Desde sempre lembro-me viajando em imagens. Primeiro elas fugiram de meu olhar interno e se faziam ver mergulhadas em papel e cores. Depois vieram as palavras e a inspiração dos sonhos, pois foi a realidade que, muitas vezes, trouxe os pesadelos. Em busca de organizar este mundo interior surgiu a Ilha.União de idéias e sonhos, asas que herdei. Apresento-a em pequenos trechos e peço que questionem, perguntem muito para que ela possa tornar-se mais rica e interessante, lugar melhor pra viver.

14.3.06

Anima - pequenas histórias femininas

Na maioria das mulheres as cicatrizes se encontram na alma.

Hopper - hotel room

conto 2
DES-VIRTUAL


Já tinha mais de trinta quando teve seu primeiro amante. A partir daí descobriu que gostava de sexo e que a vida poderia ser algo mais do que trabalhar, cuidar da mãe doente e ir ao cinema com alguns amigos.

De vez em quando escolhia um parceiro. Sua preferência era por homens simples, distantes de sua classe social, muitas vezes casados, pois na verdade o importante era não se envolver. O sexo bastava, era bom e a colocava à salvo de qualquer perda e sofrimento.

Não queria compromisso, estava presa à mãe que dependia dela desde que o pai se fora, com outra mulher, quando era ainda uma menina. O sofrimento da mãe e sua posterior doença, possível conseqüência do abandono, se transformaram dentro dela numa mistura de medo e raiva em relação aos homens.

Tinha sido a querida do papai até o dia em que ele saiu para trabalhar e deixou apenas um seco bilhete de abandono.
A lembrança deste tempo de menina amada, às vezes ocupava o espaço da dor, principalmente quando o telefone tocava no seu aniversário e uma voz perdida no tempo falava amavelmente com ela. Depois era o silêncio por mais um ano e ela pensava, culpada, que traía a mãe com aquele pequeno prazer secreto.

Já tinha mais de trinta quando os telefonemas cessaram, e a culpa também. Pode ser que ele tenha morrido, quem sabe?...

Foi quando o espaço da dor foi ocupado pelo prazer do sexo.

Um dia, um novo prazer aconteceu em sua vida. A empresa onde trabalhava instalou novos computadores e daí, ao descobrir uma sala de conversação na Internet deu um salto para o começo de um capítulo diferente em sua história. O final do expediente agora se prolongava, retardando, não sem preocupação, a hora de ir pra casa. Era um divertimento conversar com pessoas desconhecidas embora a maioria parecesse tola diante de sua exigência cultural.

Um fim de tarde, eis que um novo alguém aparece na tela. Em pouco tempo se descobriram discutindo assuntos interessantes, se isolando do grupo e trocando telefones.
À noite, em casa, falam horas perdidas como se já se conhecessem há anos...
Ele, embora sulista conservador e desconfiado das mulheres cariocas, vai desejando cada dia mais aqueles encontros telefônicos nos quais ela o provoca, tentando chocá-lo, com sua liberdade de expressão.
As contas de telefone vão crescendo com o mútuo interesse enquanto o tédio é banido de sua insípida vida.
A voz carinhosa ao telefone traz, agora sem culpa , memórias do encanto da infância.

Um dia decide, num rompante, viajar para conhecê-lo pessoalmente. Aproveita o fim de semana prolongado, ajeita as coisas em casa e pega o primeiro avião disponível.
A viagem é insuportavelmente lenta e nervosa. A ansiedade traz tropeços no desembarque. Estavam combinados: hora e hotel. Quem chegasse primeiro aguardaria o outro.

Afinal, frente à frente, ela tenta esconder uma ligeira decepção com a aparência dele, mas o desejo é maior e ela toma iniciativas com toda a sede e a desinibição aprendida e valorizada por seus parceiros de cama.

Ele se encolhe, tímido, amedrontado (bem que os amigos o alertaram contra as cariocas! )
Fica sem ação diante da mulher que o amedronta. Despede-se alegando um compromisso.
No caminho de volta ela passeia pela cidade pensando em que pode ter errado...

No trabalho, volta ao chat todo fim de tarde esperando encontrá-lo: tenta adivinhá-lo sob algum apelido novo, disfarçado... Será que morreu?...

Hoje é o dia do aniversário dela. À noite, em casa, o telefone toca...


©Copyright ANGELA SCHNOOR

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4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

História interessante.

Sabe que me revi em algumas passagens?

Beijinhos.

7:57 AM

 
Anonymous Anônimo said...

E é verdade que as cicatrizes se encontram cá dentro.

Os outros não as podem ver mas nós sentimo-las a cada momento.

Não se importa que eu venha "melgá-la" todos os dias?
É que já me habituei e sabe-me tão bem.
Abençoada 125_azul por se ter lembrado de tal coisa.

8:03 AM

 
Blogger 125_azul said...

mulhres e homens e desencontros...
e nós a encontrarmo-nos aqui, sempre, tão bom. Querida dinda, cuide bem de vovó Manu, vc sabe como ela às vezes é atrapalhadinha. bjinhos.

5:14 PM

 
Anonymous Anônimo said...

Melguinha, será um prazer
encontra-la sempre por aqui.Vá neste endereço para ver o nosso Rio de Janeiro:
http://www.riodejaneirovirtual.com/
Acho que vai gostar!
Quanto a essas histórias penso que temos um pouquinho de todas as mulheres do mundo... pode ser?

Para 125_azul: Nem sempre há desencontros e somos a prova disto!
finais felizes nem sempre são finais...
Estou roxa de saudades da Manu e do João. Vou ver se hoje consigo falar com eles. Ontem eram só o filhote e o Bibo! bj.

5:32 PM

 

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