Desde sempre lembro-me viajando em imagens. Primeiro elas fugiram de meu olhar interno e se faziam ver mergulhadas em papel e cores. Depois vieram as palavras e a inspiração dos sonhos, pois foi a realidade que, muitas vezes, trouxe os pesadelos. Em busca de organizar este mundo interior surgiu a Ilha.União de idéias e sonhos, asas que herdei. Apresento-a em pequenos trechos e peço que questionem, perguntem muito para que ela possa tornar-se mais rica e interessante, lugar melhor pra viver.

12.3.07

SIM, obrigada!

Concórdia tinha acabado de completar cinqüenta anos quando conheceu Carlão.
Durante toda a vida acalentara o sonho de casar e logo agora, que se considerava um tanto ‘passada’, é que fora encontrar um homem que parecia ter condições para preencher todas as suas lacunas!


Concórdia era solitária. Órfã desde a adolescência, criada por uma tia avó solteirona, pudica e sovina, acostumou-se a uma vida frugal em todos os sentidos.
Com o correr da idade e com a morte da tia, foi ficando cada vez mais cheia de medos e manias. Agora então, que havia sido diagnosticada como cardíaca, só se alimentava de frutas e saladas, tudo quase sem sal e, gordura e carnes, nem em pensamento!

Pois é! E Carlão, ela descobrira, era gaúcho!

A paquera tomava um caminho cada vez mais intenso e ela estava muito apaixonada. Carlão era grande, tinha voz forte e alta e parecia bem machão, mas ela, secretamente, sempre desejara um homem assim, que a fizesse sentir-se segura e amparada, pois era indecisa, frágil e detestava desagradar toda e qualquer pessoa.
Só de se imaginar dizendo um não para alguém perdia o sono, achando que seria rejeitada, que havia sido grosseira etc...

Até então o casal havia saído apenas para conversar e tomar um mate, após a semanal sessão de cinema, ocasião em que aconteciam os abraços e beijos que muito a assustavam, embora depois, em casa, ficasse lembrando e repassando todas as emoções que tanto desejava.

Naquele dia, completavam três meses de namoro e Carlão chegou com um ramo de flores e um convite para jantar numa churrascaria rodízio, a melhor e mais cara do bairro!
Concórdia gelou! Como dizer a ele que não comia carne? Como dizer não, logo ao homem de seus sonhos, gaúcho, acostumado aos prazeres da carne bovina?
Sorriu e aceitou, não pensando em nada mais do que agradar ao homem que poderia ser o único em sua vida!

No salão espelhado, os garçons e o gerente cumprimentam Carlão com a deferência devida aos clientes assíduos.
Concórdia, delicadamente, serve-se do bufê de saladas na esperança de que a desculpa por comer pouco seja aceita. Mas, começa seu tormento quando os garçons chegam, um após outro, oferecendo porções de maminha, picanha, búfalo, lingüiça e outras carnes mais.

Ao ver a rodela de papel onde está escrito: ‘não obrigado’, descobre sua senha mágica!
Mas, ao olhar para o rosto do garçom, seu dilema de vida se instala – como desagradar ao moço tão jovem e gentil que está ali, solícito, a servi-la? E o sorriso de Carlão comendo à farta, feliz ao vê-la acompanhando seu prazer?

Concórdia aceita todas as carnes, entupindo-se literalmente, até que Carlão parece saciado. Trazem o carrinho pleno de sobremesas e ela, debilmente, inicia uma desculpa quando a voz tonitruante do namorado aponta uma torta, dizendo – você tem que experimentar esta!

Sim, obrigada!

Chega o cafezinho e, embora esteja sentindo-se muito afrontada, ela mais uma vez, sorri.
Neste momento Carlão segura suas mãos entre as dele e, retirando do bolso um belo anel, pede-a em casamento.

A cabeça de Concórdia despenca sobre o prato sujo de torta.
Seu rosto está aberto num sorriso de felicidade. O último, pois o enfarto fulminante acabara de fechar a conta de tanta concórdia!

escrito por Angela Schnoor.Em 11 de março de 2007- 21h05’

frase do dia:
"O homem vulgo acredita que a felicidade reside unicamente no prazer" aristóteles

10 Comments:

Blogger C_mim said...

125_azul manda avisar que desde que mudou para a versão superbeta do blogger não consegue postar comments nem como anónima...

bolas - dassss... diz ela ;)

Prontes... já dei recado

6:33 PM

 
Anonymous Anônimo said...

Conto maravilhoso, muito bom.

10:40 PM

 
Blogger Angela said...

Oi C_mim
Grata por ser o porta vozes, mais uma vez!
diga-me, eu que relutei tanto em mudar para a nova versâo e acabei cedendo por livre e expontãnea pressão, não tive problema algum em postar. Você me orientou e pronto! Tudo certo! Será que é coisa de hemisférios?
um beijo grato.

Eduardo
Êta nome danado de bonito! E, ainda por cima, vem temperado com azeitonas! Ontem terminei, de supetão, dois contos pendurados há anos! é bom saber que alguém gostou! obrigada.

12:03 AM

 
Blogger Pitanga Doce said...

É por isso que eu digo: carne demais faz mal...qualquer tipo.


beijos

12:39 PM

 
Blogger Da Noya said...

Não, nada disso!
A "culpa" é da azeitona da salada! Concórdia se engasgou com o caroço, o coração ia muito bem, obrigada.

1:48 PM

 
Blogger wicky said...

é preciso saber dizer Não e Sim , também

mas não é preciso contrariar-se àquele ponto !

beijinhos

9:18 PM

 
Blogger Angela said...

Pitanga,
É, tudo em demasia faz mal mas... esta Concórdia, vês seu nome? É tão Libriana que levou ao máximo sua dificuldade em dizer um não!
Tadinha... faz assim não viu?

Lu
Querida, estás parecendo com a irmã infantil e meio biruta de uma moça que conheço! Isso pega?

WicKy
És esperta! é exatamente este o espírito da coisa! Mas, a moça não queria era se contrariar no caso de perder o seu homem! Coitadinha dela, não?

9:45 PM

 
Blogger melga meiguinha said...

Ursa Mãe,

Coitadinha da Concórdia(nome perfeito) bem que podia ter morrido só depois de experimentar e saborear todas as carnes.

Beijocas.

1:13 PM

 
Blogger Da Noya said...

Poxa!

Eu só queria discordar do destino Concórdia.

Desculpe se meu comentário soou tolo...

11:09 AM

 
Blogger Meg said...

mudei-me Pitanga... agora estou aqui... é só clicar... tenho mais espaço e é mais arejado
Um beijo

6:46 PM

 

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