Desde sempre lembro-me viajando em imagens. Primeiro elas fugiram de meu olhar interno e se faziam ver mergulhadas em papel e cores. Depois vieram as palavras e a inspiração dos sonhos, pois foi a realidade que, muitas vezes, trouxe os pesadelos. Em busca de organizar este mundo interior surgiu a Ilha.União de idéias e sonhos, asas que herdei. Apresento-a em pequenos trechos e peço que questionem, perguntem muito para que ela possa tornar-se mais rica e interessante, lugar melhor pra viver.

16.6.07

Um conto

Memórias

Vivia com o pai na casa onde havia nascido. Memórias de toda vida vagavam pelos cantos, atrás dos quadros, morando na cristaleira, dentro do espelho.
Noite qualquer, começou a ver os que já haviam habitado a casa.
As vozes cruzavam as mesmas acusações e cobranças que o atormentaram toda vida.
Mãe, empregada, tia, primo, colegas, o cão que late e mostra os dentes aparecem e desaparecem como se vivos fossem.
Não dorme.
‘Veja só menino! Quebrou a jarra! Não presta atenção a coisa alguma! Só faz besteira... Há, há! Veja só o pinto dele! Um nadinha de nada! Olha a vara! Sai daqui, tira os pés sujos do tapete, vou contar ao pai quando chegar! É um errado! Não faz nada direito! Fica sem jantar, vai pro quarto! Burro, vai se dar mal na vida, não serve pra nada! Que traste! some daqui! Boboca! Sua menina me beijou, sabia? Não é de nada mesmo! Nada, nada, nada!
Esconde-se sob os lençóis evitando ver, mas as vozes continuam, berram, não dão trégua!
O pai dorme ao lado. De nada adianta buscar sua ajuda, sempre mais morto que os fantasmas.
Noite qualquer, ouve o chamado do pai. Atravessa quem lhe impede os passos. Chega à cama do velho que arfa suplicando por ar.
Seus ouvidos não suportam mais! A angústia do velho o desespera.
Travesseiro sobre a cara, impede o único grito do pai.
Na casa impera o silêncio perdido há tempos! Volta ao quarto sem encontrar ninguém.
Quantos anos sem uma noite assim, sono profundo, paz!
Só em casa, começa a encontrar o velho vagando. As vozes desapareceram concentradas no grito do pai, pelos cantos, atrás dos quadros, vindo da cristaleira, de dentro do espelho.
Vazio. O grito, impotência. Num dia qualquer, no silêncio do quarto, está morto, sufocado pelo travesseiro.

escrito porAngela em 9 de junho de 2007
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a segunda frase do dia:
Se você quer um arco-íris, tem que suportar a chuva. Steven Wright


5 Comments:

Blogger melga meiguinha said...

Minha querida,

Você está dizendo qualquer coisa que, para mim, está difícil de perceber.
Vou voltar.

Beijocas muitas.

10:01 AM

 
Anonymous Anônimo said...

Terrível e belo.

3:55 PM

 
Blogger Angela said...

Meiguinha
Que coisa eu disse? No conto? Na frase?
Esta é uma história de loucura. Eu adoro o mundo dos loucos embora não possa aprovar o resultado de sua agressividade fatal!
Este moço é atormentado por visões e vozes que moram em seu passado psicológico. Foi criado com excessos de críticas e desamor.
O pai omisso permitiu, com sua ausência, que tudo fosse assim. Ele mata o pai num delírio mas, a paz é curta já que o "pai" existe internamente, faz parte dele também. Então, para ter paz, ele se mata como ao pai, confirmando sua identificação com ele, também fugindo de enfrentar as coisas duras. Ficou claro agora ou não era isto? bj. e carinho.

Dudu
Que bom ter entendido. Para alguns, entender e lidar com o feio e a dor é mais fácil que para outros. Pessoalmente, sem xcessos, acho que fortalece. Obrigada por estar sempre ai! bj.

9:00 PM

 
Blogger Da Noya said...

Será q é um sinal o fato de meu novo chefe insistir em pedir como material promocional da empresa uma capa de chuva?

7:42 PM

 
Blogger Angela said...

da Noya,
Quem sabe seu chefe é um sábio? ou será maluco? o que dá,quase,na mesma!

3:52 AM

 

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