Na Cidade Luz visita as obras do escultor cujo primeiro nome tinha sido Paul, como ele. O trabalho principal de final de curso versa sobre as obras de seu possível ancestral. Só que, em paralelo, vai se inteirando da situação política e econômica do Brasil, especialmente a miséria e a violência que cresce na cidade para a qual dirige seus planos.

Mesmo assim não esmorece.O Grande Abraço permanece presente em seus sonhos e ele continua a crer em sua proteção. Inscreve-se em um programa de intercâmbio entre estrangeiros e escolhe uma família no Rio para recebê-lo como hóspede.

Programa sua chegada para estar presente durante a comemoração dos setenta anos da inauguração da estátua.

Chegando ao Rio fica mudo, emocionado com aquele grande, imenso abraço de trinta metros de comprimento. A família que o recebe é simples mas muito ligada às artes e à cultura. Ficam impressionados com o interesse e o conhecimento que seu jovem hóspede demonstra pelo histórico que cercou a construção e manutenção do Cristo Redentor até aquela data.

Apesar de seu português canhestro, Paul se faz entender e busca mais informações sobre a estátua.

Em sua primeira noite no Rio, seu Grande Abraço volta aos seus sonhos e, como uma nova visão, descobre que a estátua fica de frente para a Baía da Guanabara e abre seus braços para acolher os que chegam à cidade deixando as costas e as laterais voltadas para a maior parte da população carioca.

Ele que sempre via o Cristo de frente, pronto a abraçá-lo e acolhê-lo, causando-lhe toda a confiança e bem estar fica chocado com esta realidade. Imóvel, Cristo abraça e volta seu olhar para os que aportam enquanto tem as costas voltadas para o povo de sua própria cidade.

No dia seguinte, a primeira coisa que faz é visitar a imagem. Finalmente sua paixão deixaria de ser platônica. Agora poderia partilhar, de perto, sua admiração e amor pelo Grande Abraço!

Mas ao começar seu passeio, fica chocado ao ver crianças maltrapilhas e doentes pelas ruas pedindo esmolas. Em todos os cantos, policiais dão à cidade um ar de guerra. Sujeira e sirenes poluem as ruas e Paul fica muito triste.

Já lá em cima, procura olhar todo o monumento. Quando vê a estátua de perto é tomado por uma paixão real e encontra estímulo para fazer o que seu coração mandava. Tem certeza. Seu amigo não o decepcionaria.

Entra na capela construída na base do monumento e faz uma oração pedindo ajuda àquele que sempre o abraçou para conseguir realizar o seu intento.

Ali mesmo faz amizade com os trabalhadores que cuidam da manutenção do Cristo. Os homens acham engraçado aquele garoto de fala esquisita. Ele, cativante, consegue que o guiem onde os turistas, normalmente, não podem chegar.

Ao cair da tarde consegue esconder-se dentro da imagem e fica quieto até que todos saiam. Não sente medo. A noite está quente e já tinha conseguido tudo o que havia planejado. Já estava munido de água, biscoitos e muita fé.

Durante toda à noite Paul conversa com o seu amado Cristo e, de dentro de sua estrutura, pede que Ele gire seu Grande Abraço em todas as direções levando aquela segurança tão sua conhecida a todas as pessoas do Rio, em todos os pontos da cidade.

O garoto cai no sono enquanto amanhece.

O Sol já brilha quando os primeiros visitantes chegam alegres, comentando a novidade.

As manchetes de todos os jornais estampam a mesma notícia:
UMA NOITE DE PAZ NA CIDADE MARAVILHOSA!
Sem acidentes, sem tumultos nem violência, o Rio amanheceu cantando, como se seu povo tivesse recebido uma benção especial.

De mansinho, o jovem sai de seu esconderijo e sorrindo, olha para o alto.
Parece que ninguém notou, mas Paul levou consigo a certeza de ter visto uma piscadela no olho esquerdo de seu amigo.


Angela Schnoor

Rio de Janeiro, em 29 de maio de 2003.



5 Comments:

Blogger C_mim said...

Ursamãe essa foto tágrade demais desformatou o blog.

gracias pelos comentários no meu blog. Acha que é argentino é?...

5:45 AM

 
Anonymous Anônimo said...

Ursa Mãe, não acha que o sonho foi longe de mais?

Mas é muito bonito lutar pelos nossos sonhos, embora eu confesse que já desisti deles hà muito.

Infelizmente, o único sonho que consegui realizar, tornou-se no meu maior pesadelo e no maior desgosto da minha vida.

Beijinho.

9:38 AM

 
Blogger Angela said...

Oi C_mim! obrigada mais uma vez! eu estava achando que tinha sido esta foto mas até que gostei de variar um pouquinho mas quando soube que não estavam aparecendo as postagens aí não poderia continuar. Já consertei! Para isto são os virginianos! Agora vou correr para o chá das 5 e te pergunto o restante por lá.Grata, grata, grata!

3:10 PM

 
Blogger Angela said...

C_mim, não conheço bom a índole dos espanhóis mas os argentinos podem ser extremamente grosseiros, machistas e desagradáveis, principalmente com os brasileiros, pura competição tola, o que me pareceu ser o caso daquela pessoa em seu blog.

4:10 PM

 
Blogger Angela said...

Meiguinha, (agora será este teu nome), sonhos são horizontes que se abrem para que caminhemos mais. Mas,depende do que se sonha. Por vezes temos desejos que nem sempre são bons para nós e se concretizam para nos ensinar alguma coisa. No caso deste menino que criei (ele é fictício)tinha que ir longe para que eu pudesse mostrar esta qualidade do Cristo que poucos percebem pelo fato de ser muito alto e amplo seu campo de alcance. Se repararmos bem, ele foca apenas na baia e fica de frente para o mar.

Eu tive, desde muito jovem um desejo muito grande de conhecer o Mont Saint Michel na Normandia. Fazem dois anos consegui ir lá e valeu pelo tanto com que me identifico com o lugar. um bj. vou seguir de volta ao Xá das 5.

4:20 PM

 

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