Maiakovski & Nós
A violência já chegou a Friburgo faz tempo e nossa família foi vitima dela. Agora, parece que suas rédeas foram tomadas pelo poder público e, por isso, aí estão as palavras de Márcia Frazão que refletem, exatamente, o que sinto e penso:
Primeiro, eles vêm à noite, com passo furtivo, a gente não se dá conta, finge que não vê, tapa os ouvidos,aumenta o volume da tevê, finge uma ocupação absolutamente irrisória, zanza pela casa, abre a geladeira, lê o jornal e se preocupa... com conceitos que quanto mais abstratos, melhor. Depois eles chegam, arrancam uma flor, e substituimos o vaso, absolutamente seguros de que foram-se os anéis mas ficaram os dedos ou de que poderia ter sido pior porque uma flor é só uma flor e não dizemos nada. Pra que falar? Era só uma flor, uma florzinha à-toa, um tico de insignificância, um delitinho mínimo, desmerecedor de grandes preocupações. No dia seguinte, já não tomam precauções:tiram a máscara de bandidos, exibem suásticas, rufam tambores e gritam palavras de ordem (?) como Negros Imundos, Homossexuais Nojentos, Libertários Impuros, Artistas Devassos, Humanistas Panacas, Mulheres Vadias, Ecologistas de Merda, Judeus Sujos, Árabes Terroristas e outros slogans que nem o Canhoto conseguiria (nem teria estômago) criar. Sem cerimônia entram no nosso jardim, como se a casa fosse deles e tívessem sido convidados e pisam as nossas flores, mas flores são flores e são só flores e pra que fazer tanto barulho por nada? Damos uma espiadinha nos estragos no gramado, verificamos quais sementes e mudas compraremos no dia seguinte. Depois, entramos em casa, fechamos a porta e eles matam nosso cão. Só reparamos na manhã seguinte e mais uma vez fechamos os olhos , tapamos os ouvidos e costuramos a boca. Fingimos que não vimos ou soubemos que o matador (secretário de uma prefeitura perdida nos cafundós do país) chegou até a vangloriar-se num canal de tevê, exibindo - subliminarmente, é claro - uma pavorosa suástica que a plenos pulmões declarou que "cachorro é que nem criança negra, ninguém quer adotar" e empolgado pelas câmeras pomposamente afirmou que "se houvesse uma lei que permitisse matar menores de ruas, isso era um caso a se pensar". Mas que valor teriam as palavras de um secretário caipira perdido num município cravado no interior de um estado? O coitado deve ter se embananado, televisão intimida e acaba-se falando besteira , preferimos pensar
e não dizemos nada.
Até que um dia o mais débil dentre eles
entra sozinho em nossa casa,
rouba nossa luz,
arranca a voz de nossa garganta
e já não podemos dizer nada.
As frases em vermelho são do poeta Eduardo Alves da Costa, em seu poema Caminhando com Maiakovski que ao escrevê-las, certamente deve ter passado pelo que hoje passa Nova Friburgo, nas mãos de um secretário de quem o próprio Demo deve sentir vergonha.
Marcia Frazão http://www.marciarfrazao.blogspot.com/
Marcia Frazão http://www.marciarfrazao.blogspot.com/
7 Comments:
Sem palavras! Que horror que a prefeitura de Friburgo.
1:58 PM
Hoje existe muita exacerbação de poder e, como a formação das pessoas parece não incluir mais alguns valores morais, não sei onde se vai parar!
12:00 AM
olha
fiquei com o coração apertado ao ler este texto fortissímo.
Beijocas
11:34 AM
Este poema é sempre atual, mas com os complementos ficou ainda mais incisivo. Como diria Maiakovski: "Comigo se hay vuelto loca la anatomia. Soy todo corazón"!
3:48 PM
Querido Mocho Falante
Não sabe como eu gostaria de te oferecer, apenas, belas noites de Luar e galhos plenos de verde fresquinho; mas a vida tem sido dura e também me chocam estes faróis desalmados!
Obrigada por sua visita, sempre me honra e enternece!
James
Pobres dos que são apenas coração! São melhores pessoas mas, sofrem muito mais! Grata pela presença.
8:34 PM
Carissima Angela...
Bom conhecer seus escritos, sua vivencia com a vida!
So quero reforcar o por que sobre o poema "Caminhando com Maiakovsky":
Maiakovsky poeta russo,de ascendencia judaica,socialista perseguido pela ditadura do bonzinho Stalin,conduzido `a execucao por "traicao `a patria",entre tantos gritos do silencio,deixou uma ode tao verdadeira que ela e' copiada ,exaltada por tantos e so este,seu poeta de Friburgo(minha terra adotiva) teve a coragem de denomina-lo.
Parabens!
Adolfo Berditchevsky,
de Israel.ex-morador la da Alberto Braune.
11:05 AM
Muito grata Adolfo
Se apenas poucos tem esta lucidez, muitos poderiam , ao menos, ter olhos para percebê-la e seguir seu rastro.
Nesta sua Terra adotiva, meu pai e minha amiga, sua segunda esposa, foram assassinados por um empregado encaminhado pela prefeitura de Friburgo. Já são mais de vinte anos e tudo continua igual, mas continuamos a espernear serenamente.
10:34 PM
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